Por causa do julgamento no STF da ADI 5581, que trata da
descriminalização do aborto em grávidas de filhos doentes com o Vírus Zika,
discutiu-se mais uma vez a questão do aborto provocado, contra o qual devemos
ter argumentos sólidos e sadios.
A nossa Constituição Federal, art. 5º, já tem como cláusula pétrea a
inviolabilidade da vida humana, e considera que todos são iguais perante a lei,
que visa o bem de todos, mesmo os doentes. Não podem ser discriminados. Não
compete a ninguém julgar quem merece morrer ou viver. E o nosso Código Penal
considera crime o aborto. Ademais, há que se levar em conta que o povo
brasileiro, em sua grande maioria, já se manifestou ser contra o aborto. E,
para os cristãos, vige o V Mandamento da Lei de Deus: “Não Matarás”, que proíbe
matar um inocente.
Na sociedade, há um lugar privilegiado, especialmente seguro, refúgio
para todos os seus membros: a família, “santuário da vida”, “igreja doméstica”.
Na família, há uma pessoa especial, a mãe, geradora da vida, objeto querido do
nosso amor, pois é aquela da qual nascemos. E na mãe, há um lugar “sagrado”, o
útero materno, sacrário onde a vida é gerada. Assim, no santuário da vida, a
família, está esse sacrário da vida, o útero materno, lugar como que sagrado,
protegido e seguro. O próprio Deus, quando enviou o seu Filho ao mundo para
habitar entre nós, o aconchegou em um útero materno, o da Santíssima Virgem
Maria, no qual o Verbo se fez carne e começou a ser um de nós. Por isso dizemos
a Maria Santíssima: “bendito é o fruto do vosso ventre”, repetindo a saudação
de Isabel (Lc 1, 42).
No caso de um aborto provocado, quando uma vida humana em gestação é
artificialmente tirada, sob qualquer pretexto, é no útero materno que tal crime
acontece, portanto no lugar mais sagrado do mundo, e, deveria ser, no lugar
mais protegido por todas as leis do mundo.
Raciocinemos: se uma criança já está fora do útero materno, após seu
nascimento, não importando o tempo de sua gestação, até bem antes dos nove
meses normais, ela é protegida por lei, em qualquer país civilizado, e seu
assassinato é por todos considerado um crime hediondo. Todos condenam o
infanticídio, seja por que pretexto for. Mas se essa criança ainda estiver no
útero materno, a proteção já não é tão segura e ela não é tão protegida pela
lei, dos homens, variável segundo a determinação dos que fazem as leis ou as
interpretam. São esses homens que pretendem determinar até quando e se vale a
pena a vida ser vivida ou não?
Assim, o útero materno, ao invés de ser um lugar seguro, tornou-se, por
vontade dos homens, um lugar perigoso e arriscado. Fora dele se estaria seguro.
Nele, corre-se o risco de ser assassinado sem maiores problemas. É a lógica dos
homens, que pensam ser Deus.
Chamava o Papa São Pio X de monstruosa e detestável iniquidade, própria
do tempo em que vivemos, a pretensão de o homem se colocar no lugar de Deus.
Foi a tentação dos nossos primeiros pais. Estão aí os absurdos consequentes
dessa pretensão.
Dom Fernando Arêas Rifan,
bispo administrador apostólico da Administração Apostólica Pessoal São
João Maria Vianney.
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