“O Espírito do Senhor enche o universo,
e Ele, que mantém unidas todas as coisas,
não ignora nenhum som.
Por isso, quem fala iniquamente, não tem desculpa,
não poderá eludir a Justiça vingadora.
Indagar-se-á sobre os planos do ímpio,
o barulho de suas palavras irá até o Senhor,
como prova de seus crimes.
Um ouvido cioso ouve tudo,
nem o rumor dos murmúrios lhe escapa.
Guardai-vos, pois do murmúrio inútil,
poupai a vossa língua da maledicência;
não há frase furtiva que caia no vazio,
a boca caluniadora mata a alma.
Não procureis a Morte com vossa vida extraviada,
não vos proporcioneis a ruína
com as obras de vossas mãos.
Pois Deus não fez a Morte
nem tem prazer em destruir os viventes.
tudo criou para que subsista;
são salutares as gerações no mundo;
nelas não há veneno destruidor,
e o Hades não reina sobre a terra.
Porque a Justiça é imortal!” (Sb 1,7-15)
Recentemente, já escrevi alguns textos comentando trechos do Livro
da Sabedoria. Às vezes se pensa que este livro é um pequeno tratado
filosófico... Não é isto!
O Autor sagrado, viveu às vésperas da era cristã, em Alexandria do
Egito, numa época em que era moda muitos judeus abraçarem a cultura da moda, o
helenismo pagão, fascinante, “politicamente correto”: todo mundo era helenista,
todo mundo pensava assim, fazia assim, vivia assim... Por que os judeus
deveriam ser diferentes, fechados?
Assim, a grande tentação, que a muitos engoliu, era entrar num tipo de diálogo com o mundo gentio helenista, que, pouco a pouco, dissolveria a identidade do Povo de Deus, em nome da tolerância, da convivência, da compreensão, da paz romana do Imperador Augusto... Tratava-se, no fundo, de uma vida sem o Deus de Israel, o Deus da Aliança! Seria o deus de todos, o deus senhor de todos: da filosofia, de César, de todos os povos... Muitos judeus helenizados, mundanizados, ironizavam os judeus piedosos e fieis e deles zombavam...
O Autor sagrado escreve para apontar a ilusão dessa paganização do judaísmo, dessa helenização infiel! O Texto santo previne: os ímpios vão se perder; os justos, os piedosos, viverão com o Senhor para sempre a Vida imortal, Vida de Deus, Vida de ressurreição... O Deus verdadeiro não é simplesmente o deus de todos, mas o Deus de Israel, revelado nas Escrituras, que está presente a tudo e todos na potência do Seu Espírito!
Espalhados no mundo romano de então, o Autor sagrado recorda aos
judeus que é o Espírito do Senhor Deus de Israel que tudo sustenta com o Seu
Ser divino: Ele dá consistência e harmonia a todas as coisas, Ele em Quem tudo
foi criado; Ele tudo dirige, Ele nada desconhece, nada escapa de Suas mãos, de
Seu influxo de Vida!
O judeu, naquela época, e o cristão, hoje, não devem se sentir perdidos na imensidão de um mundo hostil nem desanimar: tudo está nas misteriosas mãos do Senhor; Seu Espírito Santo tudo penetra, tudo sustenta, tudo guia, tudo conhece e reconhece: “não ignora nenhum som”... O cristão de hoje, como o judeu de ontem, deve compreender que o Deus verdadeiro não é o “deus” de que todos falam com a maior desenvoltura, mas o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, Aquele que Se revelou nas Escrituras e em Jesus nos revela a verdade e o sentido e os critérios de uma verdadeira existência segundo a Sua santa vontade!
Por isso mesmo, o crente esteja atento: Deus o observa; conhece seus
pensamentos, sabe suas palavras... Ai daqueles que zombam de Deus, que pregam a
infidelidade aos Seus preceitos com murmúrios inúteis e língua de maledicência!
Nenhum de nós é neutro, é mero espectador! Não há como fugir, não há
como acovardar-se, não há meio termo: ou somos fieis ou infiéis ao Senhor! Ou
pensamos e falamos e agimos segundo o mundo ou segundo o Cristo Senhor!
Qual o destino dos que abandonam o Senhor, daqueles que,
conhecendo-O, se mundanizam, mesmo com a desculpa de diálogo com o mundo,
construindo sua existência sobre a areia? Qual o destino desses? Encontrarão a
Morte!
Morte aqui, não simplesmente no sentido biológico! Trata-se de algo muito pior:
é a morte como separação de Deus, como privar-se da Sua Vida, como morte da
alma, a segunda morte, de que falará mais tarde o Apocalipse (cf. 20,14)!
Deus não criou nenhum ser para esta Morte tremenda, pois ama tudo
quanto criou e tudo fez para que Nele subsista, ou seja, Nele encontre o
sentido da existência! A Morte como perda da Vida de comunhão com Deus é a
negação do próprio sentido de existir, é viver na contradição, numa vida que é
Morte. Vemos tão perto de nós, hoje em dia, esta Morte terrível de uma vida sem
sentido! Santa Teresa dizia ao Senhor: “É morte o que eu vivo sem Ti, ó Vida
minha!”
Assim, aquele que vive no temor do Senhor, aquele que por Ele se deixa guiar e converter, aquele que Lhe é fiel e não O trai, paganizando-se, viverá em Deus, viverá a Vida plena do Justo, com o Santo, o Senhor, pois este é Imortal e Doador da imortalidade!
Veja, Amigo, como a santa Palavra de Deus é viva, atual, eficaz,
atuante, penetrante, como fala de nós e fala a nós! Pense bem nestas coisas!
Sobre isto, eu e você seremos julgados!
Dom Henrique Soares da
Costa
Bispo de Palmares - PE
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