“Expliquei-lhe que tudo em [Gustavo] Corção é amor; poucas pessoas
conheço com tanta vocação, tanto destino, para o amor. O que parece ódio, nos
seus escritos, é ainda amor (…) Está fatalmente ao lado da pessoa e contra a
antipessoa (…) Eis o que eu repeti para o meu amigo das esquerdas: – o Corção
tem um coração atormentado e puro de menino. Quem o sabe ler, percebe em todos
os seus escritos o pai de Rogério, sempre o pai de Rogério, querendo salvar
milhões de filhos, eternamente.” (NELSON RODRIGUES, “Tudo em Corção é amor”,
1968)**
Com propriedade, diz-se do levante protestante de Lutero (1517) que foi
um golpe revolucionário contra a Igreja, como o foram a Revolução Francesa
(1789) e a Revolução Russa (1917) contra Cristo e contra Deus, respectivamente.
Após o ataque da soberba humana à hierarquia apostólica, ao Filho Redentor e ao
Pai Criador do mundo, consolidava-se o espaço do ateísmo no espírito do homem —
que ainda se reconhecia como tal, não obstante a rejeição de sua vocação
sobrenatural.
No século XX a mesma soberba conduziria por passos ainda mais largos à
autodestruição humana. Cada vez mais livre dos salutares freios interiores que
a verdadeira Religião — Mãe caridosa que é — franqueia aos homens, a velha
soberba teria na concupiscência da carne a propulsão de sua nova etapa
revolucionária: a sexual. Em seu descendente movimento histórico, o anseio da
alma humana, enfim deslocado do Céu para a Terra, rebaixava-se ainda mais para
agora buscar a salvação na bruta baixeza sensorial da genitália.
Revestindo de mil artifícios a meteórica ascensão da egolatria,
redefinindo as virtudes à imagem de seus vícios opostos, convenceram-se as
sociedades ocidentais de que a liberação sexual lhes traria a libertação final
e a paz mundial (“Faça amor, não faça guerra”). Contracepção, esterilização,
aborto, divórcio… Inspirados pelas ideias dos intelectuais da Escola de
Frankfurt, esforços dos mais variados segmentos se uniram para mudar o
comportamento da humanidade. Hiperssexualizado, o homem pós-moderno acreditava
poder redefinir sua ontologia ao desvincular ato sexual e procriação, deslocando
artificialmente da transmissão da vida para a recreação venérea o fim último do
ato sexual. A cultura da vida dava lugar à cultura da morte.
Como, no entanto, está além do alcance do homem alterar os fundamentos
metafísicos da realidade natural que o contém e rege, uma desordem tão
fundamental não tardaria a se desdobrar vorazmente e cobrar seu preço, em
especial na avassaladora moeda da degradação da juventude. As décadas de 1960 e
1970 testemunharam a sistemática revolta da juventude contra a autoridade em
geral (exceto a dos inquestionáveis ideólogos e agentes culturais que a
seduzia) e a dos pais em particular, a dissolução da família, a ascensão da
pornografia, o “paradoxal” aumento da violência sexual, a cultura do aborto, a
banalização do uso de entorpecentes (com os suicídios e homicídios dele
decorrentes), o aumento da criminalidade, a escalada da atomização social etc.
Após atentar contra a Igreja Católica, contra Deus Filho (Cristo) e contra Deus
Pai, estava em marcha, enfim, a tentativa revolucionária de destruir o próprio
homem. E é talvez nesta etapa “antipessoa” que se revela mais claramente a
origem satânica de todo o processo revolucionário, pois mais do que aniquilar
no homem a humildade, busca-se inviabilizar-lhe definitivamente a pureza — e
com ela o verdadeiro amor.
Desfigurada assim a essência da sexualidade humana, à qual lhe é
intrínseca a estável complementaridade homem-mulher — ordenada à exigente
continuidade e manutenção da vida de uma criatura pensante e moral —, perdeu-se
o homem contemporâneo no vazio do prazer efêmero e saturado das relações
sexuais descartáveis, estéreis, fechadas ao vínculo afetivo duradouro e ao
amadurecimento conjugal mútuo pelo sacrifício à prole; enfim, relações em que a
luxúria desbanca a pureza e simula o amor.
Nos últimos dias o STF acolheu, por unanimidade, a inconstitucionalidade
de uma lei municipal que proíbe a ideologia de gênero nos currículos e
materiais escolares do município de Novo Gama (GO). Os proponentes da ação
celebraram a vitória contra o que consideram “obscurantismo” e “obstrução” a
uma “educação libertadora” e aos “direitos humanos”. Assim se apresentam os
soldados da antipessoa: jamais exibem abertamente todo o seu sincero e horrível
esplendor; antes, imputam a seus adversários os adjetivos que descreveriam a si
próprios com perfeição, na esperança de passarem-se por virtuosos defensores da
liberdade humana. Pensam com isso encobrirem a própria ignorância ou malícia,
posto que a ideologia de gênero não é senão um aprimoramento pseudo-científico
do mesmo veneno que escraviza e tende a aniquilar a pessoa humana desde a
revolução sexual.
A conspiração cultural contra a pureza na infância e na adolescência
configura uma grave enfermidade social, mas adquire contornos de anticivilização
se encontra escandalosa ressonância no sistema educacional e, tanto pior, na
máxima instância jurídica de um país. Aos ideólogos de gênero, para que
pudessem disseminar a tirania desorientadora de seus delírios subjetivistas,
foi-lhes necessário, antes, nascerem e fazerem-se educados numa célula
familiar. Se por mórbida e remota fatalidade toda a humanidade aderisse às
desordens que tais agentes prescrevem para a sexualidade humana, dentro de
poucas gerações tal cultura de morte precipitaria a própria humanidade à
extinção. Basta esse exercício para identificar a insustentabilidade de todo o
edifício da pretensa “teoria” de gênero.
Como professor, aperta-me o coração acompanhar a confusão mental
culturalmente induzida em crianças e adolescentes pela sugestão da plasticidade
de sua “identidade de gênero”. Que meninos e meninas não sejam mais educados
sob a primordial perspectiva de serem, eles próprios, pilares de famílias
futuras, pais e mães, eis um trágico flanco exposto aos agentes do ilusionismo
da antipessoa.
As palavras do escritor Nelson Rodrigues (1912-1980) que abrem este
artigo referem-se ao grande pensador, escritor e apologeta católico Gustavo
Corção (1896-1978) e seu filho (Rogério), morto no Vietnã a serviço do Brasil.
De fineza literária comparada à de Machado de Assis, Corção fez dos jornais da
época sua arena pública de enfrentamento e de amor. Morreu aos 81 anos, humilde
soldado de Cristo e da Igreja, em luta espiritual e contrarrevolucionária pela
pureza do seu e de todos os corações, sem a qual não se pode verdadeiramente
amar o bem nem crescer em virtudes e sabedoria.
Que também nossos excelentíssimos juízes da Suprema Corte, pela
intercessão da Virgem Santíssima, recobrem por Nosso Senhor Jesus Cristo a humildade
e aquele “coração atormentado e puro de menino”, também amorosamente desejoso
de “salvar milhões de filhos, eternamente”.
“Em verdade vos declaro: se não vos transformardes e vos tornardes como
criancinhas, não entrareis no Reino dos Céus. Aquele que se fizer humilde como
esta criança será maior no Reino dos Céus.” (Mt 18, 3-4)
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Centro Dom Bosco/ Permanência
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