É lícito sentar-se nos primeiros lugares? Não será falta de humildade?
Jesus propõe que quando formos convidados a alguma celebração, um casamento,
não ocupemos os primeiros lugares, mas, ao mesmo tempo, nos ensina como “chegar
a ocupar o primeiro lugar”. Como? Não estou traindo a letra da Sagrada
Escritura. Leiamos novamente: “Mas, quando fores convidado, vai tomar o último
lugar, para que, quando vier o que te convidou, te diga: Amigo, passa mais para
cima. Então serás honrado na presença de todos os convivas” (Lc 14,10).
Como a Igreja gostaria que houvesse muitos bons cristãos ocupando os
primeiros lugares! Quando se procura ocupar o primeiro lugar para servir melhor
às pessoas não só não se comete um pecado de orgulho, mas se faz um favor à
sociedade. É questão de trabalhar bem, por amor a Deus, com o desejo de servir
a todos, com pontualidade, sendo amável para com todos, sem servilismos nem
falsidades. Com essa intenção de servir e de colocar a Cruz de Cristo em todas
as atividades humanas não só é lícito desejar ocupar o primeiro lugar, mas
constitui para o católico um dever.
A humildade atrai sobre si o amor de Deus e o apreço dos outros, ao
passo que a soberba os repele. Por isso, a primeira leitura (Eclo 3,19-21.
30-31) aconselha-nos: “Nos teus assuntos, procede com humildade, e haverão de
amar-te mais que ao homem generoso. E na mesma passagem: Torna-te pequeno nas
grandezas humanas, e alcançarás o favor de Deus, e Ele revela os seus segredos
aos humildes”.
O homem humilde compreende melhor a vontade divina e sabe o que Deus lhe
vai pedindo em cada circunstância. O humilde respeita os outros, as suas
opiniões e as suas coisas; possui uma especial fortaleza, pois apóia-se
constantemente na bondade e onipotência de Deus: “Quando sou fraco, então sou
forte”, proclama São Paulo.
A ambição, uma das formas de soberba, é causa freqüente de mal-estar em
quem se deixa levar por ela. “Por que ambicionas os primeiros lugares? Para
estar por cima dos outros?”, pergunta-nos São João Crisóstomo.
A virtude da humildade não tem nada a ver com a timidez ou a
mediocridade. A humildade leva-nos a ter plena consciência dos talentos que
Deus nos deu, mas para fazê-los render com o coração reto.
A humildade faz que tenhamos consciência clara de que os nossos talentos
e virtudes, tanto naturais como na ordem da graça, pertencem a Deus, porque da
sua plenitude, todos recebemos. Tudo o que é bom vem de Deus; a deficiência e o
pecado, esses, sim, são nossos. Humildade é reconhecer que valemos pouco – nada
-, e ao mesmo tempo sabermo-nos “portadores de essências divinas de um valor
inestimável”.
A humildade elimina os complexos de inferioridade – que com freqüência
resultam da soberba ferida -, torna-nos alegres e serviçais, sequiosos de amor
de Deus: Nosso Senhor porá em nós tudo o que nos faltar.
Só o humilde procura a sua felicidade e a sua fortaleza no Senhor. Um
dos motivos pelos quais os soberbos andam à cata de louvores e se sentem
feridos por qualquer coisa que possa rebaixá-los na sua própria estima ou na
dos outros, é a falta de firmeza interior; o seu único ponto de apoio e de
esperança são eles próprios.
Cuidemos de não insistir nas nossas opiniões, a não ser que a verdade ou
a justiça o exijam, e empreguemos então a moderação unida à firmeza.
Passemos por alto os erros alheios, desculpando-os e ajudando-os com uma
caridade delicada a superá-los; cedamos à vontade dos outros sempre que não
esteja envolvido o dever ou a caridade.
Aceitemos ser menosprezados, esquecidos, não consultados nesta ou
naquela matéria em que nos consideramos mais experientes ou em mais
conhecimentos; fujamos de ser admirados ou estimados, retificando a intenção
perante os louvores e elogios. Devemos procurar alcançar o maior prestígio
profissional possível, mas por Deus, não por orgulho, nem para pisar os outros.
Aprenderemos a ser humildes se nos relacionarmos sempre mais intimamente
com Jesus.
Comentários dos textos bíblicos
Leituras: Eclo 3,19-21.30-31; Hb 12,18-19.22-24a; Lc 14,1.7-14
Caros irmãos e irmãs,
Para este domingo a Liturgia da Palavra nos
propõe uma reflexão sobre alguns valores importantes para o nosso quotidiano: a
humildade, a gratuidade, o amor desinteressado…
Na primeira leitura, tirada do Livro do Eclesiástico (cf. Eclo
3,19-21.30-31), a humildade é enfatizada como um caminho agradável a Deus, que
proporciona ao homem êxito e felicidade.
O texto nos apresenta uma instrução de um pai ao seu filho, na qual
mostra a humildade como uma das qualidades fundamentais que todos nós devemos
cultivar. É na humildade e na simplicidade que reside o segredo da sabedoria e
do bem.
O homem que se deixa dominar pelo orgulho
torna-se egoísta, injusto e despreza os outros, sente-se superior aos demais e
pratica, com frequência, gestos de prepotência, que o torna temido, mas nunca
admirado ou amado. É preciso reconhecer,
com simplicidade, que tudo o que somos e temos é um dom de Deus e que as nossas
qualidades não dependem dos nossos méritos, mas somente de Deus.
Na página do Evangelho encontramos Jesus como
hóspede na casa de um chefe dos fariseus.
Os fariseus formavam um dos principais grupos da sociedade palestina
desta época. Dominavam os ofícios sinagogais e estavam presentes em todas as
atividades religiosas dos israelitas. A preocupação fundamental era transmitir
a todos o amor pela Torá, quer escrita, quer oral. Tratava-se de um grupo
sério, verdadeiramente empenhado na santificação do Povo de Deus; mas, ao
absolutizar a Lei, esquecia das pessoas e não praticava o amor e a
misericórdia. Os fariseus se consideravam puros, porque viviam de acordo com a
Lei e desprezavam os que não cumpriam os seus preceitos integralmente; não eram
propriamente modelos de humildade. Isso talvez explique a luta pelos lugares de
honra que o Evangelho faz referência.
O relato evangélico nos situa no contexto de
um banquete, que no mundo semita, era o espaço do encontro fraterno, onde os
convivas partilham do mesmo alimento e estabelecem laços de comunhão, de
proximidade, de familiaridade, de irmandade. Jesus aparece muitas vezes em
banquetes, para sublinhar o sentido da comunhão, do encontro e da
familiaridade, sinais que caracterizam o reino de Deus.
Observando que os convidados escolhiam os
primeiros lugares à mesa, Jesus contou uma parábola, ambientada num banquete
nupcial, dizendo: “Quando tu fores convidado para uma festa de casamento, não
ocupes o primeiro lugar. Pode ser que tenha sido convidado alguém mais
importante do que tu, e o dono da casa, que convidou os dois, venha te dizer:
‘Dá o lugar a ele’. Então tu ficarás envergonhado e irás ocupar o último lugar.
Mas, quando tu fores convidado, vai sentar-te no último lugar. Assim, quando
chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para cima’. E isto vai ser
uma honra para ti diante de todos os convidados” (Lc 14,8-10). Alguém que ocupa
logo o primeiro lugar, já não pode ser convidado pelo anfitrião para subir a um
lugar melhor; só pode ser rebaixado, isto quando aparece alguma pessoa mais
importante. Por isto, é melhor ocupar o último lugar, para poder receber o
convite de ocupar um lugar de maior destaque.
No final da parábola Jesus sugere ao chefe dos
fariseus que convide à sua mesa não os amigos, os parentes ou os vizinhos
ricos, mas as pessoas mais pobres e marginalizadas, que não têm como retribuir
esse gesto (cf. Lc 14,13-14).
Os fariseus escolhiam cuidadosamente os seus
convidados. Nas suas refeições, não convinha comparecer alguém de nível menos
elevado, pois nesta refeição, não convinha estabelecer obrigatoriamente laços
com pessoas tidas como desclassificadas. Por outro lado, também os fariseus
tinham a tendência, própria de todas as pessoas, de todas as épocas e culturas,
de convidar aqueles que podiam retribuir da mesma forma. A questão é que, dessa
forma, tudo se tornava um intercâmbio de favores e não gratuidade e amor
desinteressado.
Jesus reprova esta prática e ressalta ser
preciso convidar “os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos” (v.13),
considerados pecadores notórios, amaldiçoados por Deus e, por isso, estavam
proibidos de entrar no Templo (cf. 2Sm 5,8) para não profanar o lugar sagrado
(cf. Lv 21,18-23). No entanto, para Jesus, são esses que devem ser os
convidados para o banquete. Com isto,
Jesus fala do banquete celeste, quando todos estarão unidos por laços de
familiaridade e comunhão, para o qual todos são convidados, inclusive os que a
cultura social e religiosa tantas vezes exclui.
O acesso a este banquete escatológico não ocorre pelo jogo de interesse,
mas pela gratuidade e pelo amor. Na verdade, a verdadeira recompensa, só Deus
nos dará. Para participar deste banquete é necessário ser humilde, simples e
estar a serviço do outro. E Jesus
conclui a parábola dizendo: “Aquele que se exalta será humilhado, e quem se
humilha será exaltado” (Lc 14,11).
A humildade é uma grande virtude humana,
porque, em primeiro lugar, representa o modo de agir do próprio Deus. É o
caminho escolhido por Cristo que “identificado como homem, se humilhou a si
mesmo, tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz” (Fl 2,7-8).
Nesta parábola podemos encontrar uma mensagem
importante e atual. Cristo nos convida a
seguir o itinerário da humildade. Hoje
somos chamados a um compromisso honesto e a um profundo interesse pelo bem
comum. A humildade é, portanto, o resultado de uma vitória do amor sobre o
egoísmo e da graça sobre o pecado. Esta parábola faz pensar também na nossa
posição em relação a Deus. O “último lugar” pode representar a condição da
humanidade atingida pelo pecado.
No cântico do “Magnificat” Maria nos diz que
Deus “olhou para a humildade da sua serva” (Lc 1,48). A humildade de Maria é
aquilo que Deus mais aprecia. A
humildade de Deus que se fez carne, que se fez pequenino, e a humildade de Maria
que O recebeu no seu seio; a humildade do Criador e a humildade da criatura.
Foi deste encontro de humildade que nasceu Jesus, Filho de Deus e Filho do
homem. A primeira leitura nos diz: “Quanto maior fores, tanto mais te deves
humilhar, e assim encontrarás benevolência diante de Deus” (Eclo 3,18).
A humildade é também muito cara para São
Bento, que escreveu em sua Regra um longo capítulo dedicado a ela, ressaltando
o seu valor e a sua importância para chegarmos ao reino celeste (cf. RB
7). Possamos nós seguir o modelo dos
santos, que souberam praticar a humildade; e também o exemplo do próprio
Cristo, que se revelou como “manso e humilde de coração” (cf. Mt 11,29).
A humildade que o Senhor nos ensinou e que os
Santos puderam testemunhar, cada qual segundo a originalidade da sua própria
vocação, constitui um estilo de vida, um modelo para cada um de nós.
Continuando a Celebração Eucarística, centro da nossa vida, peçamos a Nossa
Senhora, modelo de uma vida humilde e santa, que nos guie pelo caminho da
humildade, para podermos, um dia, sermos dignos da recompensa divina. Assim seja.
PARA REFLETIR
Engana-se quem pensa que o Evangelho de hoje é
um guia de etiqueta e de boas maneiras em banquetes e recepções. Nada disso!
Jesus pensa, aqui, no banquete do Reino, que é preparado pelo banquete da vida;
sim, porque somente participará do banquete do Reino quem souber portar-se no
banquete da vida!
E neste banquete, no daqui, no desta vida, o
Senhor hoje nos estimula a duas atitudes, dois comportamentos profundamente
evangélicos. Primeiramente, a humildade: “Quando tu fores convidado para uma
festa de casamento (Tu foste: a festa das Núpcias de Cristo com a Igreja, festa
da Nova Aliança do Reino), não ocupes o primeiro lugar… Vai sentar-te no
último… Assim, quando chegar quem te convidou, te dirá: ‘Amigo, vem mais para
cima’”. O que é ser humilde? Humildade deriva de humus, pó, lama, barro… Ser
humilde é reconhecer-se dependente diante de Deus, é saber-se pobre, limitado
diante do Senhor. Quem é assim, sabe avaliar-se na justa medida porque sabe
ver-se à luz do Senhor! O humilde tem diante de si a sua própria verdade: é
pobre, é indigente, mas infinitamente agraciado e amado por Deus. Por isso, o
humilde é livre e, porque livre, manso. Tinha razão Santa Teresa de Jesus quando
afirmava que a humildade é a verdade. O humilde vê-se na sua verdade porque
vê-se como Deus o vê, vê-se com os olhos de Deus! Então, o humilde é aberto
para o Senhor, dele reconhece que é dependente, e a ele se confia. Podemos,
assim, compreender as palavras do Eclesiástico: “Filho, realiza teus trabalhos
com mansidão; na medida em que fores grande, deverás praticar a humildade, e
assim encontrarás graça diante do Senhor. O Senhor é glorificado nos humildes”.
É assim, porque somente o humilde, que reconhece que depende de Deus, pode ser
aberto, e acolher como uma criança o Reino que Jesus veio trazer.
A segunda atitude que o Cristo hoje nos ensina
é a gratuidade: “Quando deres uma festa (Tu dás: a festa da vida que o Senhor
te concedeu e, mais ainda da vida nova em Cristo, recebida no Batismo e
celebrada na Eucaristia), convida os pobres, os aleijados, os coxos, os cegos.
Então tu serás feliz! Porque eles não te podem retribuir. Tu receberás a
recompensa na ressurreição dos justos”. A gratuidade é a virtude que dar sem
esperar nada em troca, dar e sentir-se feliz, sentir-se realizada no próprio
dar. Se prestarmos bem atenção, a gratuidade é filha da humildade. Só quem sabe
de coração que em tudo depende de Deus e de Deus tudo recebeu gratuitamente
(humilde), também sente-se impelido a imitar a atitude de Deus: dar
gratuitamente! “De graça recebestes, de graça dai!” (Mt 10,8) ou, como dizia
Santa Teresinha do Menino Jesus: “Viver de amor é dar sem medida, sem nesta
terra salário reclamar; sem fazer conta eu dou, pois convencida de que quem ama
já não sabe calcular!” Pois bem, quem faz crescer em si a humildade e cultiva a
gratuidade, experimenta a Deus e seu Reino, pois aprende a sentir o coração do
próprio Deus, que tudo nos deu gratuitamente. Quem cultiva a humildade e a
gratuidade, deixa o Reino ir entrando em si e entrará, um dia, no Reino de
Deus!
Mas, se pensarmos bem, nada disso é fácil,
pois vivemos no mundo da auto-suficiência e dos resultados. O homem já não mais
se sente dependente de Deus; deseja ele mesmo fazer a vida do seu modo. Assim,
se fecha para Deus e, para ele se fechando, já não mais reconhece no outro um
irmão e, não experimentando a misericórdia gratuita de Deus, já não sabe mais
dar gratuitamente: tudo tem que ter retorno, tudo tem que apresentar
contrapartida, tudo tem que, cedo ou tarde, dá lucro, tudo é pensado na lógica
do custo-benefício. Como é triste a vida, quando é vivida assim… Mas, não será
o nosso caso? Pensemos bem, porque se assim o for, jamais experimentaremos Deus
de verdade, jamais conhecê-lo-emos de verdade. Nunca é demais recordar a
advertência da Escritura: “Quem não ama não conhece a Deus!” (1Jo 4,8)
Caríssimos,
Aproximemo-nos de “Jesus, mediador da nova
aliança”, e supliquemos a graça de um coração renovado, um coração convertido,
um coração de pensamentos novos e novas atitudes! Que durante toda esta semana
tenhamos a coragem de analisar e revisar nossas atitudes em casa, com os amigos
e próximos, com os companheiros de trabalho e de estudo… e examinemo-nos diante
do Cristo nosso Deus, no que diz respeito à humildade e à gratuidade.
Recordemos que se tratam de duas atitudes de farão nosso coração pulsar em
sintonia com o coração de Deus. Recordemos, como dizia São Bento, que pela
humildade se sobe e pela soberba se desce! Para onde se sobe? Para o banquete
do Reino de Deus. Para onde se desce? Para a penúria do anti-Reino, do reino de
Satanás! Peçamos, suplicando, ao Senhor, a graça da conversão, que somente com
nossas forças somos incapazes e impotentes para encetar! Que Deus no-la
conceda. Amém!
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