“Escrevi
para ele os grandes ensinamentos da minha lei,
mas estes foram tratados como
uma coisa estranha” (Oséias 8,12).
Ao homem não
bastou matar o Cristo. Ao homem, aliado ao pecado, cego pelas tentações,
distorções e dissimulações do diabo o anjo caído, o príncipe deste mundo,
agenciador do pecado original não bastou perseguir, agredir e matar o Cristo.
Além disso, o
homem quis e quer: continuar não crendo n’Ele; ofendê-Lo, ridicularizá-Lo,
blasfemar Seu nome; perseguir, ofender e ridicularizar (quando não matar)
também todos aqueles que n’Ele creem, desde então. Não apenas isso, mas,
também, por outro lado, “adorá-Lo” com fanatismo e violência, distorcer suas
palavras e mensagens para interesses próprios e/ou maldosos, atribuir práticas
humanamente rígidas (assim como discursos humanamente adoecidos) ao seu Nome
Divino…
E as distorções
são tantas, que o mundo do pecado, aliado ao diabo ou cegado por este, vê como
se fossem certas sobre Ele todas as distorções, e vê como distorção tudo o que
é certo e ortodoxo sobre Ele: pois é isso que o diabo e o pecado fazem,
distorcem a mente, os olhos e o espírito dos homens, ainda não agraciados com o
despertar da fé.
A fé, por sua
vez, remove imediatamente (ou gradativamente) do nosso olhar as lentes
distorcidas do pecado, e nos torna então (mais) aptos a perceber a presença
verdadeira, libertadora e transformadora de Deus, de que passamos a cuidar e
que desejamos, e a presença do pecado, que passamos rejeitar e a evitar.
As distorções se
espalham, neste mundo, com muito maior rapidez e intensidade do que as
percepções e coisas retas, diretas e claras. De modo que os homens não
conseguem mais ver com retidão, e esta é uma consequência agradável ao diabo,
pois os homens que não conseguem ver com clareza desenvolvem uma dificuldade
quase cristalizada, endurecida, de enxergar a real presença de Deus na vida e
reconhecê-Lo, como o Criador que ainda cuida de nós e nos orienta, cuja
orientação é a Verdade, que os homens ainda tomados pela constituição do pecado
rejeitam e negam e assim se tornam vulneráveis às influências malignas,
obscurecedoras da vida interna e externamente. Onde seria possível ver a
Verdade, eles veem mentira; e onde seria possível (e necessário) ver a mentira
enquanto tal, eles aderem a ela como a mais desejável das verdades.
Além disso,
mesmo a sociedade laica que, em alguns âmbitos, se torna mais “simpática” a
Jesus Cristo considerando-o como uma figura “histórica” e “bondosa” às vezes
fala criticamente de como o homem assassinou Jesus, sem se dar conta, na
descrença ou ignorância que tem sobre a Sua Divindade, da mais profunda
tragédia que esse assassinato representa, pois este evento explica a miséria
espiritual da nossa civilização, a vida decaída da nossa sociedade. E de que
modo o explica? Pela verdade de que Jesus é Deus feito Homem, é o próprio
Criador da Vida, tendo encarnado como Homem e vindo à terra viver entre nós
para nos salvar… “Vindo ao mundo para comunicar aos homens a vida divina, o
Verbo que procede do Pai como esplendor da sua glória, ‘Sumo Sacerdote da Nova
e Eterna Aliança, Cristo Jesus, ao assumir a natureza humana, introduz nesta
terra de exílio o hino que eternamente se canta no Céu.’” E nós O matamos. Isto
é: nós, os humanos, matamos Deus, na Cruz… nosso próprio Criador!
Tamanha é a
resistência da espécie humana em cantar o hino que se canta no Céu eternamente,
pois quer fundar para si uma canção inócua, infrutífera e danosa, com sua
própria métrica incompatível com a do hino divino quer construir para si uma
terra que tem suas próprias leis, não as leis da Vida, mas leis de mortificação
estabelecidas no pecado original, a partir da captura do homem pelo anjo caído.
Nós, animais inteligentes da espécie humana, matamos o nosso próprio Criador,
Aquele que nos deu e nos dá a Vida e a mantém e sustenta!… Este acontecimento,
evidentemente, foi algo de profundamente terrível e trágico: e muitos dos
homens de hoje, descendentes dos que O mataram, sequer percebem isso, pois são
herdeiros fiéis não de seu Salvador, mas do pecado de sua própria ascendência;
aliás, a sociedade, como organização global da vida humana, parece mesmo querer
esconder de todos esta percepção, realmente pavorosa, capaz de nos colocar por
terra em desespero e penitência, de que o homem matou o Filho de seu próprio
Criador. Percepção que pode, logo em seguida, nos reerguer a todos em salvação,
liberdade e alegria, pois Cristo Ressuscitou! Mas, pecaminosa, a humanidade
segue, até os dias hoje, ou talvez ainda mais nestes dias, mantendo-se cega à
visão da gravidade daquele acontecimento e também à Esperança que se levantou
três dias depois do mesmo permanecendo aliada, se não apaixonada, por uma
realidade amplamente decaída e perversa.
Mas as Boas
Novas de Jesus Cristo entram justamente, também, aí neste ponto: Ele nos
mostrou e provou através de sua vida na terra assim como ainda mostra e prova
poderosamente ao homem através da Igreja, da vida dos santos e das ações do
Espírito Santo que, mesmo que o homem mate a Vida e o seu Criador e permaneça o
fazendo, o Seu poder é infinitamente maior Ele, e somente Ele, é Onipotente! E
mesmo que o homem O mate, Ele, então, Ressuscita! A Vida não pode morrer, a
morte não pode com a Vida. O homem matou seu Deus, mas Deus não pode ser morto
pelo homem, e se reergue triunfante em pura Glória e Amor… Deus vence o reino
da morte, e, entrando diretamente em nossa História, de fato triunfou, ao
Ressuscitar, e nos revelar em definitivo que Deus é muito maior do que os
nossos pecados.
Não há pecado
maior na História humana do que ter matado seu próprio Criador… Mas Ele vence o
reino da morte e do pecado, porque Ele é o Criador da Vida, portanto, Jesus
Cristo mostra e prova ao homem pecaminoso e ao diabo que o projeto deles
inaugurado no pecado original é um projeto falido, fadado a terminar num Juízo
Final, pois Deus é eternamente poderoso, é o Juiz Universal, e não pode ser
morto, não há pecado, mesmo o mais abominável, que possa ser maior que a força
de Deus de superá-lo.
Deus, feito
Homem, quando morto, ressuscita, permanece 40 dias nós, e envia aos seus
apóstolos o Espírito Santo, para nos acompanhar e guiar até o fim dos tempos.
Deus mostra aos homens que, mesmo tendo sido morto por eles, Ele os perdoa e
seguirá o fazendo, como um Pai eternamente Bondoso: pois o Amor perene, a
Misericórdia infinita, fazem parte intrinsecamente do que é o Poder de Deus, do
qual apenas um pequeno vislumbre humano e pecador nos faz estremecer em corpo e
espírito. O Amor é o legítimo Poder da Vida, no qual e diante do qual todas as
forças do mal se desmantelam, pois com este Poder não podem sequer conviver,
não são com ele compatíveis.
Por isso, os
seres humanos que se convertem e creem no Evangelho, entram num caminho de
busca pela santidade, como realizam, de maneira especial, seus apóstolos e
discípulos, como todos os santos e mártires, aproximando- se de Deus imitando
Cristo…
Como Estêvão,
que pede que Deus não considere o pecado daqueles que o apedrejavam até a
morte. E essa Pureza é poder, é uma aproximação plena ao Poder de Deus, que é
um Poder eternamente Amoroso e Misericordioso, não fazendo distinção de amigo
ou inimigo, mas vendo em tudo e em todos irmãos na partilha dos Dons sagrados
do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e conhecendo intimamente a realidade do
Amor que a tudo transforma, cura e vivifica. Pois é o Amor que está na base da
própria Criação… Deus criou, a tudo e a nós mesmos, num movimento originário e
puro de Amor. Pureza, esta, realizada com plenitude divina também em Maria, a
Santa Mãe de Deus… Pureza, esta, tão escassa no mundo humano que ainda se
alimenta do fruto do pecado original cuja concepção de poder é distorcida
socialmente, e desorienta a muitos homens.
O Poder de Deus,
que é o poder verdadeiro da Vida, inclui essa mensagem original de Amor e
Misericórdia, que é: não importa o quanto os homens sejam pecadores,
blasfemadores, mortificadores e assassinos da vida e da própria presença do seu
Criador.
Deus continua
nos amando. Deus se entristece, pois quer seus filhos por perto, quer ser
reconhecido como Pai, mas, nessa tristeza, permanece amando seus filhos e nunca
cessa de buscá-los, alertá-los, cuidar deles, trazê-los para perto de si.
O homem, aliado
ao pecado, ao diabo, quer matar o amor matou, inclusive, ao próprio Filho de
Deus quando Ele se tornou Homem mas o Amor não pôde e não pode ser morto, e é
essa a Onipotência Divina. O Amor ressuscita e perdoa aqueles que O mataram! O esforço
do homem para matar o Amor é um esforço vão, daí a qualidade de vaidade de
todas as coisas humanas, pois tudo no mundo humano que está fora do contato com
o Divino é pura vaidade, é tudo vão, tudo em vão.
Para notar a
racionalidade que há na percepção desta batalha, travada pelo diabo no mundo
humano, do qual quer permanecer sendo o príncipe, basta ver como tudo o que há
em nós de puro… de pureza… é constantemente ridicularizado, na sociedade do
diabo.
Aliás, torna-se
um valor social não ser puro, aprender a típica “malícia” do mundo humano, que
é associada a um “saudável” crescer. O diabo faz assim, em suas estratégias:
impõe o pecado no mundo humano o homem come o fruto proibido, atraído por este,
que o diabo faz parecer o fruto mais desejável… O homem vive a sentir que o
fruto mais gostoso e atraente para ser comido é justamente aquele que o
distancia do seu Criador. Assim se inicia, e se mantém, a tragédia humana:
quantos dedicam suas vidas a todas as coisas que os tiram a vida, que os mantêm
no reino da morte!
Assim, são
distorcidos em nossa sociedade todos os reais e essenciais valores e sentidos
da vida para o homem e no homem, pois este não consegue e não quer mais ver
Deus pois vendo Deus e sendo visto por Ele, sendo recuperado por Ele e reintegrado
no Seu rebanho, para louvá-Lo ganhará a Vida, mas perderá o seu fruto
“delicioso”, o fruto que dá acesso aos prazeres perversos que estruturam a vida
em sociedade.
Toda a sociedade
se estrutura, desde a base, nesses valores distorcidos. E aplica uma
supervalorização social e cultural a esses valores, de modo que as crianças, os
adolescentes, por exemplo, querendo então fazer parte da “sociedade”, querendo
ser valorizados socialmente, aderem a estes valores produzidos pelo pecado e
rejeitam todos os valores da pureza divina, que são socialmente malvistos.
E quantos
adultos ainda são “crianças” e “adolescentes” nesse sentido… Por isso Jesus nos
disse que aceitar o seu reino, o reino de Deus, é morrer para esse mundo.
Morrer para esse mundo… o mundo do pecado. Mas justamente para ressuscitar numa
vida nova, num mundo renovado, reintegrado com o Reino de Deus, com o Cristo,
que é o único verdadeiro caminho vivo para a Vida.
O homem pecador,
como ovelha que todos nós somos, é uma ovelha cuja visão está distorcida,
porque o pecado original precipitou a espécie humana na escuridão… Então não se
consegue mais ver o nosso Pastor, não se O reconhece mais como tal, e,
portanto, perde-se o único verdadeiro caminho. E os homens são levados constantemente
para outros caminhos, mais e mais distantes do nosso Pastor; pela desorientação
de um falso pastor, que é o diabo e os seres que trabalham para ele. Trágica, a
história de um animal que não reconhece mais o seu Pastor, mesmo que este
continue chamando, amando e cuidando. A depressão, o pânico, a ansiedade, entre
outras enfermidades humanas multiplicadas no mundo contemporâneo, são
frequentemente sinais e manifestações profundas de espíritos que se perderam do
caminho do seu Pastor… e que agora andam a esmo num deserto em trevas, como
ovelhas sozinhas, ou na companhia de outras igualmente perdidas, que não podem
se ajudar, sem saberem onde está o caminho “de casa”… com medo de não acharem
mais esse caminho… o caminho do Pastor… que poderia salvar, acolher e cuidar…
vivificar, solidicar, dar consistência e segurança. Mas que bom que Deus é um
Pastor, e não cessa de buscar suas ovelhas e trazê-las de volta… Que alegria,
que segurança e firme esperança: temos esse Criador tão misericordioso, e Onipotente!…
Que, quando retornamos ao rebanho, não nos repreende por termos fugido, mas nos
perdoa e se regozija com a nossa presença entre nossos irmãos. Podemos sempre
confiar n’Ele… Se nos perdermos, Ele vai nos buscar… Não há dúvidas. Se
acordamos para a vida com a fé e estamos atentos, podemos nos manter sempre
próximos d’Ele, pois Ele nos quer perto. Basta querê-Lo perto também, Ele nos
quererá, e seguirá nos orientando e guiando, para o caminho da Vida Eterna. Amém.
Rômulo
Cyríaco
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Aleteia
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