domingo, 29 de outubro de 2017

Homilética: 33º Domingo do Tempo Comum - Ano A: "Espiritualidade do trabalho"


Aquele que recebeu cinco talentos e o que recebeu somente dois foram bons trabalhadores. Cada um deles, recebidos os talentos, “negociou com eles; fê-los produzir, e ganhou outros” (Mt 25,16). É preciso trabalhar! Mais ainda, é preciso trabalhar bem! João Paulo II, na sua Carta Encíclica sobre o trabalho humano (“Laborem exercens”), falava de “elementos para uma espiritualidade do trabalho”. No entanto, ninguém duvida que a primeira coisa para falarmos de uma espiritualidade do trabalho é que se tenha um trabalho e se trabalhe. É verdade que nem sempre é fácil ter um trabalho. Há muitas pessoas desempregadas. Nesse sentido, a justiça social apela aos representantes responsáveis pelo bem comum da sociedade que se empenhem em criar cada vez mais postos de trabalho.

Mas também é verdade que alguém poderia não trabalhar ou trabalhar mal simplesmente porque é um preguiçoso. Como vencer a preguiça? Trabalhando. Uma boa lição deixou aos filhos aquele camponês que estava prestes a morrer. Conta-se que os seus filhos eram bem comodistas e o pai, já moribundo, disse-lhes: ‘meus filhos, estou morrendo, mas vou deixar como herança um campo e um tesouro que se encontra neste mesmo campo; vocês só terão que procurá-lo cavando o terreno’. Morto o pai, começou a caça ao tesouro. Vão cavando, revolvendo o terreno e… nada. Depois de, literalmente, cavar todo o terreno não encontraram nenhum tesouro; só então entenderam qual era o tesouro que o pai lhes tinha deixado: o trabalho.

O trabalho é um dom de Deus, que criou o homem para que trabalhasse (cf. Gn 2,15). No nosso trabalho nós temos que fazer como aqueles servos que negociaram e fizeram com que os talentos se multiplicassem. Eles sabiam que eram administradores de bens que não lhes pertenciam. E nós, o que somos? Administradores, servos, trabalhadores na vinha do Senhor, negociantes com os talentos de Deus. O Senhor nos pedirá conta da nossa administração. Temos que trabalhar santificando a nossa profissão.

O primeiro requisito para santificar o próprio trabalho, agradando ao Senhor e fazendo do trabalho um ambiente de apostolado, é fazê-lo bem: pontualidade, responsabilidade, honestidade, prudência, solidariedade etc. Essas e outras virtudes formam o cortejo das virtudes do trabalhador. Um cristão que deseja ser santo, mas desenvolve mal o seu trabalho pode vir a ser um autêntico contra testemunha do Evangelho: reza, mas não trabalha bem; vai à Missa, mas não é honesto nas relações de compra e venda; faz penitência, mas não pratica a pequena mortificação de chegar pontualmente ao trabalho; fala que todo mundo tem que ser bom, mas ele mesmo é não é justo com os seus funcionários… Mal serviço à evangelização! Ainda que participe de uns cinco grupos da paróquia, se não é bom trabalhador, bom pai de família e bom amigo dos seus amigos, não vai atrair para Deus, não estará se santificando, não estará vivendo uma boa espiritualidade.

É justamente em meio ao barulho do mundo, ao ruído das fábricas, à paciente leitura dos livros da faculdade, enfim, por ocasião dos diversos afazeres do cotidiano nós encontramos a Deus, ele nos espera em meio a essas coisas. Fugir dessa realidade é fugir do mundo real e seria, portanto, fugir do encontro com Deus. Nesse sentido, as palavras de S. Francisco de Sales são atuais para animar-nos a viver essa “espiritualidade do trabalho” da qual falava o grande João Paulo II: “a prática da devoção tem que atender à nossa saúde, às nossas ocupações e deveres particulares. Na verdade, Filotéia, seria porventura louvável se um bispo fosse viver tão solitário como um cartuxo? Se pessoas casadas pensassem tão pouco em juntar para si um pecúlio, como os capuchinhos? Se um operário frequentasse tanto a igreja como um religioso o coro? Se um religioso se entregasse tanto a obras de caridade como um bispo? Não seria ridícula tal devoção, extravagante e insuportável? Entretanto, é o que se nota muitas vezes, e o mundo, que não distingue nem sequer a devoção verdadeira da imprudência daqueles que a praticam desse modo excêntrico, censura e vitupera a devoção, sem nenhuma razão justa e real” (S. Francisco de Sales, Filotéia, 1,3).

Vamos continuar negociando com os nossos talentos. Há momentos nos quais precisamos ser fortalecidos para continuar com esse empenho firme e alegre: santificar a realidade profissional, a de todos os dias. Vamos fortalecer-nos na Missa dominical, e até diária se possível; na meditação diária da Palavra de Deus; na reza quotidiana do Terço; nas visitas ao Santíssimo. Todas essas práticas de piedade são como um “posto de combustível” aonde o carrinho da nossa alma vai se reabastecer para continuar caminhando, encontrando e amando a Deus, conversando com ele em todos os momentos da nossa jornada.

COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS

Textos: Prov 31, 10-13.19-20.30-31; 1 Tess 5, 1-6; Mateus 25, 14-30

Caros irmãos e irmãs, o trecho evangélico escolhido para este domingo é a parábola dos talentos. O texto nos diz que um homem, ao ausentar-se para uma viagem, distribuiu talentos a três servos, para que tomassem conta deles e os fizessem frutificar. A um deu cinco talentos, a outro, dois; e a um terceiro, apenas um talento. O talento era uma antiga moeda romana, de grande valor. Cada talento correspondia a um salário de vinte anos de trabalho de um operário comum; algo semelhante a 35 quilos de ouro; portanto, uma grande quantia; seria algo em torno de 3,5 milhões. Logo, mesmo aquele que recebeu só um talento, recebeu uma enorme quantia; o que sublinha a imensa generosidade de Deus nos seus dons.

A cada um ele os deu “conforme a sua capacidade” (v. 15), para que esses dons pudessem ser desenvolvidos e usados para fazer o bem a si mesmo, aos outros e ao Reino de Deus. O servo que recebera cinco talentos negociou e conseguiu lucrar mais cinco. O que recebera dois, negociou também e lucrou outros dois. O terceiro, porém, sem coragem e omisso, escondeu debaixo da terra o talento recebido, para devolvê-lo na volta ao patrão. No retorno do patrão, os dois primeirosn entregaram o lucro conseguido, e foram elogiados, o que o fez confiar a eles quantias maiores e os convidou: “Vem participar da minha alegria!” (v. 21).

Ao terceiro, que entregou o talento que guardara escondido, temendo as exigências do patrão, recebeu severas admoestações: “Servo mau e preguiçoso!” (v. 26). E mandou que tirassem o talento e o entregassem ao que tinha dez. Em seguida, foi ele lançado nas trevas, onde haveria choro e ranger de dentes (cf. v. 30) .

Na parábola o patrão louva os discípulos que se empenharam em fazer frutificar os bens confiados a eles; e condena o discípulo que se instala no medo e na preguiça e não põe a render os talentos a ele confiados. Em conformidade com a lei rabínica, o ato de enterrar o dinheiro era considerado a forma mais segura contra o roubo ou eventuais guerras. Se a uma pessoa fosse confiada uma quantia em dinheiro e ela o enterrasse tão logo estivesse em seu poder, ela estaria livre da culpa se algo acontecesse. Nesta parábola o patrão inverte o entendimento da lei rabínica. Ele considerou enterrar o talento, como um prejuízo inaceitável, pois ele pensava que o capital deveria receber uma taxa de retorno razoável.

O patrão que seguiu em viagem deixou um total de 8 talentos; ao retornar, os 8 haviam se transformado em 15. Mas, o ganho de uma pessoa não ocorre à custa de um outro. O empreendimento eficaz do primeiro servo não prejudica as possibilidades do terceiro servo. Isto indica que seremos julgados, no juízo final, individualmente, não no conjunto.

Nesta parábola, o patrão pode ser identificado com o próprio Jesus que, antes de deixar este mundo, entregou bens consideráveis aos seus servos, ou seja, os discípulos. Os talentos são os dons que Deus, através de Jesus, ofereceu aos homens. Eles podem ser a Palavra de Deus, os valores do Evangelho, os sacramentos, o amor, a partilha, a misericórdia, a fraternidade e também o perdão, que o Senhor nos concede, sobretudo, no Sacramento da Confissão. Esses talentos recebidos devem dar frutos copiosos, sobretudo através do nosso testemunho. São os bens mais preciosos que recebemos do Senhor. Trata-se de um grande patrimônio que Ele nos confia. Nossa responsabilidade está em conservar todo este patrimônio, mas também fazê-lo multiplicar. Nós somos os depositários desses bens. Eles devem dar frutos e não podem ser enterrados.

Na perspectiva da nossa parábola, esses talentos que Jesus deixou aos seus discípulos necessitam dar frutos. A parábola apresenta os dois servos que investiram e multiplicaram os talentos recebidos como referência para cada um de nós. Eles se preocuparam em não deixar parados os talentos recebidos do patrão, fizeram investimentos, não se acomodaram e não se deixaram influenciar pelo medo. A parábola condena fortemente o servo que devolveu intactos os bens recebidos. Ele teve medo e, por isso, não correu riscos; não tirou desses bens qualquer fruto e impediu que os bens do seu senhor se desenvolvessem.

Através desta parábola, o Evangelista São Mateus nos exorta a estarmos alertas e vigilantes. Não podemos esquecer os compromissos assumidos com o Cristo Senhor. O cristão não pode deixar na gaveta os dons recebidos de Deus. No mundo, somos as testemunhas de Cristo. É com o nosso coração que Jesus continua a amar os pecadores do nosso tempo; é com as nossas palavras que Jesus continua a consolar os que estão tristes e desanimados; é com os nossos braços abertos que Jesus continua a acolher cada irmão que está sozinho e abandonado.

Os dois primeiros servos da parábola que, talvez correndo riscos, fizeram frutificar os bens recebidos do patrão, mostram como devemos proceder, enquanto caminhamos pelo mundo à espera da segunda vinda de Jesus. Aquele servo que escondeu o talento sem o valorizar, comportou-se como se o seu dono não voltasse mais, como se não chegasse o dia em que lhe seriam pedidas as contas da sua ação. Com esta parábola, Jesus quer ensinar aos seus discípulos como melhor usar os dons recebidos de Deus, que chamou cada homem à vida e a ele deu muitos talentos. Ao comentar esta página evangélica, São Gregório Magno observa que o Senhor não deixa faltar a ninguém a sua caridade, o seu amor: “Por isso, meus irmãos, é necessário que dediqueis toda a atenção na conservação da caridade, em cada ação que deveis realizar” (S. GREGÓRIO MAGNO, Homilias sobre os Evangelhos 9, 6).

O buraco feito no terreno pelo servo mau e preguiçoso (cf. v. 26) indica o medo de arriscar, que bloqueia a fecundidade do amor. Em um primeiro momento, a parábola parece falar dos bens materiais por causa da entrega dos talentos, ou seja, da enorme quantia recebida pelos três servos. Mas, na verdade, o grande tesouro que Jesus deixa em nossas mãos para fazer frutificar é sua Palavra divina. Não podemos guardar na gaveta a Palavra de Deus, mas, sim, fazê-la circular na nossa vida, nos nossos relacionamentos, nos nossos ambientes. São Paulo ressalta que a pregação do Evangelho produz frutos e cresce a partir do momento que o povo escuta e conhece a verdade e a graça de Deus (cf. Cl 1,6). Este é o grande talento deixado por Jesus: A palavra pregada, a Palavra escutada, a Palavra que se torna graça e verdade.

Saibamos ficar atentos e vigilantes, como nos exorta a parábola. O Senhor, quando voltar irá cobrar de cada um de nós os frutos do seu amor. A caridade é o bem fundamental que ninguém pode deixar de fazer frutificar (cf. 1Cor 13,3). O patrão ficou feliz com os administradores fiéis que multiplicaram os talentos recebidos. Mas, ficou ofendido com aquele que por medo e preguiça, enterrou o talento. Isso mostra que não podemos permitir que o medo, que vem da falta de fé, ou a preguiça, nos leve a enterrar nossos talentos, deixando-os infrutíferos.

Peçamos a intercessão da Virgem Maria, para que sejamos "servos bons e fiéis"; e para que, praticando a caridade, possamos um dia participar "na alegria do nosso Senhor". Assim seja.

PARA REFLETIR

De um modo ou de outro, a Palavra do Senhor sempre nos fala da vida, nos revela o sentido, nos mostra o caminho. Hoje, o Senhor nos apresenta a existência como um punhado de talentos, de dons, de oportunidades que a providência gratuita e misteriosa de Deus colocou em nossas mãos para que façamos frutificar. Certamente, jamais compreenderemos porque nascemos desse modo ou somos daquele outro. Podemos, no entanto, ter a certeza que o Senhor nos deu uma vida, “a cada um de acordo com a sua capacidade”. Ora, é esta vida, dom de Deus, fruto de um desígnio de amor sem fim, que cada um de nós deve responsavelmente cultivar e fazer frutificar em benefício nosso de dos irmãos. Na mulher forte e industriosa da primeira leitura, aparece um exemplo de alguém que não se contenta em passar pela vida, mas vai tecendo o fio da existência com as pequenas fidelidades de cada dia. Do mesmo modo, a segunda leitura chama-nos atenção para o fato que nos serão pedidas contas da vida, dom recebido de Deus. Daí, o conselho: “Não durmamos, como os outros, mas sejamos vigilantes e sóbrios”.

Caríssimos, uma das grandes tentações do mundo atual é pensar que a existência é nossa de modo absoluto, como se cada um de nós se tivesse criado a si próprio, dado a si próprio a existência. Fechados em si próprios, os homens pensam que podem ser felizes construindo a vida de seu próprio modo, à medida de suas próprias idéias e objetivos. Ilusão! A vida é dom de Deus e somente nos faz felizes se dela fizermos um diálogo amoroso com o Senhor, autor e doador de nosso ser. Mais que talentos na vida, o Senhor nos concedeu a própria vida como um precioso talento. Desenvolvê-lo e ser feliz e buscar não a nossa própria satisfação, não nossa própria medida, não nosso próprio caminho, mas fazer da existência uma busca amorosa e cheia de generosidade da vontade de Deus. Eis! Somente seremos felizes e maduros quando tivermos a capacidade de arriscar verdadeiramente nos perder, nos deixar para nos encontrar no Senhor, alicerce e fonte de nossa vida. Eis o verdadeiro investimento!

Infelizmente, a dinâmica do mundo hodierno, pagão e ateu, não no ajuda nessa direção. Há distração demais, novidade demais, produto demais a ser consumido; há preocupação demais com uma felicidade compreendida como satisfação de nossos desejos, carências e vontades. Há consciência de menos de que a vida é dom e serviço, doação e abertura para o infinito; há percepção de menos de que aqui estamos de passagem e de que lá, junto ao Senhor, é que permaneceremos para sempre. Atolamo-nos de tal modo nos afazeres da vida, no corre-corre de nossas atividades, no esforço por satisfazer nossas vontades, na busca de nossa auto-afirmação, que perdemos a capacidade de compreender realmente que somos passageiros e viandantes numa existência breve e fugaz que somente valerá a pena será vivida na verdade se for compreendida como abertura para o Senhor e, por amor a ele, abertura generosa e servidora para os outros.

Caríssimos, estejamos atentos à advertência do Apóstolo: “Vós, meus irmãos, não estais nas trevas, de modo que esse dia vos surpreenda como um ladrão. Todos vós sois filhos da luz e filhos do dia” O Dia é Cristo, a Luz é Cristo. Viver na luz, viver no dia é viver na perspectiva de Cristo Jesus, é valorizar o que ele valoriza e desprezar o que ele despreza. Filhos da luz, filhos do dia – eis o que deveríamos ser! Mas, com tanta freqüência nossa mente e nosso coração, nossos pensamentos e nossos afetos encontram-se entenebrecidos como o dos pagãos… Quão grave para nós, porque conhecemos a Luz, cremos no Dia que é o Cristo-Deus!

Não nos iludamos, não façamos de conta que não sabemos: todos haveremos de dar contas a Deus de nossa existência, do sentido que lhe demos, daquilo que nela construímos. Queira Deus que nossa vida seja como a do Cristo Jesus: uma verdadeira e amorosa abertura para Deus e uma abertura para os outros! Queira Deus que consigamos, iluminados pela sua Palavra, nutridos pela sua Eucaristia e animados pela oração diária, viver nossa existência na perspectiva de Deus, de tal modo que vivamos, vivamos de verdade, vivamos em abundância, vivamos uma vida que valha a pena!

Que o Senhor no-lo conceda pela sua graça. Amém.

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