Há pouco mais de
quatro anos, portanto muito antes dos ânimos políticos se polarizarem ao máximo
no nosso País, um pesquisador a quem tenho grande respeito me chamava a atenção
para uma realidade cada vez mais presente na nossa sociedade – o ódio gratuito.
Certamente esta não deve ser a primeira – e possivelmente nem a última – onda
de ódio da nossa sociedade e provavelmente algum sociólogo tenha alguma
explicação mais profunda sobre o fato, mas o que é certo é a presença deste
ódio, cada vez mais acirrado. Não falo apenas nas chamadas redes sociais, mas
em todos os âmbitos. Minha pergunta – ou minhas perguntas – aqui não são de
cunho sociológico, mas de cunho evangélico – através desse ódio é que
imitaremos a Cristo? Existe um equilíbrio entre a denúncia profética e a
caridade cristã?
Não creio que
tenho resposta definitiva a essas perguntas, mas gostaria de fazer algumas
reflexões. Em uma conversa recente, alguém tentava me convencer de que esta é a
posição própria de um cristão – denunciar com força – sendo que o diálogo e a
escuta com quem cremos estar errado seria um sinal de fraqueza. Evocava
inclusive a passagem bíblica da expulsão dos vendilhões do Templo por Jesus
para embasar sua posição na Sagrada Escritura. Fiquei dias pensando sobre o
tema, mas não consigo enxergar Jesus de um modo frequentemente raivoso. É
evidente que Ele pegou realmente no chicote, mas isso aconteceu – até onde
sabemos – apenas uma vez na sua vida. Jesus sofreu muito com as misérias dos
Apóstolos e os repreendia com força, mas ao mesmo tempo com a delicadeza de
quem quer demonstrar seu amor. As atitudes hipócritas dos fariseus e saduceus
talvez tenham sido as atitudes que mais incomodaram ao Senhor, mas ainda criticando
com força, Jesus sempre parece deixar um apelo à conversão. Mesmo as vezes que,
sem êxito, tentaram matá-lo, Ele não parece estar cheio de ira. Sim, uma vez
pegou no chicote e expulsou os vendilhões do Templo, mas somente uma vez.
Não estou dizendo
que a atitude de Cristo seja – em nenhum momento – conivente com o mal ou com o
pecado, ou que Cristo seja um paradigma da atual ditadura do relativismo.
Nada mais longe de Cristo do que uma atitude meramente passiva. O que vejo é
mais uma atitude de real preocupação com cada pessoa, vendo o interior profundo
de cada alma. Para Jesus não parece existir fariseus, mas pessoas concretas a
quem Ele desejava converter – tanto é assim que Nicodemos tornou-se seu
discípulo. Para Jesus não existiam samaritanas com problemas conjugais, mas
aquela Samaritana a quem Ele dedica tempo e amor para converter – e ela como
discípula converte todo o povoado. Para Jesus o que importa é cada pessoa.
É evidente que
diante de tanta afronta, de tanta timidez ante o mal, de tanto desrespeito não
apenas à verdade, mas à própria existência da verdade, devemos tomar atitudes.
Mas será que a atitude fundamental é a denúncia fria, o ódio, a criação de
grupos opositores? Devemos escolher nosso grupo e depois aproveitar a segurança
que o grupo me dá? Ou antes a atitude seria de um diálogo inteligente – ainda
quando difícil de estabelecer – conhecendo quem está a nossa frente, tentando
encontrar suas motivações e fazer com que conheça e ame a Cristo? Com essa
pergunta retórica, passo a outra – importa vencer uma discussão ou converter
alguém para o amor de Cristo? Talvez algumas vezes – certamente poucas, como
poucas foram estas situações na vida de Cristo – o amor a Deus nos exija uma
“ira santa”, mas na grande maioria nos exigirá um gastar-se em caridade,
paciência e amor. Se Jesus tivesse simplesmente confrontado a Samaritana pelos
seus erros, ela teria se convertido? E mais, depois da sua conversão, teria
convertido todo aquele povoado? Pensar que apenas a força e a agressividade do
nosso discurso serão capazes de mudar atitudes e estruturas viciadas, não seria
duvidar da Graça de Deus?
O mais irônico –
ao meu ver – em tudo isso, é que alguns grupos dentro da Igreja que defendem
esse profetismo mais radical são profundamente antagônicos entre si. A ironia
está em que muitas vezes criticando o outro recaem no mesmo erro de fundo – a
falta de caridade no seu sentido mais profundo. Somos seres humanos e
certamente ao defendermos algo é comum que nos exaltemos, mas recorro – e com
isso termino esta reflexão – à carta aos Coríntios:
A caridade é
paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não
é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se
irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a
verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais
acabará. As profecias desaparecerão, o dom das línguas cessará, o dom da
ciência findará. A nossa ciência é parcial, a nossa profecia é imperfeita.
Quando chegar o que é perfeito, o imperfeito desaparecerá. (…) Por ora
subsistem a fé, a esperança e a caridade – as três. Porém, a maior delas é a
caridade.
Hélio Luciano
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ZENIT
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