quinta-feira, 14 de março de 2019

Assassinos de Suzano se inspiraram em massacre de 1999 e em jogos de tiro


A tragédia ocorrida em uma escola de Suzano reabriu uma discussão que, apesar de antiga, continua em debate e dividindo opiniões. Até que ponto jogos, filmes e séries violentas são capazes de influenciar o comportamento de uma criança, ao ponto de lhe fazer cometer um crime ou mesmo tirar a própria vida?

Para tentar contribuir um pouco com essa questão, nada melhor do que recorrer aos fatos, deixando teorias um pouco de lado para observar mais de perto a realidade. No caso de Suzano, por exemplo, chama atenção a semelhança com outro episódio, conhecido como o Massacre de Columbine, ocorrido em 20 de abril de 1999.

Na ocasião, também dois jovens, identificados como Eric Harris e Dylan Klebold, mataram 12 alunos e um professor, deixando outras 21 pessoas feridas. Eles utilizaram várias armas e vestimentas como se estivessem em um campo de combate, planejando em detalhes o passo-a-passo do atentado, exatamente como fizeram os assassinos de Suzano.

Assassinos do Massacre de Columbine, Eric Harris e Dylan Klebold
 
O que é importante destacar aqui para o propósito desse texto, é que os assassinos de Columbine eram aficionados por jogos de tiro e terror, como Doom, Wolfenstein 3D e Duke Nukem. Eric Harris chegou a produzir mapas para o jogo Doom.

Não apenas o tipo de vestimenta (predominantemente preta), planejamento, armas e desfecho final (suicídio) são semelhantes, como o gosto por jogos violentos. Na casa dos assassinos de Suzano, a polícia encontrou dois cadernos com nomes de jogos de internet e táticas de jogos de combate, segundo o G1.

No perfil [já deletado] de Luiz Henrique no Facebook, um dos assassinos de Suzano, havia fotos de jogos de tiro, assim como no de Guilherme Taucci [também deletado] havia referência a séries e filmes com o mesmo teor.

Em um fórum chamado "Outer Space", aparentemente voltado para amantes de games e do mundo digital, os usuários comentaram a tragédia de Suzano, informando algo crucial para a compreensão da motivação do crime:

"Guilherme Taucci Monteiro, de 17 anos, era um dos atiradores que matou cerca de 10 pessoas na escola Raúl Brasil, em Suzano. O jovem assassino fazia parte de um grupo de cinco pessoas que tiveram a infeliz idéia de matar as crianças naquela escola. A arma do crime estava com skin igual do jogo free Fire", diz um dos usuários.

O jogo "Free Fire" virou uma febre no Brasil em 2018, sendo o mais baixado do segmento. Ele consiste em mapas onde os jogadores tem a missão de matar uns aos outros para sobreviver. Vence o que fica por último. Na imagem de capa dessa matéria, o personagem ao lado do corpo de Guilherme faz parte desse jogo.

Na imagem é possível observar que o personagem uma uma "besta", ou arco e flecha, assim como utilizou Guilherme, além de facas e armas de fogo. É impossível não associar ambos e perceber a relação de influência, ainda que a informação do fórum careça de confirmação.

Aumento de suicídio após a série "13 Reasons Why"

O potencial de influência comportamental de jogos violentos e séries de TV, ou filmes, é o mesmo, segundo a psicóloga Marisa Lobo, que recentemente comentou o episódio de Suzano, alertando para a necessidade dos pais em saber "o que entra na mente dos seus filhos".

"É bom lembrar que duas pessoas juntas cometendo esses crimes, são alienadas ou por terrorismo ou jogos, séries e filmes", disse Marisa. "Muitas séries de TV tem incentivado em seus enredos, violência e suicídio. Temos que discutir sobre isso em todo mundo".

De fato, segundo um estudo realizado na Universidade de Michigan no ano passado, publicado na na revista Psychiatric Services, confirmou que programações que fazem - ainda que implicitamente - apologia à violência e ao suicídio, influenciam significativamente o comportamento de alguns jovens.

Victor Hong, responsável pelo estudo, utilizou a série 13 Reasons Why como seu ponto de partida, ao entrevistar 87 jovens entre 2017 e 2018. Ele concluiu que esse tipo de conteúdo afeta jovens que já possuem alguma vulnerabilidade emocional. Ocorre que esta conclusão é de extrema gravidade, porque na sociedade atual conflitos emocionais são cada vez maiores entre os adolescentes, de modo que nem sempre é possível saber quando um filho ou filha possui um sofrimento real.

“Poucos acreditam que esse tipo de exposição na mídia leve crianças que não estão deprimidas a se tornarem suicidas. A preocupação é sobre como isso pode impactar negativamente os jovens que já estão no limite [emocional]”, explica Hong.

"Os pais cujos filhos podem ser vulneráveis
​​ou com alto risco de suicídio devem ser ainda mais diligentes sobre o que seus filhos assistem e se eles estão sendo expostos a conteúdo que poderia desencadeá-los. Eles também não devem fugir de conversas abertas, honestas e difíceis com seus filhos sobre esses tópicos", diz outra autora do estudo, a PhD. Cheryl King, que é psicóloga infantil e de adolescente do Hospital CS Mott, da U-M.

Um conjunto de fatores

Apesar da clara influência que jogos, filmes e séries violentas exercem sobre o comportamento dos jovens, eles não são suficientes para determinar crimes como o ocorrido em Suzano. Assim como Victor Hong ressaltou em sua pesquisa, é preciso haver uma vulnerabilidade prévia. Todavia, que tipo de vulnerabilidade?

Se trata de vulnerabilidade emocional, provocada pelo esvaziamento de valores e referenciais positivos na sociedade, assim como pela mudança nos padrões de vida da população. A falta de interação social saudável, a supervalorização do erotismo, do mundo virtual e relativismo, tem provocado sérias consequências no desenvolvimento emocional de crianças e adolescentes.

Ao mesmo tempo que isso ocorre, produções de jogos e filmes com nítida exploração do terror, têm se tornado acessível com extrema facilidade por crianças e adolescentes, algo que não existia no passado, devido à inexistência das redes sociais e plataformas de download e streaming, como o YouTube.

Assim, se por um lado há uma crise de valores envolvendo a família e a educação pública, por outro há um avanço incontrolável na produção de conteúdos nocivos que fazem parte do cotidiano dos jovens. É desse contexto que partem tragédias como a de Suzano, fruto de jovens perdidos em sua própria cultura e ideais.


Will R. Filho
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Opinião Crítica

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