O Coronavírus nos faz despertar novamente para o pesadelo comunista. |
É o que mostra Slavoj Žižek, um dos principais
teóricos marxistas da atualidade, em seu livreto “Virus”, recém-publicado na
Itália (*). Žižek revela aquilo que os marxistas há trinta anos escondem: o
globalismo substitui o socialismo como estágio preparatório ao comunismo. A
pandemia do coronavírus representa, para ele, uma imensa oportunidade de
construir uma ordem mundial sem nações e sem liberdade.
Cito e comento, a seguir, alguns trechos do
livreto de Žižek, essa obra-prima de naïveté canalha, que entrega sem disfarce
o jogo comunista-globalista de apropriação da pandemia para subverter
completamente a democracia liberal e a economia de mercado, escravizar o ser
humano e transformá-lo em um autômato desprovido de dimensão espiritual,
facilmente controlável:
“Tomara que se propague um vírus ideológico
diferente e muito mais benéfico, e só temos a torcer para que ele nos infecte:
um vírus que faça imaginar uma sociedade alternativa, uma sociedade que vá além
do Estado-nação e se realize na forma da solidariedade global e da cooperação.”
“Uma coisa é certa: novos muros e outras
quarentenas não resolverão o problema. O que funciona são a solidariedade e uma
resposta coordenada em escala global, uma nova forma daquilo que em outro
momento se chamava comunismo.”
Žižek não esconde seu anseio e sua convicção
de que um vírus “diferente e mais benéfico” do que o coronavírus, o vírus
ideológico, contagiará o mundo e permitirá construir o comunismo de uma forma
inesperada. Não está sequer interessado naquilo que funciona ou não funciona
para combater o coronavírus, a quarentena ou o fechamento de fronteiras, pois o
objetivo não é debelar a doença, e sim utilizá-la como escada para descer até o
inferno, cujas portas pareciam bloqueadas desde o colapso da União Soviética,
mas que finalmente se reabriu. Tudo em nome da “solidariedade”, claro, do mesmo
modo que no universo de 1984 de Orwell a opressão sistemática fica a cargo do
“Ministério do Amor”. Quem quiser defender suas liberdades básicas, quem quiser
continuar vivendo num Estado-Nação, estará faltando com o dever básico de
“solidariedade”.
“Um primeiro e vago modelo de uma tal coordenação na escala global é
representado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) (...) Serão conferidos
maiores poderes a outras organizações desse tipo.”
Não escapa a Žižek, naturalmente, o valor que
tem a OMS neste momento para a causa da desnacionalização, um dos pressupostos
do comunismo. Transferir poderes nacionais à OMS, sob o pretexto (jamais
comprovado!) de que um organismo internacional centralizado é mais eficiente
para lidar com os problemas do que os países agindo individualmente, é apenas o
primeiro passo na construção da solidariedade comunista planetária. Seguindo o
mesmo modelo, o poder deve ser transferido também para outras organizações,
cada uma em seu domínio. Žižek não o especifica, mas provavelmente tem em mente
uma política industrial global sendo ditada pela UNIDO, um programa educacional
global controlado pela UNESCO e assim por diante.
“Tudo isto acaso não mostra com clareza a necessidade urgente de uma
reorganização da economia global que não esteja mais sujeita aos mecanismos do
mercado? E aqui não estamos falando do comunismo de outrora, naturalmente, mas
de algum tipo de organização global que possa controlar e regular a economia,
como também que possa limitar a soberania dos Estados nacionais quando seja
necessário.”
Sim, não é o comunismo de outrora, que
instalava ora num país, ora noutro, um sistema de planejamento econômico
central, sempre fracassado em proporcionar bem-estar, sempre exitoso em
controlar e oprimir a sociedade. Trata-se agora de um planejamento central
mundial, que certamente traria o mesmo fracasso e o mesmo êxito desse modelo
quando aplicado no passado na escala nacional.
“Muitos comentaristas progressistas moderados e de esquerda revelaram
como a epidemia do coronavírus se presta a justificar e legitimar a imposição
de medidas de controle e disciplina das pessoas até aqui inconcebíveis no
quadro das sociedades democráticas ocidentais."
Žižek menciona entre esses comentaristas a
Giorgio Agamben, filósofo de esquerda aparentemente não-marxista, que escreveu
com grande apreensão sobre o cerceamento de liberdades que está em curso e que
considerou a reação à pandemia um pânico altamente exagerado (**). Mas aquilo
que esses comentaristas vêem com preocupação, Žižek recebe com júbilo, e
intitula o capítulo em que trata desse tema justamente:
"Vigiar e punir? Sim, por favor!"
Refere-se Žižek, naturalmente, ao título do
livro de 1975 de Michel Foucault, Surveiller et Punir no original, que
descrevia a evolução das prisões do Século XIX para as prisões sem grades da
sociedade de controle da pós-modernidade ocidental.
"Não surpreende que, ao menos até agora, a China - que já empregava
largamente sistemas de controle social digitalizado - se tenha demonstrado a
mais bem equipada para enfrentar a epidemia catastrófica. Deveremos talvez
deduzir daí que, ao menos sob alguns aspectos, a China represente o nosso
futuro? Não nos estamos aproximando de um estado de exceção global?”
“Mas se não é esse [o modelo chinês] o comunismo que tenho em mente, que
entendo por comunismo? Para entendê-lo, basta ler as declarações da OMS.”
Žižek tem uma atitude ambígua em relação à
China. Admira o que considera o êxito chinês no controle social, mas ao mesmo
tempo não parece querer identificar a sua própria concepção de comunismo com o
regime chinês, talvez porque o comunismo, ao final das contas, exige o fim do
Estado, enquanto a China representa o modelo de Estado forte que o comunismo
visa a superar. Esse não-Estado, esse grau zero do Estado que corresponde ao
grau máximo do poder, Žižek vai buscá-lo nos organismos internacionais, que
permitiriam, no que parece ser a sua visão, o exercício totalitário sem um ente
totalizante, um ultrapoder rígido mas difuso, exercido em nome da
“solidariedade” e portanto inatacável – pois quem ousaria posicionar-se contra
a solidariedade? “Solidariedade” é mais um conceito nobre e digno que a
esquerda pretende sequestrar e perverter, corromper por dentro, para servir aos
seus propósitos liberticidas. Já fizeram ou tentaram fazer o mesmo com os
conceitos de justiça, tolerância, direitos humanos, com o próprio conceito de
liberdade.
“Não é uma visão comunista utópica, é um comunismo imposto pelas
exigências da pura sobrevivência. Trata-se de uma variante do ‘comunismo de
guerra’ como foram chamadas as providências tomadas pela União Soviética a
partir de 1918”.
Žižek parece querer dizer: “Não se preocupem.
Não há nada de ideológico no que proponho. Apenas me guio pelo pragmatismo de
quem quer salvar a humanidade, e neste momento o pragmatismo dita a opção por
um sistema comunista, mas é um comunismo de emergência, só isso.” Então
perguntaríamos: “E quando vai acabar essa emergência? Quando vai acabar esse
estado de exceção?” Žižek possivelmente responderia, com um sorriso cheio de
“solidariedade”: “A emergência vai durar para sempre.”
Žižek não se preocupa com o resultado da
quarentena para a contenção do coronavírus, ele não se preocupa em conter o
coronavírus, mas sim em favorecer ao máximo o contágio do outro vírus, esse que
ele mesmo denomina o vírus ideológico, “diferente e muito mais benéfico”. Ele
louva a quarentena justamente pelo seu potencial destrutivo. Seu mundo dos
sonhos é Wuhan quarentenada:
“...Uma cidade fantasma, as lojas com a porta aberta e nenhum cliente,
somente aqui e ali uma pessoa a pé ou um carro, indivíduos com máscaras brancas
(...) fornece a imagem de um mundo não-consumista em paz consigo mesmo.”
No pensamento de Žižek, à custa da destruição
dos empregos que permitem a sobrevivência digna e minimamente autônoma de
milhões e milhões de pessoas, ao preço do desmantelamento de sua liberdade e de
seu sustento, se atinge um mundo “em paz consigo mesmo”. O comunismo sempre
afirmou que seu objetivo é a paz e a emancipação de toda a humanidade. Aí, numa
cidade deserta, sem emprego, sem vida, onde cada um é prisioneiro em seu
cubículo, sob a supervisão de uma autoridade suprema que nem sequer é o governo
do seu próprio país (que por mais ditatorial que seja ainda pelo menos tem um
rosto e uma bandeira), mas uma agência global anônima e inatingível, aí está a
configuração perfeita da paz e da emancipação comunista.
Mas o paralelo com o nazismo é talvez uma passagem
ainda mais chocante do seu livro:
“'Arbeit Macht Frei' é ainda o lema correto, não obstante o péssimo uso
que dele fizeram os nazistas.”
Žižek repete aqui o lema colocado na porta do
campo de concentração de Auschwitz, a ultracínica, perversa afirmação de que “O
trabalho liberta”. Segundo ele, portanto, os nazistas não erraram na
substância, erraram apenas no uso que fizeram dessa frase. (Aqueles que ainda
não acreditam que o nazismo é simplesmente um desvio de rota da utopia
comunista, e não o seu oposto, encontrarão aqui talvez um importante elemento
de reflexão.) Segundo esse expoente do marxismo, Arbeit macht frei é o “lema
correto” da nova era de solidariedade global que se avizinha em consequência da
pandemia, e o que diferencia este novo mundo do campo de Auschwitz é que agora
se fará bom uso desta horrível mentira que perverte e humilha dois valores
sagrados da humanidade, o trabalho e a liberdade. Os comunistas não repetirão o
erro dos nazistas e desta vez farão o uso correto. Como? Talvez convencendo as
pessoas de que é pelo seu próprio bem que elas estarão presas nesse campo de
concentração, desprovidas de dignidade e liberdade. Ocorre-me propor uma
definição: o nazista é um comunista que não se deu ao trabalho de enganar as
suas vítimas.
“Não é talvez o espírito humano também uma espécie de vírus, que age
como parasita no animal humano, o utiliza para se reproduzir, e às vezes ameaça
destruí-lo? E se é verdade que o meio do espírito é a linguagem, não seria
oportuno considerar que, num plano mais elementar, a linguagem é também alguma
coisa mecânica, uma simples questão de regras que devemos aprender e
respeitar?”
Sempre sustentei que o controle da linguagem
para destruí-la enquanto meio de pensamento, ou meio do espírito como bem diz
Žižek, é um dos grandes objetivos do comunismo, para destruir a dimensão
espiritual do homem e assim assujeitá-lo completamente. Se o espírito vive na
linguagem e se a linguagem não passa de regras a serem aprendida e respeitadas
(sim, respeitadas!), isso significa que a linguagem está, como o comportamento
social na quarentena, sujeita aos mecanismos de “vigiar e punir”. Já era assim
com as regras do politicamente correto. Agora o politicamente correto incorpora
o sanitariamente correto, muitas vezes mais poderoso. O sanitariamente correto
te agarra, te algema e te ameaça: “Se você disser isso ou aquilo, você coloca
em risco toda a sociedade, se você pronunciar a palavra liberdade você é um
subversivo que pode levar toda a sua população a morrer – então respeite as
regras.” Controlar a linguagem para matar o espírito, eis a essência do
comunismo atual, esse comunismo que de repente encontrou no coronavírus um
tesouro de opressão.
Também já disse e repito: o verdadeiro inimigo
que o comunismo quer abater não é o capitalismo, o inimigo do comunismo é o
espírito humano, na sua complexidade e beleza. É o espírito humano que o vírus
ideológico de Žižek chegou para destruir.
Uma pergunta surge após a leitura desse
programa totalitário cheio de desfaçatez e hipocrisia: deve-se levar Žižek a
sério?
Muito a sério. Žižek é provavelmente o
escritor marxista mais lido nos últimos trinta anos. Influencia faculdades e
círculos intelecutais “progressistas” ao redor do mundo, que por sua vez
influenciam a mídia, que influencia os políticos, que tomam decisões muitas
vezes inconscientes da raiz ideológica dos conceitos “pragmáticos” pelos quais
se deixam guiar. O que diferencia Žižek de muitos de seus pares é que ele
enuncia abertamente o que outros escondem nas entrelinhas.
Em suma, Žižek explicita aquilo que vinha
sendo preparado há trinta anos, desde a queda do muro de Berlim, quando o
comunismo não desapareceu, mas apenas dotou-se de novos instrumentos: o
globalismo é o novo caminho do comunismo. O vírus aparece, de fato, como imensa
oportunidade para acelerar o projeto globalista. Este já se vinha executando
por meio do climatismo ou alarmismo climático, da ideologia de gênero, do
dogmatismo politicamente correto, do imigracionismo, do racialismo ou
reorganização da sociedade pelo princípio da raça, do antinacionalismo, do
cientificismo. São instrumentos eficientes, mas a pandemia, colocando
indivíduos e sociedades diante do pânico da morte iminente, representa a
exponencialização de todos eles.
A pretexto da pandemia, o novo comunismo trata
de construir um mundo sem nações, sem liberdade, sem espírito, dirigido por uma
agência central de "solidariedade" encarregada de vigiar e punir. Um
estado de exceção global permanente, transformando o mundo num grande campo de
concentração.
Diante disso precisamos lutar pela saúde do
corpo e pela saúde do espírito humano, contra o Coronavírus mas também contra o
Comunavírus, que tenta aproveitar a oportunidade destrutiva aberta pelo
primeiro, um parasita do parasita.
Ernesto Araújo
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(*) Žižek, Slavoj. Virus. Milão, Ponte Alle
Grazie, 2020 (Quinta edição digital.) (A tradução do italiano ao português de
todos os textos citados é minha.)
(**) Agamben, Giorgio. “Lo stato d’eccezione
provocato da un’emergenza immotivata”. Il Manifesto – Quotidiano Comunista,
26/02/2020.
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