A liturgia do 20º Domingo do Tempo Comum reflete sobre a universalidade
da salvação. Deus ama cada um dos seus filhos e a todos convida para o banquete
do Reino.
Na primeira leitura, o Senhor garante ao seu Povo a chegada de uma nova
era, na qual se vai revelar plenamente a salvação. No entanto, essa salvação
não se destina apenas a Israel: destina-se a todos os homens e mulheres que
aceitarem o convite para integrar a comunidade do Povo de Deus.
A segunda leitura sugere que a misericórdia de Deus se derrama sobre
todos os seus filhos, mesmo sobre aqueles que, como Israel, rejeitam as suas
propostas. Deus respeita sempre as opções dos homens; mas não desiste de
propor, em todos os momentos e a todos os seus filhos, oportunidades novas de
acolher essa salvação que Ele quer oferecer.
O Evangelho apresenta a realização da profecia de Isaías, apresentada na
primeira leitura deste domingo. Jesus, depois de constatar como os fariseus e
os doutores da Lei recusam a sua proposta do Reino, entra numa região pagã e
demonstra como os pagãos são dignos de acolher o dom de Deus.
A mulher do Evangelho de hoje não era israelita. Mesmo assim Jesus
elogiou a fé daquela Cananéia mostrando algo da sua medida: “ó mulher, grande é
tua fé” (Mt 15,28). Pode, portanto, dar-se um crescimento na fé? A fé pode ser
maior ou menor? A partir das palavras de Jesus a resposta não pode ser mais que
afirmativa. Além do mais, as orações da Igreja são constantes em pedir para nós
o aumento da fé, da esperança e da caridade.
A fé se manifesta na vida e uma vida cheia de fé consegue expressar-se
como vida em plenitude. Daí a importância de que a nossa fé seja cada vez
maior. Todo o nosso ser pede a graça da fé porque nós, criados por Deus, não
descansamos a não ser nos braços do Senhor. O ser humano está necessariamente
aberto à fé, a Deus; toda pessoa está sedenta de graça e de eternidade.
A fé sobrenatural e cristã se dá quando o ser humano acredita que há um
só em três Pessoas – o Pai e o Filho e o Espírito Santo – e que a do Filho se
encarnou para salvar-nos. Mas esse “acreditar” não é somente um ato
intelectual, mas também, simultaneamente, um lançar-se nos braços de Deus com
confiança, amando-lhe e esperando em sua salvação. Quanto mais nos lançarmos
nos braços do nosso Pai do céu mais estaremos crescendo em fé. É graça! Mas
também podemos preparar-nos para a recepção dessa graça ao fazer de tudo para
abrir-nos mais à ação de Deus em nós.
A fé não é coisa só de gente seleta, gnóstica, dotada de um sexto
sentido. Deus quer conceder a graça da fé a todos os seres humanos. O
cristianismo não é uma seita recluída. A Igreja Católica é universal desde as
suas origens. Sábios e menos instruídos podem receber o dom da fé e nele
crescer. Frequentemente a fé se assenta melhor nos mais simples. No entanto, há
e houve grandes sábios que eras crentes em Deus.
Em conversas com amigos da universidade pude perceber muitas vezes como
há uma preocupação em defender a própria fé cristã dos ataques daqueles que
querem pontificar em temas de fé.
Houve um tempo em que era até mesmo elegante a profissão do ateísmo, era
sinônimo de vida inteligente ao quadrado. Hoje em dia já não é assim, como toda
moda também essa já passou.
Assim como a fé cristã é questionada por muitos, oxalá fosse também
questionado, a bem da verdade, o dogmatismo ateu e agnóstico. Não é sensato
começar a defender tais posturas que brilham pela ausência de Deus levado
simplesmente pela autoridade de um experto que, quando se trata de Deus, é um
ignorante.
Face à grandeza da fé da mulher cananeia, Jesus oferece-lhe essa
salvação que Deus prometeu derramar sobre todos os homens e mulheres, sem
exceção.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
Textos: Is 56,
1.6-7; Rm 11, 13-15.29-32; Mt 15, 21-28
O Evangelho (Mt 15, 21-28) nos apresenta um
comovente diálogo da mulher Cananéia, considerada pagã pelos judeus, e o Cristo
que exalta a sua fé. A preocupação da mulher é a saúde da filha!
Jesus permanece em silêncio, aparentemente
insensível aos apelos da mulher… os apóstolos, impacientes, insistem para que
resolva o problema: ou cure de uma vez, ou então mande embora…
Cristo declara com sinceridade e firmeza sua
posição: “Fui enviado só para as ovelhas perdidas de Israel…” Mas a mulher
insiste nesse diálogo que parece impossível… Diz ela: “Senhor, vem em meu
socorro…” E Cristo lhe dirige uma afirmação dura: “Não é bom tomar o pão da
mesa dos filhos e lançá-los aos cães…” E ela não se ofende, pelo contrário, com
HUMILDADE prossegue:”Sim, Senhor, mas também os cães comem as migalhas que caem
da mesa de seus donos…”
No final, Jesus conclui: “Ó mulher, grande é
tua FÉ! Seja feito como queres!” E desde esse momento sua filha ficou curada.
Impressiona-nos a grande fé e humildade dessa mulher!
A mulher que o Evangelho de hoje nos apresenta
é um modelo perfeito de constância, em que devem meditar aqueles que logo se
cansam de pedir.
A constância na oração nasce de uma vida de
fé, da confiança em Jesus, que nos ouve mesmo quando parece que se cala. E, por
fim, da humildade, que é mais uma qualidade da boa oração.
Santo Agostinho conta-nos no livro Confissões
como a sua mãe, Santa Mônica, santamente preocupada com a conversão do seu
filho, não cessava de chorar e de pedir a Deus por ele; e também não deixava de
pedir a pessoas boas e sábias que falassem com ele para que abandonasse os seus
erros. Um dia, um bispo disse-lhe estas palavras que tanto a consolaram:
“Vai em paz, mulher!, pois é impossível
que se perca o filho de tantas lágrimas”. Mais tarde, o próprio Santo Agostinho
dirá:”Se eu não pereci no erro, foi devido às lágrimas cotidianas, cheias de fé
de minha mãe” (Confissões, 3, 12, 21).
A oração de petição ocupa um lugar muito
importante na vida dos homens.Temos que pedir também a outras pessoas que rezem
pelas intenções santamente ambiciosas que trazemos no nosso coração. O próprio
São Tomás explica que uma das causas pelos quais Jesus não respondeu
imediatamente à Cananéia, foi porque Ele queria que os discípulos intercedessem
por ela, para nos mostrar como é necessária a intercessão dos santos para
alcançarmos algumas coisas.
O milagre que a mulher pedia ao Senhor
necessitou também de uma oração persistente acompanhada de muita fé e de muita
humildade. Perseverar é a primeira condição de toda a petição: “É preciso orar
sempre, sem nunca desistir”(Lc 18, 1), ensinou o próprio Jesus.”Perseverar na
oração.-Persevera, ainda que o teu esforço pareça estéril.-A oração é sempre
fecunda”(São Josemaria Escrivá, Caminho nº 101).
Temos de pedir com fé. A própria fé, ensina
Santo Agostinho,”faz brotar a oração, e a oração, logo que brota, alcança a
firmeza da fé”; ambas estão intimamente unidas.
Podemos pedir para a alma a graça para lutar
contra os defeitos, maior retidão de intenção no que fazemos, fidelidade à
nossa vocação, luz para receber com mais fruto a Sagrada Comunhão, uma caridade
mais delicada, docilidade na direção espiritual,mais ardor apostólico… O Senhor
quer também que lhe peçamos por outras necessidades: ajuda para superarmos um
fracasso, saúde, emprego e tantas outras coisas… Mas tudo na medida em que nos
sirva para amar mais a Deus. Não queremos nada que, talvez com o passar do
tempo, nos afastaria do que verdadeiramente nos deve importar: estar sempre
junto de Cristo.”Diz- Lhe: -Senhor, nada quero fora do que Tu quiseres. Não me
dês nem mesmo aquilo que te venho pedindo nestes dias, se me afasta um
milímetro da Tua vontade” (São Josemaria, Forja, nº 512).
Agrada a Jesus que rezemos pelas outras
pessoas. Ensina São João Crisóstomo: “A necessidade obriga-nos a rogar por nós
mesmos, e a caridade fraterna a pedir
pelos outros; mas é mais aceitável a Deus a oração recomendada pela caridade do
que aquela que é motivada pela necessidade”.
PARA REFLETIR
A liturgia da Palavra deste Domingo fala-nos
de atitudes do coração de Deus e revela algumas atitudes do nosso coração.
Primeiro, as atitudes do coração de Deus:
largueza, misericórdia, providência, fidelidade. Vejamos. O Senhor escolheu
Israel para ser o seu povo. Se fôssemos resumir as palavras da Escritura que
exprimem isso, poderíamos dizer assim: “Dentre todos os povos da terra, eu te
escolhi. Eu serei o teu Deus e tu serás o meu povo, minha propriedade
exclusiva!” Eis: Israel foi escolhido gratuitamente pelo Senhor para ser sua
herança, sua propriedade exclusiva. Deus amou apaixonadamente Israel! Ora, essa
escolha poderia nos fazer pensar numa estreiteza do coração do Senhor, um Deus
que escolhe um povo abandonando os demais à própria sorte. Mas, não é verdade!
Primeiramente, várias vezes os profetas falam nos desígnios de Deus para os
outros povos: o Senhor tem os olhos sobre toda a terra e nada escapa do seu
cuidado e do seu carinho, mesmo que ele se tenha revelado somente a Israel. E,
mais ainda: a própria escolha de Israel não é somente para o benefício do
próprio Israel. Nada disso! Deus escolheu o povo de Israel em vista dos outros
povos. Escutemos o que o Senhor afirmou na primeira leitura de hoje: “Aos
estrangeiros que aderem ao Senhor, a esses conduzirei ao meu santo monte e os
alegrarei em minha casa de oração… Minha casa será chamada casa de oração para
todos os povos”. A vocação de Israel é como a da cada um de nós: um dom e um
serviço; um dom que Deus nos faz livremente, mas para o bem de outros! Foi assim
com o povo de Israel: no meio das nações deveria ser um povo sacerdotal, um
povo para servir e amar a Deus em nome dos outros povos, até que desse, como
fruto maduro, o Messias, Salvador de todos os povos! Nunca esqueçamos isso:
desde o início, o desejo de Deus é que todos se salvem e cheguem ao
conhecimento da verdade!
Em Jesus, nosso Senhor, esse desígnio aparece
claramente: Deus voltou-se para os pagãos abertamente; eles, que eram não-povo,
pela fé em Jesus e aceitação do Batismo, são tornados povo de Deus. Somos nós,
caríssimos; é a nossa graça! É verdade que Jesus, durante o seu ministério
neste mundo, não se dirigiu aos pagãos: ele prega somente em Israel (quando sai
da Terra Santa é para descansar ou ensinar aos seus em particular) e diz
claramente que não foi enviado a não ser para as ovelhas perdidas da casa de
Israel. Depois da ressurreição, sim: ele espera os seus na Galiléia, região
considerada misturada com os pagãos e envia seus discípulos pelo mundo inteiro:
“Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura!” Repito: é a nossa
graça, é a nossa vez, é o sonho carinhoso do coração largo e generoso de Deus
que nos é manifestado!
Mas, como seria errado pensar que Deus, no
Antigo Testamento, desprezou e esqueceu os outros povos, é também errado pensar
que Deus agora desprezou Israel! Nada disso! Mesmo que o povo d a Antiga
Aliança não tenha acolhido Jesus e o tenha entregado aos romanos para
crucificarem-no, Deus continua amando Israel; seus dons são sem volta, sua
escolha é sem arrependimento. São Paulo diz claramente que “os dons e a vocação
de Deus são irrevogáveis!”
Os cristãos não têm o direito de desprezar
Israel! Os primeiros cristãos foram judeus, os apóstolos também; a Virgem Maria
era filha do povo de Israel. Nós não compreenderemos nunca porque o povo santo
não acolheu o Messias que tanto tinha pedido e esperado! O próprio São Paulo,
na segunda leitura de hoje, diz que, pregando aos pagãos, esperava despertar o
ciúme de Israel para fazê-lo crer em Jesus. Diz também que foi graças a
desobediência de Israel que os discípulos pregaram para os pagãos, fazendo-nos
tornar obedientes ao Senhor. Vejam, meus irmãos, todos pecamos – Israel e
pagãos -, todos fomos agraciados, todos somos devedores a Deus, todos somos
salvos por pura misericórdia do Senhor! O que temos, que não tenhamos recebido!
Eis os sentimentos do nosso Deus, eis o seu plano, eis o seu amor largo e
misericordioso para com todos nós!
Mas, a Palavra de Deus também nos revela hoje
algumas atitudes do nosso coração para com Deus. Recordem o Evangelho! Jesus
estava descansando na região de Tiro e Sidônia, no atual Líbano. Está fora da
Terra Santa, entre os pagãos. Não foi lá pregar, não queria ser reconhecido…
Uma mulher Cananéia descobre quem ele é e implora a cura de sua filha. Insiste,
lamente, teima, perturba. Jesus testa a sua fé, dando-lhe uma resposta
duríssima, humilhante mesmo: Não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo
aos cachorrinhos!” Em outras palavras: não fica bem eu pegar os milagres que
vim fazer para os judeus, filhos de Deus pela Lei e dá-lo a vocês, cães pagãos!
O que eu faria com uma resposta dessas? O que você faria? Somos tão cheios de
sensibilidades e direitos diante de Deus… tão cheios de exigências e melindres…
Mas, essa pagã é melhor que nós, que eu, que vocês. Humildemente, ela responde:
“É verdade, meu Senhor! Vocês judeus são os filhos; nós somos apenas cachorros
que não têm direito ao pão! Mas, recorda, meu Senhor: os cachorrinhos também
comem as migalhas que caem da mesa de seus donos!” É impressionante! Jesus foi
vencido totalmente, Jesus foi desarmado! “Mulher, grande é a tua fé! Seja feito
como tu queres!” Eis, aqui, irmãos, uma mulher pagã que venceu o Senhor pela
persistência, pela paciência, pela humildade! Não deveríamos nós ser assim também?
Não deveriam ser esses os nossos sentimentos para com o Senhor? Não deveria ser
assim a nossa oração de súplica: persistente, paciente e humilde?
Pensemos bem e voltemos para casa com essas
lições que revelam o coração de Deus e nos falam dos sentimentos do nosso
coração! Amém.
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