A
obediência franciscana se faz inovadora no campo do Voto de
Obediência ao longo da História do Cristianismo. São Francisco em
suas Admoestações reserva um capítulo para tratar da perfeita
obediência e o faz com toda humanidade, sem perder a dimensão do
mistério:
(Adm
III) – Da obediência perfeita
1
Diz o Senhor no Evangelho: “Quem não renuncia a todos os seus bens
não pode ser meu discípulo” (Lc 14,33), 2 e: “Quem quiser
salvar sua alma, perdê-la.” (Mt 16,25). 3 Abandona tudo quanto
possui e perde sua vida aquele que a si mesmo abandona inteiramente a
obediência
nas
mãos do seu prelado. 4 E tudo o que faz e diz, sabendo que não
contraria a vontade dele, e sendo bom o que faz, é obediência
verdadeira.
5 E se acaso o súdito vê algo melhor e mais útil à sua alma do
que aquilo que o prelado lhe ordena, sacrifique a Deus o seu
conhecimento, se aplique com firmeza a cumprir as ordens do prelado,
6 pois nisto é que consiste a verdadeira obediência
feita
com amor, que agrada a Deus e reverte a bem do próximo. 7
Entretanto, se o prelado der ao súdito alguma ordem contrária à
alma, este todavia não se separe dele, embora não lhe seja lícito
obedecer-lhe. 8 E se por esse motivo tiver de suportar perseguições
da parte de alguém, que então o ame ainda mais por amor de Deus.9
Pois aquele que prefere aturar perseguições a querer ficar separado
de seus Irmãos, permanece verdadeiramente na perfeita obediência,
porque “da sua vida pelos seus Irmãos” (Jo 15,13).10 há
efetivamente muitos religiosos que, sob o pretexto de verem coisas
preferíveis às que os prelados ordenam, “olham para trás” (Lc
9,62) e “voltam ao vômito de sua vontade própria” (Pr 26,11).
Esses tais São homicidas e, por seus exemplos funestos, causam a
perdição de muitas almas.
Obedecer
na fraternidade franciscana não exclui, mas compreende a dimensão
antropológica do ser humano que é a liberdade. Essa realidade
consiste em como cada pessoa empreende e conduz o dom da vida.
Floresce na concretude das atitudes pessoais e na maturidade da plena
disponibilidade diante da ação divina. Como nos exorta São
Francisco:
Devemos
também renunciar a nós mesmos e submeter os nossos corpos ao jugo
da servidão e da santa obediência, como cada um prometeu ao Senhor
(IICatFi,
VII, 40).
A
obediência Franciscana não é simplesmente uma atitude de renunciar
a própria vontade, mas é uma atitude que pode ser poeticamente
representada pela poesia de Adélia Prado:
“O
que morre, aduba! O que esta inerte, espera!”.
Pois bem, renunciar à própria vontade, é morrer para si mesmo. No
entanto, essa atitude constitui o húmus
que
fortifica e fertiliza a terra de nosso coração frente à ação
divina. Portanto, aduba! Os anseios, nossas boas vontades e sonhos
são salvaguardados por nossa individualidade, que não se esvai
frente à dinâmica fraterna, mas se mantém sendo parte do projeto
fraterno de vida e missão. Portanto, os desejos e sonhos do mais
profundo do coração, estão inertes e envoltos na dinâmica divina.
Estão inertes, portanto, esperam na Graça de Deus.
São
Francisco nos ensina “a
verdadeira obediência feita com amor, que agrada a Deus e reverte ao
bem do próximo.”(Admoestação
III, 6).
Nessa dinâmica coloca-se à disposição da fraternidade as próprias
capacidades e escolhe-se, em liberdade, o melhor modo de servir a
Deus e aos Irmãos.
O
Capítulo VIII da Segunda
Carta aos Fiéis revela
a profunda humanidade e sabedoria de Francisco quanto à obediência.
CAPÍTULO
VIII – Que aquele em cujas mãos foi depositada a obediência, seja
como o menor
41
E ninguém seja obrigado sob obediência a obedecer num assunto que
implique culpa ou pecado. 42 Aquele em cujas mãos foi depositada a
obediência e quem vale como o maior, seja como o menor (Lc 22,26) e
o servo dos outros Irmãos. 43 E manifeste e pratique para com os
seus Irmãos tal misericórdia como gostaria que lhe fosse feita se
ele próprio estivesse em idêntica situação. 44 Nem se irrite
contra qualquer Irmão se este tiver cometido um erro, mas antes
admoeste-o e o suporte com toda paciência e humildade.
São
Francisco nos mostra a exemplo de Lucas 22, 26 que “aquele
em cujas mãos foi depositada a Obediência e quem vale como o maior,
seja como o menor e o servo dos outros Irmãos.” (IICatFi,
VIII, 42).
A sabedoria de Francisco não nos pede uma ‘cega obediência’,
mas a obediência que nos deixa livres na inspiração divina, no
serviço aos irmãos e na doação dos dons à fraternidade. Não é
uma obediência cega, uma vez que não permite que o irmão faça ou
cumpra alguma ordem, que venha a trair sua alma, ou seja, ir contra o
mais profundo e autêntico de si, aquilo que une o irmão à
divindade e ao mistério de Deus e de sua própria vivência do
chamado vocacional.
A
obediência proposta por São Francisco nos faz arder de uma profunda
vontade de seguir a Cristo, pobre e crucificado e exclamar: O amor
não é amado! De ser discípulo que é aquele que se coloca
inteiramente nas mãos de quem confia. Aquele que reza a via sacra
com a sua própria vida. Nessa liberdade, a obediência torna-se
livre, pois coloca-nos no lugar que Deus quer para cada irmão.
Para
finalizar São Francisco nos exorta em Carta a toda a Ordem dos
Frades Menores:
“Perseverai
na disciplina e santa obediência (Hb 12,7) e cumpri o que lhe
prometestes com generoso e firme propósito.” (CartOrd,
10).
Frei
Adriano Cézar de Oliveira, OFM
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OFMSCJ
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