Hoje e sempre encontramos multidões que têm
fome e sede de Deus. O desejo de Deus
está inscrito no coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para
Deus; e Deus não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de
encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar: Ensina o Concílio
Vaticano II, na Gaudium et Spes, 19: O aspecto mais sublime da dignidade humana
está nesta vocação do homem à comunhão com Deus. Este convite que Deus dirige
ao homem, de dialogar com Ele, começa com a existência humana. Pois se o homem
existe, é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de dar-lhe o ser,
e o homem só vive plenamente, segundo a verdade, se reconhecer livremente este
amor e se entregar ao seu Criador. Continuam a ser atuais as palavras de Santo Agostinho no início de suas
Confissões: “Criaste-nos, Senhor, para Ti e o nosso coração está inquieto
enquanto não descansar em Ti. “O coração da pessoa humana foi feito para
procurar e amar a Deus. E o senhor facilita esse encontro, pois ele também
procura cada pessoa através de inúmeras graças, de atenções cheias de
delicadeza e de amor. A sua sede de salvar os homens é tal que declara: “Eu sou
o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). Tal declaração tem a sua origem na
pergunta de Tomé o qual, ao não compreender tudo o que Jesus afirmara acerca de
Seu regresso ao Pai, lhe perguntara: “Senhor, não sabemos para onde vais. Como
é que sabemos o caminho?” (Jo 14,5). O
apóstolo pensava num caminho material, mas Jesus indica-lhe um espiritual, tão
sublime que se identifica com a Sua Pessoa: “Eu sou o caminho”; e não lhe
mostra apenas o caminho, mas também a meta- “a verdade e a vida” - à qual
conduz e que é também Ele mesmo. Jesus é o caminho que conduz ao Pai: “Ninguém
vai ao Pai senão por Mim” (Jo 14,6); é a verdade que O revela: “Quem Me viu,
viu o Pai” (Jo 14,9); é a vida que comunica aos homens a vida divina: “Assim
como o Pai tem a vida em Si mesmo”, assim a tem o Filho e dá-a “àquele que
quer” (Jo 5, 26. 21). “Eu estou no Pai e o Pai está em Mim” (Jo 14,11). Sobre
esta fé em Cristo, verdadeiro homem e verdadeiro Deus, caminho que conduz ao
Pai e igual em tudo ao Pai, fundamenta-se a vida do cristão e a de toda a
Igreja.
Jesus, com a sua resposta, está “como que a
dizer: Por onde queres ir? Eu sou o caminho. Para onde queres ir? Eu sou a
Verdade. Onde queres permanecer? Eu sou a Vida. Todo o homem consegue
compreender a Verdade e a Vida; mas nem todos encontram o Caminho. Os sábios do
mundo compreendem que Deus é vida eterna e verdade cognoscível; mas o Verbo de
Deus, que é Verdade e Vida junto ao Pai, fez-Se caminho ao assumir a natureza
humana. Caminha contemplando a Sua humildade e chegarás até Deus” (Santo
Agostinho).
As palavras do Senhor continuam a ser
misteriosas para os Apóstolos, que não acabam de entender a unidade do Pai e do
Filho. Daí a insistência de Filipe. Por isso Jesus repreende o apóstolo porque
ainda O não conhece, quando é claro que as Suas obras são próprias de Deus:
caminhar sobre as ondas, dar ordens aos ventos, perdoar pecados, ressuscitar os
mortos. Este é o motivo da repreensão: o não ter conhecido a Sua condição de
Deus através da Sua natureza humana.
Em At 6, 1-7 temos a escolha dos diáconos para
ajudarem os Apóstolos no atendimento da comunidade que crescia cada dia, pois a
Palavra de Deus ia se espalhando cada vez mais. Disseram os Apóstolos: “Quanto
a nós entregar-nos-emos assiduamente à oração e ao serviço da Palavra” (At
6,4).
Assim como o Mestre passava longas horas em
oração individual, também o apóstolo reconhece a necessidade de alcançar forças
novas na oração pessoal, feita em íntima união com Cristo, pois só assim será
eficaz o seu ministério e poderá levar ao mundo a palavra e o amor do Senhor.
O apostolado é fruto do amor a Cristo. Ele é a
luz com que iluminamos, a verdade que devemos ensinar, a Vida que comunicamos.
E isto só será possível se formos homens e mulheres unidos a Deus pela oração.
A oração nunca deixa de dar os seus frutos.
Dela tiraremos a coragem necessária para enfrentar as dificuldades com a
dignidade dos filhos de Deus, bem como para perseverar no convívio com os
amigos que desejamos levar a Deus. Por isso a nossa amizade com Cristo há de
ser cada dia mais profunda e sincera. Sem oração, o cristão seria como uma
planta sem raízes; acabaria por secar, e não teria assim a menor possibilidade
de dar fruto. A oração é o suporte de toda a nossa vida e a condição de todo o
apostolado. “Persevera na oração. - Persevera, ainda que o teu esforço pareça
estéril.- A oração é sempre fecunda” (Caminho, nº 101).
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
Leituras: At 6,1-7; Sl 32; 1Pd 2,4-9; Jo 14,1-12
Meus caros irmãos e irmãs, o trecho do
Evangelho deste domingo é o primeiro dentre os três discursos de despedida,
pronunciados por Jesus durante a Última Ceia, onde procura consolar e animar os
apóstolos: “Não se perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim
também” (v.1). Estas palavras nos permitem identificar a situação da comunidade
à qual o evangelista se dirige. No primeiro século do cristianismo eram grandes
as perseguições e os discípulos de Jesus certamente estavam perturbados,
desanimados e desorientados, por isto, estas exortações de ânimo e de esperança
dirigidas a eles.
Em seguida, Jesus anuncia a sua partida para a
casa do Pai, isto é, sua morte e ressurreição: “Vou preparar um lugar para vós”
(v.2). Essas palavras visam acender nos
discípulos a certeza da volta de Jesus, quando estiver preparado também o nosso
lugar junto a Ele. Com isto, a morte do
cristão torna-se semelhante à morte do Cristo, como vai dizer São Paulo: “Meu
desejo é partir e ir estar com Cristo” (Fl 1,23). A Páscoa renova em nós esta
fé, revigora em nós a esperança de estar na intimidade com Deus, em Jesus
Cristo.
Também nesta mesma passagem do evangelho Jesus
afirma: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (v. 6). É esta a outra razão
para que os seus discípulos fiquem em paz: na pessoa de Jesus, na sua vida,
morte e ressurreição está o caminho para viver a vida verdadeira. Cristo é o
caminho que conduz ao Pai, a verdade que dá significado à existência humana, e
a fonte daquela vida que é alegria eterna com todos os Santos no Reino dos
céus.
Ao dizer: “Eu sou o caminho”, Jesus quer
afirmar que só Ele nos conduz ao Pai.
Ele é o Caminho, isto é, não há outro.
E ressalta: “Ninguém vai ao Pai senão por mim” (v.6). Ao se identificar como “caminho”, Jesus
retoma uma imagem conhecida dos seus ouvintes.
Todos eles sabiam que para se ir de um lugar a outro, faz-se necessário
o uso de uma estrada, isto é, chão para se caminhar. O Salmo 25,4, diz: “Mostra-me, Senhor, o teu
caminho”. Jesus não é apenas alguém que
ensina o caminho. Ele é o próprio
Caminho, por onde temos de passar. Jesus torna-se o caminho único que leva ao
Pai. Esta é uma grande novidade do Novo Testamento: Jesus é o único acesso das
criaturas para Deus (v. 6). É através de Jesus que nós chegamos à comunhão com
Deus. Portanto, para os cristãos, para
cada um de nós, o Caminho para o Pai é deixar-nos guiar por Jesus, pela sua
palavra de Verdade, e acolher o dom da sua Vida.
A palavra “verdade” é usada aqui no sentido
bíblico, que é diferente do sentido comum e atual. Significa: revelação. Dizendo “Eu sou a Verdade” (v. 6), Jesus quer
afirmar que ele é a única revelação do Pai.
Não há outro meio de conhecermos algo sobre Deus e o sobrenatural a não
ser por Jesus Cristo. Ele não é apenas
um mestre que ensina a Verdade. Ele é a
própria verdade, que devemos conhecer e com a qual devemos nos
identificar. Ele não é apenas alguém que
promove a vida ou que transmite a vida, Ele é a própria Vida que devemos
viver. Também somos chamados a nos
associarmos a São Paulo que diz: “Para mim o viver é Cristo” (Fl 2.21). Por
conseguinte, só crendo em Cristo, só permanecendo unidos a Ele, os seus
discípulos, entre os quais estamos nós também, podemos continuar a sua ação
permanente na história.
A fé em Jesus exige que o sigamos
quotidianamente nas simples ações que compõem o nosso dia. Santo Agostinho
afirma que era necessário que Jesus dissesse: “Eu sou o caminho, a verdade e a
vida” (Jo 14, 6), porque quando se conhece o caminho, só falta conhecer a meta,
e a meta é o Pai (cf. S. AGOSTINHO, Tratactus in Ioh., 69, 2: CCL 36, 500).
Portanto, para os cristãos seguir o caminho para o Pai é deixar-se guiar por
Jesus, pela sua palavra de Verdade, e acolher o dom da sua Vida.
O Evangelho nos ensina que a verdadeira
liberdade floresce quando nos afastamos do jugo do pecado, que ofusca as nossas
percepções e enfraquece a nossa determinação.
Deus criou o homem com uma vocação inata para a verdade e, por isso,
dotou-o de razão. Todo o ser humano deve perscrutar a verdade e optar por ela
quando a encontra, mesmo correndo o risco de enfrentar sacrifícios. A
verdadeira liberdade é um dom gratuito de Deus, o fruto da conversão à sua
verdade que nos torna livres (cf. Jo 8, 32).
Jesus ainda nos exorta: “Se permanecerdes na
minha palavra, sereis verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade e
a verdade vos libertará” (Jo 8,31). Com efeito, a verdade é um anseio do ser
humano, e procurá-la supõe sempre um exercício de liberdade autêntica. Muitos,
todavia, preferem os atalhos e procuram evitar essa tarefa. Alguns, como Pôncio
Pilatos, ironizam a possibilidade de conhecer a verdade (cf. Jo 18, 8),
proclamando a incapacidade do homem de alcançá-la ou negando que exista uma
verdade para todos.
Esta atitude, produz uma transformação no
coração, tornando as pessoas frias, vacilantes, distantes dos demais e fechadas
em si mesmas. São pessoas que lavam as mãos, como o governador romano, e deixam
correr o rio da história sem se comprometer.
Quando nos colocamos no “pensamento de Cristo” (cf. Fl 2, 5), novos
horizontes se abrem. À luz da fé, dentro
da comunhão com Cristo, passamos também a ser luz do mundo e sal da terra (cf.
Mt 5, 13-14).
Tenhamos sempre consciência de que somente
Jesus é o caminho que conduz à felicidade eterna, a verdade que satisfaz os
desejos mais profundos de cada coração, e a vida que oferece alegria e
esperança sempre nova a nós e ao nosso mundo. Não hesitemos em seguir Jesus
Cristo, pois somente nele encontramos a verdade sobre Deus. Quem pratica o mal e adere ao pecado, torna-se
escravo do pecado e nunca alcançará a liberdade (cf. Jo 8,34). Somente
renunciando ao ódio e ao nosso coração endurecido e cego é que seremos livres,
e uma vida nova germinará em nós.
Imitemos o Filho de Deus que é o Caminho, não
apenas pelos Seus exemplos e ensinamentos, mas também porque Ele se identifica
com a Verdade e a Vida. Também devemos ter o compromisso de anunciar o Cristo a
todos. Esta é a tarefa principal da Igreja, comunicar a mensagem de Salvação,
para que a Palavra de Deus se difunda e o número dos discípulos se multiplique
(cf. At 6, 7).
Invoquemos
a proteção maternal da Virgem Maria para que nos faça abrir o nosso coração ao
Cristo Senhor, para que ele entre em nossa vida e nos faça olhar o futuro com
esperança. Que tenhamos sempre
consciência de que só Ele é o Caminho que conduz à felicidade que não termina,
a Verdade que satisfaz as mais nobres aspirações humanas e a Vida cheia de
alegria e paz. Assim seja.
PARA REFLETIR
Neste quinto Domingo do Tempo da Páscoa,
elevemos o olhar ao Ressuscitado; deixemo-nos tomar por sua palavra: “Não se
perturbe o vosso coração. Tendes fé em Deus, tende fé em mim também!” Estejamos
atentos: estas não são palavras ditas ao vento, para ninguém! São palavras, é
exortação a nós, cristãos de agora; palavras para cada um de nós e para nós
todos, palavras verdadeiramente provocantes! No mundo complexo, numa realidade
plena de desafios, na nossa vida pessoal tantas vezes sofrida, tantas vezes
ferida, cheia de tantas contradições e desafios, o Senhor nos olha, estende-nos
as mãos, abre-nos o coração e nos enche de serenidade e confiança: “Não se
perturbe o vosso coração!”
Pensemos nos desafios dos tempos atuais: o
desafio de crer e testemunhar o Senhor em situações tão cheias de promessas,
mas também tão confusas. Pois bem, o Senhor insiste: “Tendes fé em Deus, tende
fé em mim também!” Ter fé em Cristo! Eis o desafio para nós! Ontem, como hoje,
é necessário proclamar nossa fé nele, nossa entrega a ele, nossa certeza de que
ele pode dar um sentido à nossa existência. E por quê? Não seria loucura,
alienação, infantilidade, confiar assim, de modo tão absoluto, em um alguém?
Por que apostar toda a vida em Jesus e somente em Jesus? Por que não um
pouquinho de Buda, um pouquinho de Maomé, um pouquinho de Dalai Lama, um
pouquinho de esoterismo, um pouquinho mais de consumismo e outro tantinho de
rédea solta aos nossos instintos? Por que somente Cristo? Por que absolutizar
Jesus? Eis a resposta, que ele mesmo nos dá; eis a resposta surpreendente!
Escutemo-la: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém vai ao Pai senão
por mim!” É precisamente neste mundo de tantos desafios e de tantos caminhos,
que o Senhor Jesus nos diz: Eu sou o Caminho! Nestes tempos de tantas verdades,
ele nos proclama: Eu sou a Verdade! Neste mundo que nos tenta, oferecendo vida
onde não há vida verdadeira, Jesus anuncia: Eu sou a Vida! De fato, ele não é
simplesmente um profeta, um sábio, não é alguém a quem podemos admirar e seguir
ao lado de outros personagens igualmente ilustres! Jesus se nos apresenta como
aquele que vem de Deus e é o único que nos pode revelar de modo pleno, de modo
claro e conclusivo o caminho para Deus! Mais ainda: Aquele que é nosso Caminho
é também nossa única Verdade e nossa única e verdadeira Vida!
Caríssimos, é diante dele que temos sempre que
nos decidir, que somos chamados a dar um rumo à nossa existência e à existência
da sociedade, da família, das relações sociais, do mundo. O Santo Padre Bento
XVI dizia, pouco antes de sua eleição, que o mundo tem tantas e tantas medidas
para avaliar o bem e o mal, o certo e o errado… E ele advertia: nossa medida é
Cristo! Eis! Ele é nossa medida porque é o único Caminho, a única Verdade, a
única Vida! O que o Sucessor de Pedro quis dizer, o próprio Apóstolo Pedro nos
afirma na segunda leitura da Missa de hoje: “Aproximai-vos do Senhor, pedra
viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e honrosa aos olhos de Deus! Com
efeito, nas Escrituras se lê: ‘Eis que ponho em Sião uma pedra angular,
escolhida e magnífica; quem nela confiar, não será confundido!’ Mas, para os
que não crêem, ‘a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra
angular pedra de tropeço e rocha que faz cair’”. Não há como escapar: diante de
Cristo, é necessária uma escolha, uma decisão! Aqui não se tem nada a ver com
ser conservador ou progressista, otimista ou pessimista! Aqui tem-se a ver com
a experiência tremenda de Deus que entregou seu Filho ao mundo para ser nossa
Vida e Caminho e os homens a rejeitaram. Ora, é diante do Cristo, Caminho,
Verdade e Vida que nossa existência será julgada, que o mundo será examinado!
E, no entanto, ele será sempre sinal de contradição e pedra de tropeço… Vimos,
agora mesmo, por ocasião da eleição do novo Papa, tantas idéias disparatadas –
algumas, para nossa tristeza, apresentadas até mesmo por padres ou religiosos…
Alguns se iludem, pensando numa Igreja que faça o jogo da moda, que diga amém a
um modo de pensar, agir e viver estranho ao Evangelho! Que engano tão danado! A
renovação da Igreja está em voltar sempre a Cristo e nele se reencontrar
sempre, retomando o vigor, como de uma fonte puríssima! O verdadeiro serviço à
humanidade e ao mundo é apresentar o Cristo e nele colocar toda a esperança!
“Não se perturbe o vosso coração!” – Já nos
inícios da Igreja havia tensões, desafios, dificuldades externas e internas.
Pois bem, já ali o Senhor dizia aos cristãos: “Não se perturbe o vosso
coração!” Já ali lhes garantia a grandeza do amor do Pai: “na casa do meu Pai
há muitas moradas!” E já ali, entre as consolações de Deus e as provações da
vida, “a Palavra do Senhor se espalhava”. Portanto, não temamos em colocar toda
a nossa confiança no Senhor; não hesitemos em procurar de todo o coração seguir
os passos do Senhor Jesus! A oração inicial da Missa de hoje exprimiu muito bem
o que espera o cristão, ao colocar no Senhor a sua existência. Recordemo-la: “Ó
Deus, Pai de bondade, concedei aos que crêem no Cristo a liberdade verdadeira e
a herança eterna!” – Eis o que buscamos, o que esperamos, o que temos a certeza
de alcançar: a liberdade verdadeira e a herança eterna! Amém.
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