“A Universidade não vai se pronunciar sobre o
assunto”, dizia o texto do e-mail enviado pela Coordenadoria de
Comunicação Social e Marketing Institucional da UFC na
quarta-feira, dia 24. Três dias depois a
instituição recuou, emitiu nota, mas não levou em conta as pessoas que tiveram
o sentimento religioso ofendido por conta da
apresentação de um homem durante Seminário Universitário no qual fez sangria do próprio corpo para
derramar o líquido sobre a cruz, enquanto eram projetadas imagens de
pornografia ao fundo da cena.
O Seminário contou com
o apoio, além da UFC, do coletivo LGBT do Partido Comunista do
Brasil (PCdob), do Gabinete do Vereador Paulo Diógenes, dos Gabinetes do
Deputado Elmano de Freitas da Deputada Augusta Brito, da Coordenadoria
Especial de Políticas Públicas para LGBT do Governo do Estado do Ceará, da
Coordenadoria de Políticas Públicas para Diversidade Sexual da prefeitura
municipal de fortaleza,
A nota expõe que
“as instituições universitárias têm em comum uma história milenar marcada pela
defesa de princípios e valores que visam à promoção da sociabilidade e da
emancipação da humanidade”. Mais adiante se diz convocada “a vir a
público para convidar a comunidade universitária e a sociedade a refletir sobre
o acontecimento”. Contextualizando o objeto da polêmica a nota explica que no
contexto de um seminário acadêmico e temático, “ocorreram também
intervenções artísticas, e uma delas, produto de um trabalho acadêmico
orientado e avaliado por docentes da UFC e já encenada em outros palcos da
cidade, foi motivo de acirrada controvérsia".
A nota chama atenção para o fato reprovável de o
“ator” e alguns professores terem sofrido “xingamentos e ameaças graves,
incluindo intimidações de morte”. Contudo, a nota não comenta o risco assumido
pelo “ator” e organizadores do evento pelo fato da performance incluir sangria
em ambiente não hospitalar. Em entrevista ao
Ancoradouro, o clínico geral, Dr. Ivan Castro, classifica a performance do
homem durante o seminário da UFC de atentado contra a própria vida, com o
agravante de ser celebrado em público”. O médico explica o
porquê: “constitui exposição a risco biológico para si, pois não se pode
garantir a esterilidade dos instrumentos utilizados e, pior, para outrem, visto
que o sangue pode carretar inúmeros problemas de saúde”.
A UFC minimizou a presença de uma crucifixo com a
imagem de Jesus, um dos símbolos mais notáveis do
cristianismo, na apresentação realizada nas dependências da Universidade. “Um símbolo religioso que compunha o cenário da
peça foi dado um significado que ultrapassa sua visão estática”.
Para a instituição que diz prezar pelos “respeito às posições religiosas”
parece contradizer-se ao revelar um completo desconhecimento sobre o
valor desse símbolo para grande parte da sociedade cearense, não se sabe
se isso foi feito por ignorância ou conveniência.
A nota da
Universidade Federal do Ceará reforça a validade do ato, considerado vilipêndio
de objeto de religioso pelos católicos. A instituição argumenta que o fato foi
“apresentado fora do contexto da encenação e manipulado em redes sociais”. Prossegue
tecendo elogios ao seminário no qual foi apresentado a performance: “um evento
simples, rico em significados, academicamente validado”.
O texto diz que “a UFC
continuará defendendo o profundo respeito às manifestações e aos símbolos
religiosos dentro e fora da Universidade e jamais admitiria o contrário”,
mas “não institucionalizaremos a censura prévia ou a censura como critério
preventivo de conflitos intelectuais e ideológicos, pois estaríamos negando
nossa maioridade intelectual e universitária se, em vez de enfrentarmos
racionalmente os desacordos e dissensos, tão naturais numa sociedade
democrática, optássemos por inibi-los, proibi-los e negá-los”.
UFC não ofereceu um único pedido de desculpas a quem considerou o ato com a cruz um vilipêndio. |
Confira a nota na íntegra
As
instituições universitárias têm em comum uma história milenar marcada pela
defesa de princípios e valores que visam à promoção da sociabilidade e da
emancipação da humanidade. Os complexos conceitos de Liberdade, Justiça,
Verdade, Democracia, Alteridade, Autonomia, Fé, Saúde, Vida, Paz estão na base
dos processos de formação da/na Universidade. Eles são como bússolas que nos
orientam nos enfrentamentos das situações históricas emergentes e dos eventos
da vida cotidiana. De tais princípios brotam valores que vêm sendo atualizados
e interpretados ao longo da história, tais como a pluralidade, direitos
humanos, direitos ambientais, defesa do bem público, liberdade de expressão,
respeito às diferenças – políticas, religiosas, artísticas, étnicas, de gênero
–, combate a todas as formas de violência, diálogo e outros.
A
Universidade Federal do Ceará tem construído sua história sexagenária orientada
por essas ideias, ciente de sua complexidade e, principalmente, das
dificuldades que emergem todas as vezes que esses pilares são negligenciados e
postos em risco.
Nesta
última semana de maio, surgiu mais um fato eivado de gravidade e de inerente
complexidade que nos convoca a vir a público para convidar a comunidade
universitária e a sociedade a refletir sobre o acontecimento. No contexto de um
seminário acadêmico e temático, promovido pelo Núcleo de Pesquisas sobre
Sexualidade, Gênero e Subjetividade, na área de Ciências Sociais, em que
palestras, mesas-redondas e documentários foram apresentados, ocorreram também
intervenções artísticas, e uma delas, produto de um trabalho acadêmico
orientado e avaliado por docentes da UFC e já encenada em outros palcos da
cidade, foi motivo de acirrada controvérsia.
Algumas
poucas cenas dessa intervenção foram fotografadas e veiculadas em redes
sociais, gerando diversas reações. Até aí, tudo muito natural, pois polêmicas
são comuns em muitos temas estudados na Universidade. No entanto, para além das
polêmicas, veio à tona a intolerância. O ator da encenação e alguns professores
passaram a sofrer xingamentos e ameaças graves, incluindo intimidações de
morte. Isso porque a um símbolo religioso que compunha o cenário da peça foi
dado um significado que ultrapassa sua visão estática, recurso corriqueiro no
cinema, no teatro, na televisão, em obras de arte, nos museus e exposições, em
revistas e jornais e até em festas populares.
Ao ser
apresentado fora do contexto da encenação e manipulado em redes sociais, um
evento simples, rico em significados, academicamente validado, foi transformado
por alguns em “desrespeito” e denunciado como “crime”. A Administração Superior
da UFC, ao tomar conhecimento da repercussão do fato, foi apurá-lo e, como
conclusão, constatou tratar-se de um seminário acadêmico, com acesso restrito a
participantes inscritos e, portanto, motivados a discutir sobre a temática
proposta, sem qualquer conotação desrespeitosa e muito menos criminosa. A UFC
continuará defendendo o profundo respeito às manifestações e aos símbolos
religiosos dentro e fora da Universidade e jamais admitiria o contrário.
Referenciados
nos princípios e valores acima mencionados, e certos de que eles não se deixam
sequestrar nem aprisionar por ninguém, afirmamos que a UFC, como instituição de
ensino, pesquisa, extensão e difusão de saberes em todas áreas de conhecimento,
inserida numa sociedade plural e heterônoma, em permanente estado de formação,
deve continuar aberta aos processos educativos de natureza científica,
filosófica e artística, e em constante interação com as produções culturais da
sociedade. Não institucionalizaremos a censura prévia ou a censura como
critério preventivo de conflitos intelectuais e ideológicos, pois estaríamos
negando nossa maioridade intelectual e universitária se, em vez de enfrentarmos
racionalmente os desacordos e dissensos, tão naturais numa sociedade democrática,
optássemos por inibi-los, proibi-los e negá-los.
Porque
defendemos a liberdade de expressão, também reconhecemos o inalienável respeito
às posições religiosas, políticas, filosóficas e científicas, que precisam
aprender a conviver na Universidade e na sociedade. Como instituição de
educação superior, devemos protegê-las dos diferentes tipos de vandalismo e de
todas as formas de intolerância e opressão. Não é eliminando o outro, o
diferente, que resolveremos os conflitos. Por isso, devemos ser sempre muito
cuidadosos na avaliação dos fatos, e jamais esquecer que os acontecimentos
estão sempre inseridos em contextos e que fora deles podem ser deformados e
deturpados.
A
Universidade é um espaço de encontros, de disputas, de aprendizagem, de pesquisa,
de produção de conhecimento e, por isso, é um grande laboratório de
humanidades. Precisamos proteger esse ambiente tão indispensável para a
sociedade, com coerência, bom senso, respeito ao outro, e estamos convictos de
que, através do diálogo, produziremos os acordos necessários para a convivência
pacífica.
Prof. Henry de Holanda
Campos
Prof. Custódio Luís Silva de Almeida
Reitor
Vice-Reitor
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Ancoradouro
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