No capítulo anterior, dizia-se que a inspiração divina não
extingue a contribuição do escritor humano na redação dos livros sagrados. É o
que nos leva agora a investigar e analisar as particularidades de expressão e
estilo com que os autores do Antigo e do Novo Testamento marcaram as páginas
bíblicas.
Três são os idiomas comumente ditos sagrados, idiomas de que
Deus se quis servir para falar aos homens na Bíblia: o hebraico, o aramaico e o
grego.
O adjetivo "hebraico" se deriva do nome do
Patriarca Heber ('Êbher ou 'Ibhri, um dos pósteros de Sem, filho de Noé (cl.
Gên 10,21-25). Foi de Heber que tomou nome o povo oriundo de Abraão, também
descendente de Sem: o povo hebreu", cuja língua materna, tradicional, é o
hebraico. 1
Entre outros descendentes de Sem, conta-se ainda Arara, do
qual tomou nome a nação Araméia ou Síria, residente na Sina e na Alta
Mesopotâmia; era dotada de língua muito semelhante ao hebraico, mais rica,
porém, e sutil do que este. O aramaico se foi tornando cada vez mais comum
entre os povos do Oriente (principalmente em suas relações diplomáticas; cf. 4
Rs 18,26), de modo a vir a ser nos séc. IV/III a.C. a língua usual do próprio
povo de Abraão (cf. Ne 13,24), ficando o hebraico reservado para o culto
sagrado; no tempo de Cristo, era o aramaico o idioma falado entre os judeus.
Os idiomas hebraico e aramaico, portanto, pertencem ao grupo
das línguas semíticas. 2
Em hebraico foram redigidos quase todos os livros do Antigo
Testamento. O aramaico é o idioma original de fragmentos do Antigo Testamento
(Dan 2,4b-7,28; Esdr 4,8-6,18; 7,12-26; Jer 10,11), assim como do Evangelho de
S. Mateus, o qual, porém, hoje só existe em tradução grega.
É possível que também os livros de Tobias e Judite, dos
quais atualmente só se conhecem traduções, hajam sido redigidos originariamente
em aramaico.
Em grego foram concebidos, no Antigo Testamento, o livro da
Sabedoria e o 2º dos Macabeus; outrossim todo o Novo Testamento (com exceção do
Evangelho de S. Mateus).
Deve-se notar ainda que a tradução grega do Antigo
Testamento dita dos Setenta Intérpretes, oriunda em Alexandria (Egito) nos séc.
III/II a.C., é de grande valor filológico para se reconstituir tanto o teor
original de algumas passagens como a mentalidade dos antigos judeus.
Esses três idiomas são, na Sagrada Escritura, veículos de
mentalidade bem característica - a mentalidade semítica ou, mais precisamente,
hebraica. Com efeito, os escritores bíblicos, mesmo os que escreveram em língua
grega, eram hebreus ou, pelo menos (como no caso de S. Lucas), herdeiros, em
grande parte, da cultura religiosa do povo de Israel. 3
Sendo assim, torna-se importante para o estudo dos livros sagrados
ter em vista as notas constitutivas do que se chama "o gênio" ou
"espírito" da língua hebraica. Serão expostas abaixo no § 1.0, ao
qual se seguirá o § 2.0, concernente aos antropomorfismos bíblicos em
particular. De resto, o presente capítulo se prolongará no cap. IV, que há de
considerar o uso do nome e dos números nas páginas sagradas.
Dom Estêvão Bettencourt, OSB
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1 Este mesmo povo é também
dito "israelita", nome derivado de Israel (ou Jacó), um dos netos de
Abraão. Chama-se igualmente "o povo judeu", apelativo proveniente de
Judá. Judá era um dos doze filhos de Jacó ou Israel; já que a tribo de Judá se
tornou a estirpe do Messias, todo o povo messiânico ou israelita tomou
outrossim o nome de "judeu" ou "judaico", mormente quando
após o exilio babilônico foram os filhos de Judá que, em maior número, voltaram
à Palestina e reconstituíram a nação sagrada (séc. VI a.C.).
2 Eis como se localizam os
dois idiomas dentro da respectiva família linguística.
3 C. Charlier julga que o
Evangelho de S. João, embora escrito em grego vulgar correto, pode ser
considerado obra-prima do gênio literário semita. Cf. La Zecture chréticnne de
Ia Bible (Maredsousa, 1950), 45.
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Para Entender o Antigo
Testamento
Livraria Agir Editora
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