Um dos mais frequentes ardis do mau é
apresentar-se a nós sob uma enganosa aparência de bondade. Desde a tentação
original, quando a serpente seduziu a mulher com a promessa de serem “como
deuses”, a humanidade frequentemente se vê surpreendida pela malignidade das
suas “boas ações”.
Essa deturpação opera sempre do mesmo modo:
pela degradação da linguagem. No exemplo bíblico, o engano diabólico operou-se
através da utilização da mesma palavra usada por Deus, porém em seu sentido
inferior, vulgar. Deus disse ao homem que se comesse do fruto da árvore do bem
e do mal, “certamente morrerás”, e a serpente, abordando a mulher, lhe afirma
“certamente não morrereis”.
Obviamente, a morte a que Deus se referiu era
a verdadeira morte, o inferno, a separação definitiva de Deus. A serpente, no
entanto, ao afirmar que Eva não morreria, se referia à morte física, a qual,
diante da verdadeira morte, não passa de uma figura de linguagem. Ou seja, o
que satanás fez? Usou a palavra morte de forma intencionalmente vulgar,
inferior, retirando-lhe o sentido pleno, superior, elevado.
O mesmo acontece hoje com a palavra prudência.
Prudência é uma das quatro virtudes cardeais, junto com a Temperança, a Justiça
e a Fortaleza. A doutrina católica consagrou, desde os Pais da Igreja, sete
virtudes: essas cardeais e as teologais (a Fé, a Esperança e o Amor).
Muito grosso modo, as virtudes cardeais são
aquelas que são exigíveis de qualquer pessoa que queira se considerar
civilizada, seja ela cristã ou não, diferentemente das virtudes teologais, que
são exigíveis apenas dos cristãos. Não que seja possível algum cristão
apresentar as virtudes teologais sem que apresente, anteriormente, as virtudes
cardeais. Isso, de fato, não ocorre. Só a título de exemplo: é impossível ter
as virtudes da fé, da esperança ou do amor sem ter fortaleza (coragem), pois o
medo (a covardia) se opõe e anula todas elas.
A Prudência como virtude cardeal, ou seja, em
seu sentido mais elevado, é o bom e velho bom senso, aquela dose de sabedoria
necessária para viver sem sofrimentos desnecessários. Buscar a prudência como
virtude a ser incorporada em nosso ser consiste, portanto, no esforço de
desenvolver a nossa inteligência o máximo possível, cada um dentro das suas
limitações. É o dever que todo ser humano têm de buscar a Verdade.
É, em certo sentido, o amar a Deus sobre todas
as coisas, uma vez que entendemos que Ele é a Verdade. O que não significa, é
claro, que pessoas com baixa escolaridade não serão boas cristãs, até porque,
como explica C. S. Lewis, tornar-se cristão é, em si, um ato de educação.
Ninguém é obrigado a ser intelectual, mas ninguém está autorizado a ter
preguiça intelectual – vício em nada diferente de qualquer outro tipo de
preguiça.
No entanto, não se trata de qualquer tipo de
inteligência. A pista para o correto entendimento do que seja a Prudência está
nas palavras do Cristo: “sede prudentes como as serpentes e símplices como as
pombas”.
Deus não escolhe as palavras em vão, nem as
usa de forma desatenta. Não é curioso que o modelo de prudência dado a nós por
Nosso Senhor tenha sido justamente a serpente, o animal que, na narrativa do
Gênesis, tentou a humanidade, levando-a ao pecado original? O que se diz sobre
a serpente é que ela era “mais astuta que todos os animais selvagens que o
Senhor Deus tinha feito”.
Isso é revelador. Primeiramente, indica o quê,
exatamente, Cristo quis dizer ao nos dizer para sermos prudentes e qual o real
significado dessa virtude cardeal: astúcia, sagacidade, agudeza de mente. O
mero acúmulo de informações não pode dar isso – fato cotidianamente comprovado
pelos nossos liberais. Isso também ajuda a ignorar as críticas de nossos
opositores, de que para ser conservador é preciso ser um pacifista inofensivo.
Serpentes não são animais pacíficos.
No entanto, o conceito geral de prudência
atualmente não tem nada a ver com isso. Pergunte para 100 pessoas e 95 vão
responder que prudência é algo que mais se assemelha à mornidão e à covardia do
que a tudo que dissemos acima. E não, não é que estão confundindo prudência com
temperança (moderação), pois esse conceito deturpado de prudência não se refere
ao controle dos impulsos e do não se deixar dominar por nada, mas sim a uma
disposição espiritual à mediocridade, ao “em cima do muro”.
No popular, é o conceito popularizado como os
isentões: os liberais brasileiros. A sátira feita pelos brasileirinhos é
perfeita ao identificá-los como a turma do “prudência e sofisticação”, pois, de
fato, eles acreditam que são pessoas que pautam suas posições pela mais santa e
sensata prudência. A prudência liberal nada mais é do que a deturpação
diabólica da virtude da prudência.
Tal deturpação resulta da combinação de uma
corrupção da linguagem com a covardia. Sem coragem (sem fortaleza) não há como
desenvolver a prudência. E isso não é por acaso. A doutrina da Igreja entende a
fortaleza como a principal das virtudes, uma vez que sem ela, todas as outras
se transmutam em vício.
Especificamente nesse caso, há um agravante,
essa pseudo prudência gera um certo reconforto psicológico, devido ao fato de
que aquilo que a pessoa sempre experimentou como medo, de repente assume a
forma de uma qualidade digna de admiração. Não é sem razão que esse engano seja
tão difícil de se abandonar, e que seus adeptos pareçam estar cada vez mais
irremediavelmente convencidos: para admitir o engano também é preciso ter
coragem.
Eis aí a genealogia psíquica do liberal
brasileiro: fruto do casamento entre a covardia e a degradação da linguagem.
Por Igor Celestino
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Senso Incomum
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