A liturgia deste domingo dá-nos conta da
expansão da fé, não mais confinada ao território histórico de Israel. Este tema
está bem presente no convite do refrão do Salmo, a anunciar o Evangelho em todo
o mundo.
Na primeira leitura, o rei Salomão constrói um grandioso templo em
Jerusalém como habitação para Deus. Nesse lugar, Salomão invoca o Senhor, pedindo que escute as
orações que os estrangeiros lhe dirigirem no Templo de Jerusalém, de modo que o
Senhor seja conhecido para lá das fronteiras de Israel e todos os povos possam
prestar culto ao Deus de Israel. Pelo que se percebe
na oração de Salomão, todos os povos teriam oportunidade de conhecer o nome de
Deus conforme revelado ao povo de Israel.
Na segunda leitura, Paulo apresenta-se como
guardião do verdadeiro Evangelho de Cristo que é anunciado também aos pagãos,
reclamando a falsidade de qualquer outra mensagem que negue que a salvação de
Deus vem pela fé em Jesus Cristo, de quem ele recebeu o Evangelho que agora
transmite. Na defesa dessa boa notícia da salvação gratuita,
Paulo enfrenta toda espécie de conflitos.
O Evangelho mostra-nos a grande fé de um
estrangeiro, um oficial romano, que coloca toda a sua confiança na misericórdia
de Jesus e na sua Palavra, enquanto pede a cura de um seu servo.
O centurião romano, equivalente a um capitão
na hierarquia militar atual, foi elogiado por Jesus pela sua grande fé: “Em
verdade vos digo: nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé”. Depois de
professar uma fé tão viva em Jesus e de ser assim elogiado por ele, é de pensar
que a vida daquele homem não foi mais a mesma. Jesus cede à sua súplica e
mostra admiração pela grande fé deste homem estrangeiro revelando o verdadeiro nome de Deus, que não se circunscreve num
recinto sagrado, não faz acepção de pessoas, ultrapassa barreiras culturais e
manifesta-se a todos os povos, oferecendo-lhes gratuitamente a salvação em
Jesus Cristo.
Um livrinho titulado “Cartas dos amigos de
Cristo” traz uma carta imaginária do centurião a Jesus. Gostaria que você
também a conhecesse:
“Senhor: não pude agradecer-te; tive fé em ti,
e vejo que a minha fé não foi confundida. O meu servo está são, mais forte do
que antes. Que poder o da tua palavra! Queremos visitar-te, a minha mulher, o
meu criado que curaste – que quer ir a todo custo – e eu. Mais do que nunca,
sou indigno de que venhas a minha casa; também não preciso que o faças, e não o
digo por desprezo nem por egoísmo, mas porque notamos a tua presença em nós e
entre nós, invisível, mas palpável; não saberia explicá-lo, Tu me entenderás.
(…) a tua presença nesta casa onde nunca estiveste é constante e viva, e
enche-nos de paz e de serenidade interior. (…) Venho de um ambiente em que
prevalecem o poder, o domínio, a política, e em ti não encontro nada disso. No
entanto, parece que, misteriosamente, tens o segredo de exercer toda a
autoridade ou todo o poder, mas de outra maneira, com outro estilo. (…) Embora
não tenha neste momento grandes problemas de comando, receio que possam vir a
aparecer quando eu tiver de obedecer e os meus superiores não exercerem
devidamente a autoridade; penso que até poderão dar-se graves conflitos entre
as exigências de algumas ordens e os imperativos da minha consciência. Há
tantas injustiças e tantas extorsões… Mas também espero que a tua luz e a tua
palavra, remota e presente, sempre eficaz, me iluminem e me levem a aceitar
sacrifícios e renúncias a serviço da verdade. (…) Um abraço.”
A abertura a todos os povos completa-se com a vinda de Jesus. Ele (e
não mais o templo) é a fonte e o caminho de salvação universal.
COMENTÁRIO
DOS TEXTOS BÍBLICOS
Leituras: 1Rs
8,41-43; Gl 1,1-2.6-10; Lc 7,1-10
O Evangelho (Lc 7, 1-10) apresenta-nos a
figura de um centurião que é modelo de muitas virtudes: fé, humildade,
confiança no Senhor.
Este centurião é também para nós um exemplo de
homem que sabe pedir. A fé deste homem arrancou a admiração de Jesus, porque se
diz que “Jesus ficou admirado”.
É uma fé humilde. A humildade deste homem é
verdadeiramente surpreendente e transparece em tantos particulares (Não só nas
famosas palavras: Eu não sou digno…, antes de tudo da relação que há entre ele
e seu servo: aquele servo não é uma coisa, mas uma pessoa, um amigo(“a quem
prezava”); por ele, se dispõe pessoalmente, e esta é humildade, da melhor
qualidade! Indica que, também na vida, ele não é um homem que olha os outros do
alto de seu cargo, não faz pesar sua superioridade, mas sabe colocar-se ao lado
dos mais humildes. Em segundo lugar, ele não vai pessoalmente a Jesus, porque,
como pagão, se considera indigno de comparecer à sua frente.
É a própria fé deste homem que é humilde; tem
uma fé capaz de deslocar montanhas, e
não o percebe, aliás, parece até se envergonhar, porque tenta justificá-la.
Como se dissesse: nenhum mérito há de minha parte em crer que tu podes curar
meu servo; vejo como me obedecem meus súditos!
Mas exatamente aqui está o milagre de sua fé
que arranca a admiração de Jesus: “Também eu estou debaixo de autoridade, mas
tenho soldados que obedecem às minhas ordens. Se ordeno a um: Vai, ele vai; e a
outro: Vem! ele vem; e ao meu empregado: Faze isto!, ele o faz” (Lc 7, 8). A
lógica é clara: ele responde pelos próprios atos diante de seu superior, este
por sua vez ao governador local, que por fim responde a César, em Roma. A
autoridade que se espera seja exercida por Jesus se encontra nas mesmas
condições. A argumentação é notável!
Este homem entendeu – certamente pelo dom do
Espírito Santo – que os milagres de Jesus brotam de sua obediência ao Pai e
isto, em Israel, não o tinha entendido ninguém, nem mesmo os discípulos mais
íntimos! Entende-se por que Jesus ficou comovido.
O ensinamento mais importante desse texto
evangélico é a fé do centurião; a qualidade daquela fé! É uma fé humilde, sim,
mas corajosa; dir-se-ia até mal-educada, indiscreta, segura demais de si, se
isto não resultasse que a Jesus agradava exatamente assim: “Em verdade, vos
digo: se alguém disser a esta montanha: arranca-te e joga-te no mar, sem
duvidar no coração, mas acreditando que vai acontecer, então acontecerá” (Mc
11,23). O dito de Jesus quer dizer que a fé faz superar todos os obstáculos;
que entre o que Deus pede ao homem com a fé e aquilo que ele está disposto a
lhe dar há a mesma desproporção que existe entre um grãozinho de mostarda e um
monte que se desloca.
O centurião colocou seu servo nas mãos de
Jesus; sabia que não podia fazer outra coisa a não ser o bem: e voltando para a
casa do centurião os que haviam sido enviados, encontraram o servo curado.
Eis o ensinamento do Evangelho de hoje: crer
de maneira simples e corajosa, ousar muito em matéria de fé, pedir “sem
duvidar.”
Nossa fé é, muitas vezes, extremamente
intelectual, muito cerebral; consiste em crer que aquilo que Deus falou seja
verdadeiro(crer na veracidade de Deus), mas não em crer que o que prometeu
acontecerá (crer no poder de Deus). Enfim, falta-nos a fé nos milagres.
Revistamo-nos da humildade do centurião com
aquelas palavras que ele foi o primeiro a dizer e que atravessaram os séculos
até nós: Senhor, não sou digno; mas abracemos também sua fé: Dize somente uma
palavra e eu ficarei curado.
PARA REFLETIR
Caros irmãos e irmãs, neste Domingo a Palavra
de Deus nos convida a refletir sobre a beleza da experiência de fé. O Evangelho nos leva até à cidade de
Carfarnaum, local onde serve de cenário para mais um milagre operado por Jesus. Cafarnaum era uma cidade de fronteira e possuía
uma guarnição militar com tropa de soldados de Herodes Antipas. O personagem central é um centurião, ou seja,
um oficial do exército de Herodes, certamente um pagão de origem Síria. A perícope evangélica nos diz que este
oficial tinha um servo a quem muito estimava e que estava gravemente enfermo
(v. 2). Como pagão, ele não ousava
aproximar-se de Jesus e, por isto, envia a Jesus uma delegação, para que possa
obter dele a cura para o seu servo.
O texto nos mostra que os delegados judeus
enviados pelo centurião intercedem com insistência a seu favor e justificam:
“Ele ama a nossa nação, e até nos construiu uma sinagoga” (v. 5). Jesus segue com eles para a casa do
centurião, mas no caminho, recebe uma mensagem trazida pelos seus amigos:
“Senhor, não te incomodes, porque não sou digno de que entres em minha casa;
nem mesmo me achei digno de vir ao teu encontro. Diz, porém, uma palavra, para que o meu servo
seja curado” (v. 6-7). O texto nos
mostra que o centurião acredita no poder salvífico de Jesus. Basta que Jesus diga uma única palavra para
que e o seu servo seja curado.
E Jesus, ao receber este recado por meio dos
subordinados do centurião, admirou a fé desse homem: “Eu vos declaro que nem
mesmo em Israel encontrei tamanha fé” (cf. Lc 7,9). De fato, mesmo sendo uma
pessoa que não pertencia ao povo da aliança, esse oficial se mostra como um
exemplo de virtudes. Ele manifestou a caridade para com o próximo, pois estava
pedindo ajuda não para si mesmo, mas para um dos seus servos, que se encontrava
enfermo; demonstrou também uma grande fé e uma enorme confiança na pessoa de
Jesus; e ainda mostrou ser humilde, ao ponto de pedir apenas uma palavra do
Senhor, sem necessitar da sua presença junto ao doente.
A humildade, como de fato, era uma virtude
apreciada em Israel. Os rabinos
ensinavam que Abraão era um homem humilde.
De Moisés se diz que era o mais humilde de todos os homens da terra (Nm
12,3). O centurião pode ser identificado
como um homem humilde porque ele se humilha, solicitando a ajuda dos chefes dos
judeus e chega ao ponto de julgar-se indigno de ir ter-se pessoalmente com
Jesus. Ele respeita o costume dos
judeus, pois sabe que eles não podem se encontrar com os pagãos e não quer que
Jesus venha correr o risco de ficar contaminado, entrando na sua casa. Basta que Jesus dê uma ordem e a doença que
atinge o seu servo irá desaparecer.
O texto não apresenta a palavra milagrosa de
Jesus, apenas faz constatar a cura realizada à distância. O milagre da cura do
servo do centurião apresenta um aspecto bem específico: Jesus não se encontra
com o doente. Eles não se falam; não se
tocam e estão longe um do outro. A cura
é realizada mediante uma palavra pronunciada à distância. Podemos observar que neste episódio a palavra
de Jesus revela todo o seu poder. Mesmo não estando presente de forma visível
neste mundo, Jesus continua realizando os mesmos prodígios. Basta que tenhamos a mesma fé do centurião e
acreditemos na eficácia da ação de Jesus. A palavra de Jesus é eficaz também em
nossos dias.
Este centurião é também para nós um exemplo de
homem que sabe pedir. A sua fé ganhou a admiração de Jesus. Uma fé humilde, mas também corajosa. O
centurião colocou o seu servo enfermo nas mãos de Jesus. Ele sabia que Jesus só poderia fazer o
bem. Ele confiou no poder de Jesus.
O exemplo desse oficial romano foi considerado
tão importante para a Igreja que até se tornou parte da liturgia eucarística.
De fato, antes da comunhão o sacerdote diz: “Felizes os convidados para a Ceia
do Senhor. Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”, e toda a
assembleia responde com as palavras do centurião: “Senhor, eu não sou digno de
que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra e serei salvo”.
Além da humildade, o centurião manifesta ser
portador de uma grande fé, que fez o Cristo ficar admirado. O texto nos leva a perceber que também na
vida, este centurião não é um homem que olha os outros do alto de seu cargo,
não faz pesar sua superioridade, mas sabe colocar-se ao lado dos mais
humildes. O texto evangélico descreve o
seu perfil como um homem bom, sensível ao sofrimento do outro e capaz de estima
para com seu empregado (cf. Lc 7,1); homem querido pelo povo por ser caridoso e
religiosamente sensível, pois mesmo sem ter religião, construiu uma sinagoga
para os judeus (cf. Lc 7,5). Apesar de não conhecer Jesus pessoalmente acredita
nele como o Senhor da Vida e radicalmente crê na sua Palavra. A fé não tem
fronteiras.
Jesus elogia a fé do oficial romano, de um
pagão, de um homem taxado de impuro pela religião oficial, portanto, não
beneficiário das bênçãos de Deus. É justamente o contrário do que aconteceu.
Mostrou ter ele uma fé corajosa e sólida, a ponto de ser ele elogiado por
Jesus.
Em virtude do milagre ter sido realizado em
prol de um estrangeiro, a liturgia traz para a nossa reflexão na primeira
leitura um significativo trecho da oração de Salomão, onde diz: “Senhor, pode
acontecer que até um estrangeiro que não pertence a teu povo, Israel, escute
falar de teu grande nome, de tua mão poderosa e do poder de teu braço. Se, por
esse motivo, ele vier de uma terra distante, para rezar neste templo, Senhor,
escuta então do céu onde moras e atende a todos os pedidos desse estrangeiro,
para que todos os povos da terra conheçam o teu nome e o respeitem, como faz o
teu povo Israel, e para que saibam que o teu nome é invocado neste templo que
eu construí” (1Rs 8,41-43). É o templo de Jerusalém, a Casa de Deus, aberta
para todos os povos da terra, pois Deus quer salvar a todos. Assim também é a Igreja nos tempos atuais.
Nela ninguém é estrangeiro, mas todos pertencem à família de Deus.
Eis o ensinamento do Evangelho de hoje: crer
de maneira simples e pedir sem duvidar. Saibamos imitar a fé humilde desse
centurião. Ele buscou caminhos para se encontrar com o Senhor e obter o milagre
que desejava. Foi um caminho feito tendo como base a fé. Saibamos também nós
ter um encontro com o Senhor, mas deixemos que Ele também nos encontre. Comecemos este caminho com a oração, com a
prática da caridade e o louvor, para que o Senhor se encontre conosco. Deixemos também que Jesus entre em nossa
vida, em nossa casa, em nossos relacionamentos, para fortalecer nossa fé e para
termos uma sólida confiança no poder da sua Palavra e assim, iluminados pela
fé, possamos enxergar a sua presença em nosso meio. Assim seja.
Nenhum comentário:
Postar um comentário