Joseph Stalin era líder da União
Soviética naquela época tensa entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.
Uma de suas preocupações diplomáticas era tratar com a Alemanha nazista,
que dava todos os sinais que empurraria seu expansionismo militar e seu
anticomunismo na direção dos soviéticos.
Conta a história que Pierre Laval,
primeiro-ministro da França, ansioso para conter os “eternos inimigos” alemães
(antes, é claro, de Paris ser invadida pelos nazistas e ele virar
colaboracionista), sugeriu a Stalin que ganhasse apoio dos católicos
aproximando-se do papa Pio XII para fazer frente contra a Alemanha.
Era uma sugestão meio estranha a um dos governos mais ateus da história.
Stalin teria respondido com sarcasmo: “O Papa?! E
quantas divisões (militares) tem o Papa?”
(Dizem que Pio XII soube dessa história e
respondeu: “Digam a meu filho Joseph que ele encontrará minhas legiões no
céu.”)
Cerca de quatro décadas depois, o bloco socialista
europeu caía inteiro, um país depois do outro, com a ajuda conhecida do papa
João Paulo II para desintegrar o comunismo no continente.
Hoje, o presidente dos EUA Barack Obama anunciou
uma reaproximação histórica com Cuba, incluindo a retomada de relações
diplomáticas após mais de 50 anos, maiores facilidades para relações
econômicas, acordos humanitários, exclusão de uma série de sanções e um
trabalho com o Congresso para levantar o embargo contra aquele país. Um evento
histórico.
No discurso, Obama agradeceu duas vezes ao Papa
Francisco por ajudar no diálogo entre EUA e Cuba. O papa intercedeu em um
imbróglio de prisioneiros de ambos os países que impedia o avanço do diálogo.
Para a mídia, foi mais um feito inédito do papa-fenômeno.
Francisco tira a paz mundial da manga da batina e consegue até
acabar com uma briga icônica que durava cinco décadas.
Acontece que esse frenesi repetido está
repetidamente enganado. Mais uma vez, diversos jornais e muitas pessoas foram
às mídias sociais rejubilar-se por Francisco ter feito algo excepcional que
provavelmente outro papa já fez antes.
Pio XII e Stalin |
E fez. Escrevi acima que João Paulo II atuou
diplomaticamente durante anos para que os países do Leste Europeu, inclusive
sua Polônia natal, se livrassem do jugo socialista. Conseguiu. Quase deu a vida
por isso quando Ali Agca — hoje sabemos, pago e treinado pela KGB —
deu-lhe um tiro no meio da Praça de São Pedro.
Antes dele, João XXIII ofereceu seus bons ofícios
(diplomaquês para a intermediação de conflitos por uma autoridade no direito
internacional) na Crise dos Mísseis Cubanos, dialogando com EUA e União
Soviética. Ele meio que só ajudou a evitar a Terceira Guerra Mundial, uma
provável hecatombe nuclear.
Bento XV, recém-eleito papa com apenas 59 anos (Francisco
completou 78 hoje), fez de tudo para impedir a Primeira Guerra Mundial. As
potências europeias ainda viviam o espírito do imperialismo e de longos
ressentimentos religiosos: a Alemanha rejeitou a diplomacia papal por orgulho
protestante, a França por orgulho francês contra tudo que vinha de
Roma. Bento XV fracassou, mas não por falta de esforço. Sua missão contra
o conflito rendeu até a “Oração de São Francisco”, uma oração pela paz escrita
naquela época, que ele ajudou a popularizar.
Os papas passaram séculos intermediando conflitos
internacionais. Durante a Idade Média, os papas costumavam agir como
autoridade diplomática, pois mal havia Estados com soberania
internacional, muito menos um direito internacional. Vários papas,
incluindo o mal-afamado Alexandre VI, mediaram Portugal e Espanha
quanto às rotas para as Índias e descobertas do Novo Mundo. Até o Tratado de
Tordesilhas foi aprovado por Júlio II.
Quer voltar mais no tempo? Leão Magno convenceu
Átila, o Huno a desistir de dominar a Itália. Quarenta anos
antes, Inocêncio I negociou com o lider godo Alarico
para não invadir Roma, o que infelizmente não deu certo. Isso foi no ano 410.
O papa pode não ter exércitos; de fato, dependeu
quase que exclusivamente dos exércitos dos outros para resistir militarmente
aos inimigos, que não foram poucos em dois milênios. Mas Stalin quebrou a cara
ao desdenhar da autoridade diplomática — e, por que não, moral — do Vigário de
Cristo. O papado tem a experiência da diplomacia e da solução de conflitos em
praticamente toda a sua história.
Ou seja: quem diz que Francisco fez algo
inédito com Cuba e Estados Unidos está atrasado só uns mil e seiscentos anos.
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Contos do
Átrio
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