Centenas de milhares
de refugiados muçulmanos converteram-se ao cristianismo nos últimos meses.
Embora em alguns dos seus países de origem a conversão seja vista como um
delito que pode ser punido até com a pena de morte, as igrejas alemãs,
protestantes e católicas, voltaram a celebrar missas com bancos lotados. Em algumas,
como na da Trindade, no bairro berlinense de Steglitz, cerca de 80% dos fiéis
são ex-muçulmanos.
Para o pastor
Gottfried Martens, que já batizou 1.200 convertidos, os refugiados desejam
romper definitivamente com o passado e aumentar suas chances de integração na
sociedade alemã. Mas Daniel Ottenberg, da ONG Open Doors, encontra outra
explicação. Com o debate sobre o terrorismo islâmico, muitos muçulmanos
começaram a sentir um alto grau de insegurança em relação à própria religião.
— Eles cresceram
na crença de pertencer à melhor religião do mundo, mas começaram a questionar
isso depois que, em nome da religião, foram cometidos tantos atos de violência
— sustenta Ottenberg.
Enquanto as duas
grandes igrejas oficiais, católica e luterana protestante, veem os novos fiéis
como uma chance de compensar as perdas dramáticas de membros nos últimos dez
anos, as organizações muçulmanas reagem com cautela.
— Cada um deve
agir de acordo com os seus próprios interesses — disse um representante do
Conselho dos Muçulmanos na Alemanha.
Por outro lado,
islamistas e fundamentalistas bombardeiam os novos cristãos com ameaças. Um
estudo da Open Doors revela que muitos convertidos desistem do batismo na
última hora com medo de pôr em risco os parentes que ficaram em seus países.
Mesmo em alguns
locais que passaram pela Primavera Árabe, como o Egito, a conversão ao
cristianismo é vista como um delito na sociedade muçulmana. Parentes dos
convertidos podem ser alvo de represálias.
— Para os
refugiados, o problema não é apenas os conflitos naturais que podem surgir
entre os vindos das regiões de crise, traumatizados pela guerra e pela fuga,
que vivem com frequência em abrigos lotados. O mais alarmante é o fato de que
os fugitivos cristãos e de outras minorias religiosas cada vez mais são alvo da
mesma perseguição e discriminação das quais eram vítimas nos seus países de
origem — diz Daniel Ottenberg.
Praticamente
todos os participantes da missa de domingo passado na Igreja da Trindade já
passaram pelo trauma da perseguição religiosa, mas a maioria vê a nova religião
como a perspectiva de uma vida melhor.
Evangelho
em farsi e árabe
Na opinião do
afegão Ali Mirzace, o fundamentalismo, as guerras religiosas e a brutalidade do
Estado Islâmico ou dos talibãs dividem os jovens muçulmanos. Enquanto uns
adotam a doutrina do Islã político, outros desenvolvem uma aversão contra a
própria identidade cultural, da qual se julgam vítimas.
— Tudo continua
difícil, mas acreditar em Jesus nos ajuda a enfrentar as adversidades —
sustenta.
O amigo Mohamed
Hakime, de 17 anos, também é afegão. Os dois se conheceram durante a fuga
através do Mar Mediterrâneo, no ano passado, em um momento no qual o barco
parecia que ia afundar. Hakime confessa que decidiu se batizar para provar que
tinha um enorme interesse em se integrar à sociedade alemã.
O batismo é para
eles a conclusão de um processo de abandono definitivo do passado. Há um clima
de entusiasmo. Todos os frequentadores da Igreja da Trindade de Steglitz
acompanham a missa com o manual que oferece o texto e os cantos em alemão, com
tradução para farsi e árabe. E todos cantam juntos.
Embora a missa
dure quase duas horas, ninguém vai embora quando termina. A festa da eucaristia
continua no salão paroquial, onde os alimentos trazidos pelos visitantes e
preparados pela paróquia são divididos.
Nesses momentos,
lembra Ali Mirzace, eles conseguem esquecer as dificuldades que nunca acabam.
Como os refugiados não têm muita privacidade nos abrigos coletivos, onde
precisam dividir quartos uns com outros, logo que um aparece com um terço, uma
Bíblia ou começa a frequentar uma igreja cristã torna-se alvo da hostilidade.
O curdo sírio
Sava Soheili, de 27 anos, está desde o ano passado em Berlim. Desde o início do
ano, é um luterano fervoroso que gosta de mostrar o crucifixo pendurado em um
cordão de ouro. Soheili afirma que os convertidos são, na opinião dos
fundamentalistas, “verdadeiros criminosos que merecem a pena de morte”.
— Nós somos
considerados kuffars, palavra que para os muçulmanos fundamentalistas significa
um descrente que cometeu um grave crime religioso. Os kuffars são vistos como
criminosos religiosos que merecem a pena de morte — explica.
Segundo o pastor
Gottfried Martens, a igreja e o Estado tentam proteger os refugiados cristãos,
mas é difícil uma solução porque trata-se de um problema bastante complexo.
— Uma possível
solução seria criar abrigos para refugiados cristãos, mas a separação dos
convertidos ofereceria um outro risco — disse.
A prefeitura de
Berlim também recusou a criação de abrigos para convertidos alegando que,
separados, esses refugiados ostentariam abertamente a sua condição como um
estigma e assim poderiam tornar-se um alvo fácil de terroristas.
Mostafa, um
iraniano de 23 anos, diz que a opção pelo cristianismo é também pela liberdade
individual.
— Há também
casos de cristãos que se convertem ao Islã, mas não há com certeza nenhum que
por isso tenha sido perseguido — desabafa.
Luteranismo
e catolicismo são as opções
O iraniano Ali,
de 29 anos, lembra, porém, que muitos não são culpados pela imagem deturpada
que têm de outras religiões.
— Em muitos
países muçulmanos, há um processo de lavagem cerebral. E o pior é que
acreditamos mesmo em tudo o que dizem. Só quando chegamos a um país livre temos
a chance de abrir os olhos e ver que os muçulmanos não são melhores do que
pessoas de outras religiões.
Ali e Mostafa
foram batizados antes de aprenderem o idioma alemão. O curso de catecismo foi
feito em farsi. Dependendo do lugar onde moram, os refugiados interessados no
cristianismo optam pela igreja luterana — em Berlim, a religião da maioria — ou
pelo catolicismo — dominante na região da Renânia, como na cidade de Colônia,
que tem a famosa catedral.
Mas as pessoas
nessas igrejas, pastores, padres e fiéis, convivem com o medo. A proteção é
discreta. Na entrada da Igreja da Trindade, três homens cuidam da segurança.
Com a desculpa de distribuir os manuais de orações e cantos, eles avaliam todos
os que chegam. Durante toda a missa, ficam atentos para qualquer eventualidade
com o número da emergência da polícia gravado nos celulares.
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O Globo
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