SANTA MISSA, BÊNÇÃO E IMPOSIÇÃO DAS CINZAS
HOMILIA DO PAPA
FRANCISCO
Basílica de Santa Sabina
Quarta-feira, 6 de março de 2019
Quarta-feira, 6 de março de 2019
«Tocai a trombeta em Sião, ordenai um jejum» (Jl
2, 15): diz o profeta na primeira Leitura. A Quaresma abre-se com um som
estridente: o som duma trombeta que não afaga os ouvidos, mas proclama um
jejum. É um som intenso, que pretende abrandar o ritmo da nossa vida, sempre
dominada pela pressa, mas muitas vezes não sabe bem para onde vai. É um apelo a
deter-se – um “parar!” para ir ao essencial, a jejuar do supérfluo que distrai.
É um despertador da alma.
Ao som deste despertador segue-se a mensagem que o
Senhor transmite pela boca do profeta, uma mensagem breve e veemente: «Voltai
para Mim» (2, 15). Voltar. Se devemos voltar, isso quer dizer que a direção
seguida não era justa. A Quaresma é o tempo para reencontrar a rota da vida.
Com efeito, no caminho da vida – como em todos os caminhos –, aquilo que
verdadeiramente conta é não perder de vista a meta. Pelo contrário, quando o
que interessa na viagem é ver a paisagem ou parar a comer, não se vai longe.
Cada um de nós pode interrogar-se: no caminho da vida, procuro a rota? Ou
contento-me de viver o dia a dia, pensando apenas em sentir-me bem, resolver
alguns problemas e divertir-me um pouco? Qual é a rota? Talvez a busca da
saúde, que hoje muitos dizem vir em primeiro lugar, mas mais cedo ou mais tarde
faltará? Porventura a riqueza e o bem-estar? Mas não é para isso que estamos no
mundo. Voltai para Mim, diz o Senhor. Para Mim: o Senhor é a meta
da nossa viagem no mundo. A rota deve ser ajustada na direção d’Ele.
Hoje, para encontrar a rota, é-nos oferecido um
sinal: cinzas na cabeça. É um sinal que nos faz pensar naquilo que trazemos na
cabeça. Frequentemente, os nossos pensamentos seguem coisas passageiras, coisas
que vão e vêm. Os grãos de cinza que receberemos pretendem dizer-nos, com
delicadeza e verdade: de tantas coisas que trazes na cabeça, atrás das quais
corres e te afadigas diariamente, nada restará. Por mais que te afadigues, não
levarás contigo qualquer riqueza da vida. As realidades terrenas dissipam-se
como poeira ao vento. Os bens são provisórios, o poder passa, o sucesso
declina. A cultura da aparência, hoje dominante e que induz a viver para
as coisas que passam, é um grande engano. Pois é como uma fogueira: uma vez
apagada, ficam apenas cinzas. A Quaresma é o tempo para nos libertarmos da
ilusão de viver correndo atrás de pó. A Quaresma é descobrir que somos feitos
para o fogo que arde sempre, não para a cinza que imediatamente se some; para
Deus, não para o mundo; para a eternidade do Céu, não para o engano da terra;
para a liberdade dos filhos, não para a escravidão das coisas. Hoje podemos
interrogar-nos: De que parte estou? Vivo para o fogo ou para as cinzas?
Nesta viagem de regresso ao essencial que é a
Quaresma, o Evangelho propõe três etapas, que o Senhor pede para percorrer sem
hipocrisia nem ficção: a esmola, a oração, o jejum. Para que servem? A esmola,
a oração e o jejum reconduzem-nos às únicas três realidades que não se dissipam.
A oração liga-nos a Deus; a caridade, ao próximo; o jejum, a nós mesmos. Deus,
os irmãos, a minha vida: tais são as realidades, que não acabam em nada e sobre
as quais é preciso investir. Eis para onde nos convida a olhar a Quaresma: para
o Alto, com a oração, que liberta duma vida horizontal e rastejante, onde
se encontra tempo para si próprio, mas se esquece Deus. E depois para o
outro, com a caridade, que liberta da nulidade do ter, de pensar que as
coisas estão bem se para mim correm bem. Por último, convida-nos a olhar para
dentro de nós mesmos, com o jejum, que liberta do apego às coisas, do
mundanismo que anestesia o coração. Oração, caridade, jejum: três investimentos
num tesouro que dura.
Jesus disse: «Onde estiver o teu tesouro, aí estará
também o teu coração» (Mt 6, 21). O nosso coração aponta sempre para uma
direção: é como uma bússola que sempre procura a orientação. Podemos também
compará-lo a um imã: precisa de se apegar a qualquer coisa. Mas, quando se
apega só às coisas terrenas, mais cedo ou mais tarde torna-se escravo delas: as
coisas de que nos servimos passam a coisas às quais servimos. O aspeto
exterior, o dinheiro, a carreira, os passatempos: se vivermos para eles,
tornar-se-ão ídolos que nos usam, sereias que nos encantam e, em seguida, nos
deixam à deriva. Ao contrário, se o coração se apega ao que não passa,
encontramo-nos a nós mesmos e tornamo-nos livres. Quaresma é o tempo de graça
para libertar o coração das nulidades; é tempo de cura de dependências que nos
seduzem; é tempo de fixar o olhar naquilo que resta.
Então onde devemos fixar o olhar ao longo do
caminho da Quaresma? É simples: no Crucificado. Jesus na cruz é a bússola da
vida, que nos orienta para o Céu. A pobreza do lenho, o silêncio do Senhor, a
sua nudez por amor mostram-nos a necessidade duma vida mais simples, livre da
azáfama excessiva pelas coisas. Da cruz, Jesus ensina-nos a coragem esforçada
da renúncia. Pois, carregados com pesos embaraçantes, nunca iremos para diante.
Precisamos de nos libertar dos tentáculos do consumismo e dos laços do egoísmo,
de querer sempre mais, de não nos contentarmos jamais, do coração fechado às
necessidades do pobre. Jesus, abrasado de amor no lenho cruz, chama-nos a uma
vida inflamada por Ele, que não se perde entre as cinzas do mundo; uma vida que
arde de caridade, e não se apaga na mediocridade. É difícil viver como Ele
pede? Sim, é difícil, mas conduz à meta. No-lo mostra a Quaresma. Esta começa
com as cinzas, mas leva-nos no final ao fogo da noite da Vigília Pascal, a
descobrir que, no sepulcro, a carne de Jesus não se torna cinza, mas ressuscita
gloriosa. O mesmo vale para nós, que somos pó: se voltarmos ao Senhor com as
nossas fragilidades, se tomarmos o caminho do amor, abraçaremos a vida que não
tem ocaso. E certamente viveremos na alegria.
_________________________________
© Copyright - Libreria Editrice Vaticana
Nenhum comentário:
Postar um comentário