MENSAGEM
Mensagem do Papa Francisco para 23º Dia
Mundial do Doente
11 de fevereiro de 2015
Terça-feira, 3o de dezembro de 2014
Sapientia cordis.
«Eu era os olhos do cego e servia de pés para o
coxo” (Jó 29, 15)»
Queridos irmãos e irmãs,
por ocasião do XXIII Dia Mundial do Doente,
instituído por São João Paulo II, dirijo-me a todos vós que carregais o peso da
doença, encontrando-vos de várias maneiras unidos à carne de Cristo sofredor,
bem como a vós, profissionais e voluntários no campo da saúde.
O tema deste ano convida-nos a meditar uma frase do
livro de Jó: «Eu era os olhos do cego e servia de pés para o coxo» (29, 15).
Gostaria de o fazer na perspectiva da «sapientia cordis», da sabedoria do
coração.
1. Esta sabedoria não é um conhecimento teórico,
abstrato, fruto de raciocínios; antes, como a descreve São Tiago na sua Carta,
é «pura (…), pacífica, indulgente, dócil, cheia de misericórdia e de bons
frutos, imparcial, sem hipocrisia» (3, 17). Trata-se, por conseguinte, de uma
disposição infundida pelo Espírito Santo na mente e no coração de quem sabe
abrir-se ao sofrimento dos irmãos e neles reconhece a imagem de Deus. Por isso,
façamos nossa esta invocação do Salmo: «Ensina-nos a contar assim os nossos
dias, / para podermos chegar à sabedoria do coração» (Sal 90/89, 12). Nesta
sapientia cordis, que é dom de Deus, podemos resumir os frutos do Dia Mundial
do Doente.
2. Sabedoria do coração é servir o irmão. No
discurso de Jó que contém as palavras «eu era os olhos do cego e servia de pés
para o coxo», evidencia-se a dimensão de serviço aos necessitados por parte
deste homem justo, que goza duma certa autoridade e ocupa um lugar de destaque
entre os anciãos da cidade. A sua estatura moral manifesta-se no serviço ao
pobre que pede ajuda, bem como no cuidado do órfão e da viúva (cf. 29, 12-13).
Também hoje quantos cristãos dão testemunho – não
com as palavras mas com a sua vida radicada numa fé genuína – de ser «os olhos
do cego» e «os pés para o coxo»! Pessoas que permanecem junto dos doentes que
precisam de assistência contínua, de ajuda para se lavar, vestir e alimentar.
Este serviço, especialmente quando se prolonga no tempo, pode tornar-se
cansativo e pesado; é relativamente fácil servir alguns dias, mas torna-se
difícil cuidar de uma pessoa durante meses ou até anos, inclusive quando ela já
não é capaz de agradecer. E, no entanto, que grande caminho de santificação é
este! Em tais momentos, pode-se contar de modo particular com a proximidade do
Senhor, sendo também de especial apoio à missão da Igreja.
3. Sabedoria do coração é estar com o irmão. O
tempo gasto junto do doente é um tempo santo. É louvor a Deus, que nos
configura à imagem do seu Filho, que «não veio para ser servido, mas para
servir e dar a sua vida para resgatar a multidão» (Mt 20, 28). Foi o próprio
Jesus que o disse: «Eu estou no meio de vós como aquele que serve» (Lc 22, 27).
Com fé viva, peçamos ao Espírito Santo que nos
conceda a graça de compreender o valor do acompanhamento, muitas vezes silencioso,
que nos leva a dedicar tempo a estas irmãs e a estes irmãos que, graças à nossa
proximidade e ao nosso afeto, se sentem mais amados e confortados. E, ao invés,
que grande mentira se esconde por trás de certas expressões que insistem muito
sobre a «qualidade da vida» para fazer crer que as vidas gravemente afetadas
pela doença não mereceriam ser vividas!
4. Sabedoria do coração é sair de si ao encontro do
irmão. Às vezes, o nosso mundo esquece o valor especial que tem o tempo gasto à
cabeceira do doente, porque, obcecados pela rapidez, pelo frenesim do fazer e
do produzir, esquece-se a dimensão da gratuidade, do prestar cuidados, do
encarregar-se do outro. No fundo, por detrás desta atitude, há muitas vezes uma
fé morna, que esqueceu a palavra do Senhor que diz: «a Mim mesmo o fizestes»
(Mt 25, 40).
Por isso, gostaria de recordar uma vez mais a
«absoluta prioridade da “saída de si próprio para o irmão”, como um dos dois
mandamentos principais que fundamentam toda a norma moral e como o sinal mais claro
para discernir sobre o caminho de crescimento espiritual em resposta à doação
absolutamente gratuita de Deus» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 179). É da
própria natureza missionária da Igreja que brotam «a caridade efectiva para com
o próximo, a compaixão que compreende, assiste e promove» (Ibid., 179).
5. Sabedoria do coração é ser solidário com o
irmão, sem o julgar. A caridade precisa de tempo. Tempo para cuidar dos doentes
e tempo para os visitar. Tempo para estar junto deles, como fizeram os amigos
de Jó: «Ficaram sentados no chão, ao lado dele, sete dias e sete noites, sem
lhe dizer palavra, pois viram que a sua dor era demasiado grande» (Jó 2, 13).
Mas, dentro de si mesmos, os amigos de Jó escondiam um juízo negativo acerca
dele: pensavam que a sua infelicidade fosse o castigo de Deus por alguma culpa
dele. Pelo contrário, a verdadeira caridade é partilha que não julga, que não
tem a pretensão de converter o outro; está livre daquela falsa humildade que,
fundamentalmente, busca aprovação e se compraz com o bem realizado.
A experiência de Jó só encontra a sua resposta
autêntica na Cruz de Jesus, ato supremo de solidariedade de Deus para conosco,
totalmente gratuito, totalmente misericordioso. E esta resposta de amor ao
drama do sofrimento humano, especialmente do sofrimento inocente, permanece
para sempre gravada no corpo de Cristo ressuscitado, naquelas suas chagas
gloriosas que são escândalo para a fé, mas também verificação da fé (cf.
Homilia na canonização de João XXIII e João Paulo II, 27 de Abril de 2014).
Mesmo quando a doença, a solidão e a incapacidade
levam a melhor sobre a nossa vida de doação, a experiência do sofrimento pode
tornar-se lugar privilegiado da transmissão da graça e fonte para adquirir e
fortalecer a sapientia cordis. Por isso se compreende como Jó, no fim da sua
experiência, pôde afirmar dirigindo-se a Deus: «Os meus ouvidos tinham ouvido
falar de Ti, mas agora vêem-Te os meus próprios olhos» (42, 5). Também as
pessoas imersas no mistério do sofrimento e da dor, se acolhido na fé, podem
tornar-se testemunhas vivas duma fé que permite abraçar o próprio sofrimento,
ainda que o homem não seja capaz, pela própria inteligência, de o compreender
até ao fundo.
6. Confio este Dia Mundial do Doente à proteção
materna de Maria, que acolheu no ventre e gerou a Sabedoria encarnada, Jesus Cristo,
nosso Senhor.
Ó Maria, Sede da Sabedoria, intercedei como nossa
Mãe por todos os doentes e quantos cuidam deles. Fazei que possamos, no serviço
ao próximo sofredor e através da própria experiência do sofrimento, acolher e
fazer crescer em nós a verdadeira sabedoria do coração.
Acompanho esta súplica por todos vós com a minha
Bênção Apostólica.
Vaticano, 3 de Dezembro – Memória de São Francisco
Xavier – do ano 2014.
FRANCISCUS
Boletim da Santa Sé
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