É oficial: a mídia chutou o balde na sua cobertura
dada ao Papa Francisco.
A notícia muito difundida nos últimos dois dias é
apenas mais um exemplo disso. Quase toda banca de jornal, grande ou pequena,
colocou em destaque as manchetes com o nome do Papa dizendo que ele finalmente
firmou o lado em que a Igreja Católica está no debate entre criacionismo e
evolucionismo. Mas qual é o problema? Em quase todos os casos, foi veiculada
uma notícia equivocada, comprovando mais uma vez que a grande mídia não tem
praticamente nenhum conhecimento a respeito da Igreja. E essa loucura parece não
dar sinais de um dia chegar ao fim.
O verdadeiro papel do Papa Francisco nesse caso foi
pequeno. Ele falou, como é de costume, para a academia pontifícia de ciências
na segunda-feira, 27 de outubro, a qual se reuniu para discutir o tema “tópicos
evolutivos na ciência”, e apenas afirmou o que a Igreja tem ensinado há
décadas. O que ele disse foi: “Deus não é uma criatura divina ou um mago, mas o
Criador que trouxe todas as coisas à vida. A evolução na natureza não é
inconsistente com a noção da criação, pois a evolução requer a criação dos
seres que evoluem”.
Qualquer um que saiba alguma coisa sobre a história
da Igreja Católica, tem consciência que uma afirmação desse tipo não é algo
novo. O Papa Pio XII escreveu a encíclica Humani Generis em 1950 afirmando que
não há conflito entre a teoria da evolução e a fé católica. O Papa João Paulo
II reafirmou isso 1996, dando ênfase ao fato de que a evolução é mais do que
uma mera hipótese. O Papa Bento XVI organizou em 2006 uma conferência sobre as
nuances da relação entre criação e evolução. Há um livro oficial sobre esse
evento para qualquer um que queira se informar melhor. Tenha-se em conta também
que os comentários do Papa Francisco foram proferidos por ocasião da
inauguração de uma estátua em homenagem ao Papa Bento XVI.
Nada disso parece importar para a mídia; o mesmo
pode-se dizer da internet. Vários sites, um após o outro, pinçaram as palavras
do Papa e depois as divulgaram fora do contexto [nota do tradutor: são citados
a seguir vários veículos da imprensa de língua inglesa]. Manchetes como essas,
ainda dão um certo tom dramático: NPR: “Papa diz que Deus não é ‘um mágico, com
uma varinha mágica’”. Salon: “Papa Francisco instrui criacionistas”. U.S. News
and World Report: “Papa Francisco defende o Big Bang e a teoria da Evolução”
(com o subtítulo: “O pontífice ainda afirma que não é comunista”). Huffington Post. Sydney Morning
Herald. Telegraph. USA Today. New York Post. A lista vai mais longe.
Apenas o Slate fez sua lição de casa corretamente.
Na quarta de manhã as notícias continuaram a ser
veiculadas, agora com um teor mais analítico. O The New Republic apareceu com
uma notícia intitulada “O Papa tem mais fé na ciência do que o comitê nacional
republicano”. O Washington Post publicou: “o Papa Francisco pode acreditar na
evolução, mas 42% dos americanos não”. Parece não importar o fato de que em
2007 o Papa Bento XVI considerou o debate entre a teoria da evolução e o
criacionismo um absurdo. O MSNBC abre a notícia dizendo: “O Papa Francisco
iniciou uma ruptura significativa com a tradição católica na segunda-feira ao
declarar que as teorias da evolução e do Big Bang são reais”. O NBCNews
considerou a afirmação do Papa “uma ruptura teológica com o seu predecessor
Bento XVI, um forte expoente do criacionismo”.
Essa narrativa embaraçosa repete-se continuamente
na cobertura dada ao Papa Francisco. Aconteceu semana passada quando o Papa,
mais uma vez, declarou a oposição já de longa data da Igreja à pena de morte
(tendo declarado também em junho; além disso João Paulo II discutiu de forma
enfática esse tópico em uma encíclica consistentemente pró-vida em 1995).
Ocorreu o mesmo no Sínodo dos Bispos sobre a família, quando a Igreja falou
sobre o acolhimento dos homossexuais e a mídia distorceu a realidade
apresentando uma notícia inexata sobre uma enorme mudança de política em
direção ao casamento gay.
Isso é perigoso, especialmente porque esse furor
parece ocorrer mais frequentemente quando a agenda política ocidental
dominante, na grande mídia, pode ser amarrada às afirmações do Papa — evolução,
pena de morte, casamento gay. Na quarta de manhã, o Papa Francisco pediu
orações para 43 estudantes mexicanos que foram enterrados vivos por traficantes
de droga. É improvável que isso receba a mesma atenção da mídia.
Moral da história: não acredite na maior parte das
coisas que você lê sobre o Vaticano na grande mídia. A cobertura dada ao Papa
enlouqueceu selvagemente.
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Elizabeth Dias
Fonte: Time Magazine
Disponível em: Medium.com
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