Um
dos maiores desejos do ser humano é o da salvação. O que é salvação? Quando uma
pessoa está se afogando, grita pedindo socorro: que alguém o salve! Quando
estamos enfermos, desejamos ser salvados, curados dos nossos males. A salvação
sempre vem ao encontro de quem está necessitado e só a pede quem se vê
necessitado. Ainda que todos necessitem ser salvos, nem todos parecem
percebê-lo. Esse é um dos grandes problemas da modernidade: quando se tem um
bom salário, uma boa casa, o carro do ano, seguro médico, amigos com os quais
divertir-se, etc. Que mais pode faltar? Salvação? De quê? De quem? Isso não
acontece somente em ambientes ricos, também há muitos pobres que tendo um
barraco e um pouco de comida para ir levando a vida, se contentam: salvação? De
quê? Ganhar na loteria pareceria ser, nesse caso, a única salvação possível.
Há também misérias espirituais! Pobres e ricos terminam debaixo do chão ou numa caixinha destinada a guardar as suas cinzas; ambos podem pecar e contrair, também aumentar, os vícios; ricos e pobres podem ser – como de fato são – atacados pelo diabo. Essas misérias espirituais – morte, pecado, demônio – não ficam somente ao nível do espírito. No caso da morte está claro! Mas também em relação ao pecado e ao demônio: qualquer afinidade com essas realidades definha não só o nosso espírito, mas também o nosso corpo. O ser humano é uma unidade de alma e corpo inseparavelmente unida. Eu não posso ser atingido só no meu dedinho quando dou uma martelada errada no prego e acerto o polegar, a dor repercute em toda a minha pessoa, sou eu quem sofro essa dor, não só o meu dedo.
A salvação que Cristo oferece chega à pessoa em sua totalidade, mas começa pelo mais profundo. Ainda percebemos o poder do pecado, do demônio e da morte, não obstante, foi-nos dado o remédio para combatê-los sempre: a graça de Deus. A salvação total e definitiva acontecerá no céu. Nesses tempos, a salvação já realizada espera a consumação na Parusia, na segunda vinda de Cristo. Isso é assim porque se formos ao céu antes da Parusia, lá estaremos somente com a nossa alma, o qual indica que falta algo importantíssimo: o corpo. A consumação daquilo que já foi realizado, a nossa salvação, se dará nos novos céus e na nova terra.
Nesse contexto, entende-se perfeitamente a pergunta daquele incógnito: “Senhor, são poucos os homens que se salvam?” (Lc 13,23). Jesus dá duas respostas que se complementam: “Procurai entrar pela porta estreita” (Lc 13,24). Logo, parece que são poucos: a porta é estreita. “Virão do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e sentar-se-ão à mesa no Reino de Deus” (Lc 13,29). Logo, parece são muitos: do norte e do sul, do leste e do oeste. Logicamente, o fato de a porta ser estreita, não significa que passem poucos; nem o fato de virem de todas as partes significa que sejam muitos. Enfim, trata-se de uma curiosidade que Jesus não deseja satisfazer no momento.
Mas do que perguntar se são muitos ou poucos, é muito mais importante perguntar: Senhor, serei salvo? E como Deus “deseja que todos os homens se salvem” (1 Tm 2,4), é muito melhor perguntar: Senhor, faço tudo o que está ao meu alcance para ser salvo? A pergunta não é egoísta. Conscientes de que temos que pedir ao Senhor que nos salve – o homem não se pode salvar a si mesmo, é impossível! – é preciso colaborar para que a salvação já realizada por Jesus na Páscoa por cada um de nós esteja cada vez mais presente e atuante nas nossas vidas. “Já é hora de despertardes do sono. A salvação está mais perto do que quando abraçamos a fé” (Rm 13,11). O mesmo apóstolo que diz que “o dom de Deus é a vida eterna em Cristo Jesus” (Rm 6,23), nos diz também: “trabalhai na vossa salvação com temor e tremor” (Fl 2,12). A salvação depende totalmente de Deus, é dom, e totalmente de nós, é tarefa. “Deus que te criou sem ti, não te salvará sem ti” (S. Agostinho).
Comentário dos Textos Bíblicos
Textos: Is
66,18-21; Sl 116; Hb 12,5-7.11-13; Lc 13,22-30
A Palavra de Deus (Lc13, 22-30) vem nos
ensinar que a salvação não constitui uma propriedade adquirida, mas uma
resposta ao dom oferecido por Deus. Não é privilégio de um pequeno grupo, que
se consideram discípulos do Senhor, mas está aberto a todos indistintamente.
(cf. Is. 66, 18-21).
Diante da pergunta: “Senhor, são poucos os que
se salvam?” (Lc 13, 23) Jesus não quis responder diretamente. Foi mais longe
que a pergunta e fixou-se no essencial: perguntam-lhe sobre o número e Ele
responde sobre o modo: Entrai pela porta estreita…E a seguir ensina que, para
entrar no Reino – a única coisa que verdadeiramente importa – , não é
suficiente pertencer ao Povo eleito, nem alimentar uma falsa confiança nEle:
“Então começareis a dizer: Nós comemos e bebemos diante de ti, e tu ensinaste
em nossas praças. Ele, porém, responderá: Não sei de onde sois. Afastai-vos de
mim, todos vós que praticais a injustiça” (Lc 13, 26-27).
As palavras de Jesus são um alerta para todos!
Deus oferece gratuitamente a Salvação, mas espera a nossa resposta, o nosso
compromisso com os valores do Evangelho. É preciso acolher essa oferta, aderir
a Jesus e entrar pela “porta estreita”.
Devemos estar atentos porque o ser cristão não
é um meio mágico de salvação; esta é o resultado do encontro entre o esforça
humano e o dom de Deus (a Graça). Para salvar-se, não basta ser batizado, mas
querer entrar todos os dias pela “porta estreita” da fidelidade à mensagem de
Cristo e do Evangelho. Não adianta inventar desculpas: Sou católico desde
criança…Vou a Missa aos domingos, confesso com freqüência, pago o dízimo, ajudo
a Igreja, sou amigo do Padre…do Bispo…Fiz o cursilho, o ECC, o seminário da
RCC…sou membro do Apostolado…etc…
Naquela hora, poderá ter surpresa: “Não sei de
onde sois. Afastai-vos de mim…” (Lc 13, 27). Para conseguir a salvação temos
que entrar pela porta estreita do despojamento e da humildade, da renúncia de
si mesmo e da CONVERSÃO!
Considerar-se justo e já salvo constitui um
grande perigo, pois o dom de Deus pode passar para outros que corresponderem
melhor.
Todos os homens estamos chamados a fazer parte
do Reino de Deus, porque “Deus quer que todos os homens se salvem” (1 Tm 2,4).
Em qualquer caso só podem alcançar esta meta
da Salvação aqueles que lutam seriamente (cf. Lc 16,16; Mt 11,12). O Senhor
exprime esta realidade da nossa vida com a imagem da porta estreita. “A guerra
do Cristão é incessante, porque na vida interior dá-se um perpétuo começar e
recomeçar, que impede que, com orgulho, nos pensemos já perfeitos. É inevitável
que haja muitas dificuldades no nosso caminho; se não encontrássemos
obstáculos, não seríamos criaturas de carne e osso. Havemos de ter sempre
paixões que nos puxem para baixo e sempre precisaremos de nos defender desses
delírios mais ou menos veementes” (São Josemaria Escrivá, Cristo que passa, nº
75).
Ter conhecido o Senhor e ter escutado a sua
palavra não é suficiente para alcançar o Céu; só os frutos da correspondência à
Graça terão valor no juízo divino: Nem todo o que Me diz: Senhor, Senhor,
entrará no Reino de Céus; mas o que faz a vontade de Meu Pai que está nos Céus”
(Mt 7,21).
O povo judeu, de modo geral, considerava-se o
único destinatário das promessas messiânicas feitas aos Profetas, mas Jesus
declara a universalidade da salvação. A única condição que exige é a resposta
livre do homem ao chamamento misericordioso de Deus. Cristo ao morrer na Cruz,
o véu do Templo rasgou-se pelo meio (Lc 23, 45), em sinal de que acabava a
divisão que separava judeus e gentios.
Deus quer que todos se salvem! E o Senhor quis
que participássemos da sua missão de salvar o mundo, e dispôs que o empenho
apostólico fosse elemento essencial e inseparável de vocação cristã. Quem se
decide a segui-Lo converte-se num apóstolo com responsabilidades concretas de
ajudar os outros a encontrar a porta estreita que conduz ao Céu.
O desejo de aproximar os homens do Senhor não
nos leva a fazer coisas estranhas ou chamativas, e muito menos a descuidar os
deveres familiares, sociais ou profissionais. É precisamente nas relações
humanas normais que encontramos o campo para uma ação apostólica muitas vezes
silenciosa, mas sempre eficaz. No meio do mundo, no lugar em que Deus nos
colocou, devemos levar os outros a Cristo: com o exemplo, mostrando coerência
entre a fé e as obras; com a alegria constante; com a nossa serenidade perante
as dificuldades; por meio da palavra que anima sempre e que mostra a grandeza e
a maravilha de encontrar e seguir Jesus.
Dos primeiros cristãos, dizia-se: “O que a
alma é para o corpo, isso são os cristãos para o mundo” (Epístola a Diogneto,
5). Será que poderia dizer-se o mesmo de nós na família, no lugar de estudo ou
trabalho, na associação cultural ou esportiva a que pertencemos? Somos a alma
que dá a vida de Cristo onde quer que estejamos presentes?
Se olharmos apenas as exigências de entrar
pela porta estreita, poderíamos ficar preocupados…
Mas sabemos que Deus é bondade, misericórdia e
justiça. Cristo nos garante: “Eu sou a porta, quem entrar por mim, será salvo…”
(Jo 10, 9). E Paulo nos garante uma verdade muito consoladora: “É vontade de
Deus que todos os homens se salvem, e todos cheguem ao conhecimento da verdade”
(1 Tm 2, 4). A porta é estreita, mas está aberta…
PARA REFLETIR
Jesus continua seu
caminho para Jerusalém, rumo à sua paixão, morte e ressurreição. Seu caminho é
o dos cristãos. Pois bem, no caminho, fazem-lhe uma pergunta: “Senhor, é
verdade que são poucos os que se salvam?” É daquelas perguntas que Jesus não
responde, porque se fundam na curiosidade inútil e não naquilo que ele veio
revelar e inaugurar: o Reino de Deus, que exige de nós uma abertura de coração
e uma resposta de amor para segui-lo no caminho.
Hoje, é tão comum
apresentarem um cristianismo de curiosidade sobre o fim dos tempos, sobre
milagres, sobre curas… um cristianismo interesseiro, que busca somente emoção e
solução de problemas… Tudo isso é um falso cristianismo: vazio, anti-evangélico
(mesmo quando se diz “evangélico”) e sem sentido algum… Um cristianismo que
trai o Cristo!
Ao invés de responder a
pergunta que lhe fizeram, o Senhor vai direto ao ponto que realmente interessa…
Por isso, responde com uma advertência: Não é da nossa conta se são muitos ou
poucos os que se salvam. Interessa, isso sim, que tenhamos uma tal atitude
hoje, no presente de nossa vida, em relação ao seu Evangelho, que possamos
herdar a salvação: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta
estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão”.
Portanto, o Senhor chama nossa atenção para o presente, como estamos nos
posicionando agora em relação a ele.
Mas, por que afirmar que
a porta é estreita e que muitos tentarão e não conseguirão? Será que Deus nos
preparou uma armadilha? De modo algum! A porta é estreita porque nos tornamos
grandes demais, auto-suficientes demais, prepotentes demais, demasiadamente
cheios de nós mesmos! A porta é estreita porque nossas manhas sãos largas…
Portanto, há um combate a ser travado em nós, para nos adequarmos ao Reino de
Deus. Seguindo nossa lógica, nossos instintos, nossas paixões, não entraremos!
Não entrará no Reino quem primeiro não deixar o Reino entrar em si, no seu
coração e na sua vida!
E há ainda mais dois
aspectos importantes para os quais o Senhor chama a nossa atenção: (1) haverá
um momento final, definitivo, decisivo e irremediável: “Uma vez que o dono da
casa se levantar e fechar a porta, vós, do lado de fora, começareis a bater,
dizendo: ‘Senhor, abre-nos a porta!’ Ele responderá: ‘Não sei de onde sois’.”
Cuidemos, portanto, porque haverá um momento final, um julgamento definitivo,
um céu ou um inferno que nunca passarão! Não nos esqueçamos disso; não
brinquemos com isso! Há ainda um segundo aspecto: (2) Seremos julgados por
nossa relação com ele, o Cristo Senhor. Se hoje o amamos, se hoje vivemos o seu
Evangelho, se hoje praticamos a justiça do Reino que ele trouxe, seremos
reconhecidos por ele; caso contrário, seremos rejeitados: “Começareis a bater,
dizendo: ‘Senhor, abre-nos a porta!’ ele responderá: ‘Não sei de onde sois.
Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça’”. Nosso futuro está
ligado à nossa atitude concreta em relação a Jesus hoje! Por isso mesmo, hoje
escutemos a advertência do Autor da Carta aos Hebreus: “Meu filho, não
desprezes a educação do Senhor; pois o Senhor corrige a quem ama e castiga a
quem aceita como filho. Portanto, firmais as mãos cansadas e os joelhos
enfraquecidos, acertai os passos dos vossos pés”. É no hoje da vida que o
Senhor nos espera; é no nosso presente que o nosso futuro eterno é decidido. Como
tenho vivido meu hoje, meu presente em relação ao Senhor? Vou construindo meu
céu ou meu inferno?
E, uma última
advertência seríssima da Palavra de Deus hoje: que ninguém se iluda pensando
ser membro da Igreja, ser batizado, ser filho de Deus, pois o Senhor olha o
coração. Sermos batizados não é somente uma honra, mas é também um dever, uma
responsabilidade imensa. Quantos pagãos, quantos ateus, quantos não-católicos,
são mais generosos que nós! Quantos seriam melhores cristãos e melhores
católicos que nós! Por isso mesmo, Jesus nos previne: Virão muitos do oriente e
do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no Reino de Deus. E
assim há últimos que serão primeiros, e primeiros que serão últimos”. Como os
judeus, que eram primeiros e perderam a prioridade para nós, cristãos, assim
também nós, apesar de cristãos, podemos perder a prioridade para os pagãos.
Recordemos que ser cristão não é nunca, mera questão de tradição, de costume,
mas é, antes de tudo, uma relação viva de amor e empenho sempre renovado em
relação ao Senhor que nos chamou a segui-lo! Esse amor vivo e sempre renovado é
a única garantia de receber a salvação, de encontrar a porta aberta – e a porta
é o próprio Cristo!
Que ele, na sua
misericórdia, nos faça encontrar seu coração aberto, para que nele vivamos por
toda a eternidade. Amém.
Reflexão muito boa. Obrigado por esta graça, a boa Nova do reino.
ResponderExcluirUm abraço.