Os fariseus, em grupos, continuam preparando armadilhas para Jesus; querem provocar afirmações polêmicas de Jesus, para poder acusá-lo e condená-lo.
Os fariseus perguntam: “Qual é o maior dos mandamentos?” Alguns afirmavam que o maior de todos os mandamentos era guardar o sábado. Outros diziam que todos os mandamentos tinham o mesmo valor. Além disso, os Judeus tinham 613 mandamentos (a maioria proibições).
Jesus responde, buscando fundamentação em duas passagens da Bíblia: “Amarás o Senhor teu Deus com todas…” (Dt 6,5). E, “amarás o teu próximo como a ti mesmo…” (Lv 19,18).
Define o Amor de Deus e ao próximo como o centro essencial da Lei. Esses dois mandamentos são a expressão maior da vontade de Deus. É o resumo de toda a Bíblia. Podemos dizer que Jesus convida à alegria, porque é um apelo ao amor. O mandamento do amor é ao mesmo tempo o da alegria, pois esta virtude ensina São Tomás: “não é diferente da caridade, mas um certo ato e efeito seu”. Por isso, um dos elementos mais claros para medirmos o grau da nossa união com Deus é verificarmos o nível de alegria e bom humor que pomos no cumprimento do dever, no trato com os outros, à hora de enfrentarmos a dor e as contrariedades.
Quando os fariseus se aproximaram de Jesus e lhe perguntaram qual era o principal mandamento da Lei, Jesus respondeu-lhes: “Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todas as tuas forças. O segundo é semelhante a ele: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. É disto que precisamos: de procurar o rosto de Deus com tudo o que temos e somos, e de servir o nosso próximo, abrindo-nos a ele e esquecendo-nos de nós mesmos, fugindo da preocupação obsessiva pelo conforto, abandonando a nossa vaidade e orgulho, colocando o olhar longe de nós mesmos…, amando.
Muitos pensam que serão mais felizes quando possuírem mais coisas, quando forem mais admirados…, e se esquecem de que só necessitamos de “um coração enamorado”. O nosso coração foi feito por Deus para alcançar a sua plenitude, a sua completa realização, nos bens eternos, no seu Criador! Portanto nenhum amor pode saciar o nosso coração, se vier a faltar o Amor com maiúscula! Os outros amores limpos –se não forem limpos, não serão amor- só adquirem o seu verdadeiro sentido quando se procura o Senhor sobre todas as coisas. É por isso que nem o egoísta, nem o invejoso, nem quem tem colocada a sua alma nos bens da terra… podem saborear a alegria que Jesus prometeu aos seus discípulos, porque não saberão amar, no sentido mais profundo e nobre da palavra. Ensina Santa Teresa: “Quando é perfeito, o amor tem esta força: leva-nos a esquecer o nosso próprio contentamento para contentar Aquele a quem amamos. E verdadeiramente é assim, porque, ainda que sejam grandíssimos os trabalhos, se nos afiguram doces quando percebemos que contentamos a Deus” (Fundações, 5,10).
Exorta S. Paulo: “Alegrai-vos sempre no Senhor! Repito, alegrai-vos!” (Fl 4,4). Quando a alma está alegre, abre-se e ganha asas para voar para Deus e para exceder-se no serviço aos outros; um coração alegre está mais perto de Deus, dispõe-se a levar a cabo grandes tarefas e é estímulo para os seus irmãos.
Quando se diz em linguagem figurada que esta ou aquela casa “parece um inferno”, vem-nos à mente um lar sem amor, sem alegria, sem Cristo. Um lar cristão deve ser alegre, porque nele está o Senhor que o preside, e porque ser discípulo seu significa, entre outras coisas, viver essas virtudes humanas e sobrenaturais a que está tão intimamente unida a alegria: generosidade, cordialidade, espírito de sacrifício, simpatia, empenho por tornar mais amável a vida de todos…
Fujamos da tristeza! A alma entristecida cai com facilidade no pecado e fica sem forças para o bem; caminha com certeza para a derrota. “Assim como a traça corrói o vestido, e o caruncho a madeira, assim a tristeza prejudica o coração do homem.” (São Bernardo). Se alguma vez sentimos que esta doença da alma nos ronda ou já se introduziu em nós, examinemos onde está colocado o nosso coração.
COMENTÁRIOS DOS TEXTOS BÍBLICOS
Textos: Ex 22, 20-26; 1 Tes 1, 5-10; Mateus 22, 34-40
Caros irmãos e irmãs, o domingo é o dia litúrgico por excelência, no qual os fiéis se reúnem para lembrar a paixão, a ressurreição e a glória do Senhor Jesus e dar graças a Deus, escutando a Palavra e participando da Eucaristia (cf. SC 106). A conservação e a alimentação da fé estão ligadas à participação da celebração Eucarística, que deve ser sempre o centro da comunidade paroquial dos fiéis (cf. CIC, cân. 528).
O Evangelho deste domingo se insere em mais uma controvérsia entre Jesus e o grupo dos fariseus. Mais uma vez, querem testar os conhecimentos de Jesus sobre a Lei e um deles pergunta qual é o maior mandamento da Lei (v. 36). Este questionamento não tem como objetivo conhecer a verdade, e sim colocar Jesus à prova, para experimentá-lo (cf. v. 35). Jesus não hesita e responde imediatamente: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento! Esse é o maior e o primeiro mandamento” (v. 37-39). Na sua resposta, Jesus cita o Shemá, a oração que o israelita recita várias vezes ao dia (cf. Dt 6,4-9; Nm 15,37-41): a proclamação do amor íntegro e total devido a Deus, como o único Senhor.
Com efeito, a exigência principal para cada um de nós é que Deus esteja presente na nossa vida. Como diz a Escritura, Ele deve imbuir todas as camadas do nosso ser e enchê-las completamente: o coração deve conhecê-lo e deixar-se tocar por Ele; e assim também a alma, as energias da nossa vontade e das nossas escolhas, bem como a inteligência e o pensamento, para que possamos dizer como São Paulo: “Já não sou eu que vivo; é Cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).
Jesus ainda acrescenta algo sobre o segundo mandamento que, na realidade, não tinha sido perguntado pelo doutor da lei: “O segundo é semelhante ao primeiro: amarás o teu próximo como a ti mesmo” (v. 39). O aspecto surpreendente da resposta de Jesus consiste no fato de que Ele estabelece uma relação de semelhança entre o primeiro e o segundo mandamento, definido também esta vez com uma fórmula bíblica tirada do código levítico de santidade (cf. Lv 19, 18).
Esta questão do maior mandamento da Lei era, no tempo de Jesus, objeto de debates intermináveis entre os fariseus e os doutores da Lei. Os rabinos, ao estudar a Bíblia, tinham chegado a compor uma lista dos mandamentos nela contidos. Uma tarefa difícil, considerando que na Lei de Moisés foram identificados um conjunto de 613 preceitos, dos quais 365 eram proibições e 248 ações a serem colocadas em prática. Como discernir dentre eles o maior? Os guias religiosos de Israel ensinavam que todos esses mandamentos tinham a mesma importância e eram igualmente obrigatórios; discutia-se, porém, qual seria o primeiro e o maior de todos esses mandamentos. Para alguns rabinos o preceito do sábado valia mais do que todos os outros mandamentos, enquanto que para outros o amor a Deus e ao próximo estaria em primeiro lugar.
A resposta de Jesus, portanto, supera o horizonte estreito da pergunta. O importante, na perspectiva de Jesus, não é definir qual o mandamento mais importante, mas encontrar a raiz de todos os mandamentos. E, na perspectiva de Jesus, essa raiz gira à volta de dois mandamentos: o amor a Deus e o amor ao próximo.
A originalidade deste ensinamento está, por um lado, no fato de Jesus aproximar um mandamento do outro, pondo-os em perfeito paralelo e, por outro, no fato de Jesus simplificar e concentrar toda a revelação de Deus nestes dois mandamentos. Deste modo, Jesus oferece a cada homem o critério fundamental sobre o qual devemos delinear a nossa própria vida.
Jesus ainda acrescenta em sua resposta que é preciso “amar o próximo como a si mesmo” (v.39). As palavras “como a si mesmo” significam que é preciso amar totalmente, de todo o coração. Já o Evangelista São João nos diz: “Se alguém disser: ‘Amo a Deus’, mas não ama seu irmão, é um mentiroso: pois quem não ama seu irmão, a quem vê, a Deus, a quem não vê, não poderá amar” (1Jo 4,20). É preciso reconhecer que Deus está presente no irmão que sofre e este amor deve ser manifestado no auxílio que podemos dar, sobretudo, para aqueles que se encontram em maior fragilidade.
É com estes menores de seus irmãos que Jesus também se identifica, pois ele mesmo disse: “Tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me recolhestes… Em verdade vos digo: cada vez que o fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes… Em verdade vos digo: todas as vezes que deixastes de fazer a um desses pequeninos, foi a mim que deixastes de fazer” (Mt 25,31-46).
Cristo deixou aos seus discípulos o mandamento do amor: “Como eu vos amei, assim amai-vos também vós uns aos outros” (Jo 13,24). E ainda ressaltou: “Nisto reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13,34-35). E São Paulo, com uma fórmula ainda mais lapidária, sintetiza assim a vida nova dos batizados em Cristo: “Não devais nada a ninguém, a não ser o amor mútuo, pois o que ama o outro cumpriu a lei… Portanto a caridade é a plenitude da lei” (Rm 13, 8-10).
Também a primeira Leitura, tirada do Livro do Êxodo (cf. Ex 22,20-26), nos orienta para esta mesma direção, insiste sobre o dever do amor; um amor testemunhado concretamente nas relações entre as pessoas: devem ser relações de respeito, de colaboração, de ajuda generosa. O próximo a ser amado é também o estrangeiro, o órfão, a viúva e o indigente, aqueles cidadãos que não têm defensor algum.
Na segunda Leitura podemos ver uma aplicação concreta do máximo mandamento do amor numa das primeiras comunidades cristãs. São Paulo procura exortar os tessalonicenses: “Vós vos tornastes imitadores nossos e do Senhor, acolhendo a Palavra com a alegria do Espírito Santo, apesar de tantas tribulações” (1Ts 1,6). Os ensinamentos que tiramos da experiência dos Tessalonicenses é que o amor pelo próximo nasce da escuta atenta da Palavra divina. Por isto, é importante ouvir a Palavra e vivê-la no dia a dia.
Que a escuta renovada da Palavra de Deus possa fazer brotar em nós uma autêntica renovação na fé e na santidade de vida. Peçamos, uma vez mais, a materna intercessão da Virgem Maria, que nas Bodas de Caná exortou a fazer tudo quanto Jesus dissesse (cf. Jo 2,5), para que saibamos reconhecer na nossa vida a primazia da Palavra de Deus, que é também um alimento para a fé, a esperança e a caridade, que são caminhos permanentes de salvação para todos. Assim seja!
PARA REFLETIR
Aproxima-se o final do Ano Litúrgico, ano da Igreja. Estamos já no trigésimo Domingo comum. Mais três, e encerraremos o ano litúrgico, com a Solenidade de Cristo-Rei. O tempo passa, a vida passa, a história passa… Elevemos o olhar e o coração para Aquele que não passa, Aquele que é o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim da nossa existência, o Cristo, nosso Deus!
No passado Domingo, o Senhor Jesus ordenava: “Dai a Deus o que é de Deus!” De Deus é tudo, ainda que tudo pareça nosso: “Tudo pertence a vós: Paulo, Apolo, Cefas, o mundo, a vida, a morte, as coisas presentes e as futuras.Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo e Cristo é de Deus” (1Cor 3,21-23). Esta é, precisamente, a dificuldade, a miopia ou, mais ainda, a cegueira, o triste pecado do mundo atual: não perceber Deus, não enxergar com a razão, com o afeto, com o coração que Deus é o Tudo, o Substrato, o Sentido da nossa existência. Sem ele, nada tem sentido perene, nada tem valor duradouro, nada tem valor absoluto… nem a vida humana, que somente pode ser respeitada de modo absoluto quando é compreendida como imagem de Deus.
Pois bem, a Palavra deste Domingo prolonga a de oito dias atrás. “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?”, da Lei de Moisés – perguntam ao Senhor para novamente tentar apanhá-lo em armadilha. Qual o preceito que, sendo observado, resume a observância de toda Lei? Jesus responde prontamente: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!” Como bom judeu, o Senhor Jesus nada mais faz que retomar o preceito do Antigo Testamento. Amar a Deus! Amá-lo significa fazer dele o tudo da nossa existência, significa viver a vida aberta para ele, buscando sinceramente a sua santa vontade. Amá-lo é não conceber a vida como algo que é meu em sentido absoluto, mas um dom que recebi de Deus, que em diante de Deus devo viver e a Deus devo, um dia, devolver com frutos. Amá-lo é não viver na minha vontade, mas buscando a sua santa vontade, mesmo que esta não seja o que eu esperaria ou desejaria… Amá-lo é sair de mim para encontrar-me nele!
Mas, para que este amor a Deus não seja algo abstrato, teórico, meramente feito de palavras ou sentimentos superficiais, o Senhor Jesus nos aponta uma medida concreta desse amor. Seguindo ainda a tradição judaica do Antigo Testamento, ele liga, condiciona o amor a Deus ao amor aos outros, aos próximos, àqueles que a providência divina coloca no nosso caminho: “’Amarás ao teu próximo como a ti mesmo’. Toda a Lei e os profetas dependem desses dois mandamentos”. Eis, portanto: a medida da verdade do amor a Deus é o amor, a dedicação para com os outros; e não os outros teoricamente, mas os próximos: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo!” Notemos que aqui Jesus não ensina nada de novo. Este preceito já valia para um bom judeu. Jesus está respondendo a um fariseu, um escriba judeu. Basta recordar como a primeira leitura de hoje, tirada daTorah, da Lei de Moisés, já ligava os dois amores, a Deus e ao próximo. O Senhor, já no Antigo Testamento, deixava claro que estará sempre do lado do nosso próximo, sobretudo se ele for débil e necessitado: “Se clamar por mim, eu o ouvirei, porque sou misericordioso.” Estejamos, portanto, atentos: o amor concreto para com o nosso próximo é a medida do nosso amor a Deus! O Evangelho – como todo o Novo Testamento e a reta e sadia Tradição da Igreja – desconhece uma relação com Deus baseada numa fé sem obras que nasçam do amor. Basta recordar o belíssimo hino ao amor, da Primeira Carta aos Coríntios: “Ainda que eu tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas, se não tivesse a caridade, eu nada seria” (13,2). Que ninguém se iluda com um vazio discurso sobre uma fé vã sem as obras que dela nascem e a revelam! A fé sem amor a Deus e ao próximo, aquela fé que gosta de dizer “estou salvo” de se compraz em decretar a condenação dos outros é uma fé inútil, vazia, falsa e morta!
Caríssimos, se o Senhor Jesus respondeu ao escriba fariseu, dizendo que ele deveria amar a Deus e ao próximo como a si mesmo, a nós, seus discípulos, a nós, cristãos, ele aponta um ideal muito mais alto! Ouso afirmar que não basta, de modo algum para um cristão, amar os outros como a si mesmo! Recordai-vos todos que, na véspera de sua paixão santíssima, quando sentou-se à Mesa santa conosco, para dar-se a nós na Eucaristia, como maior dom de amor, o Senhor nosso e Deus nosso, Jesus Cristo, deu-nos, então, o mandamento pleno, completo: “Amai-vos como eu vos amei!” (Jo 13,34); “Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais” (Jo 13,15). Agora, às vésperas da cruz, agora, à Mesa da Eucaristia, agora, lavando-nos os pés, dando-se totalmente a nós, Jesus poderia ser compreendido! Ele é o amor verdadeiro, ele é a medida e o modelo do amor: “Não há maior prova de amor que dar a vida!” (Jo 15,13) Amai-vos como eu vos amei!
Eis, caríssimos, como é grande a tarefa que o Senhor nos confia! Quem poderá realizá-la? Onde poderemos conseguir um amor assim? Eu vos digo: contemplando Jesus na oração, escutando Jesus na Escritura, comungando com Jesus na Eucaristia, procurando Jesus nos irmãos! É assim que teremos os mesmos sentimentos do Cristo Jesus (cf. Fl 2,5) e viveremos a vida no amor total que ele, nosso Senhor, teve para com Deus, o Pai e para com os próximos. Fora disso, toda conversa sobre amor não passa de teoria, de ideologia que de cristã tem pouco ou nada. Que o Senhor nos conceda, então, por esta Eucaristia, o dom do verdadeiro amor. Amém.
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