Dom José Luis Azcona, Bispo Emérito da
Prelazia do Marajó, na região amazônica, publicou algumas considerações em
relação ao Instrumentum Laboris do Sínodo para a Amazônia, que acontecerá em
outubro, no Vaticano.
Em sua análise, oferecida ao Grupo ACI, Dom
Azcona questionou pontos centrais do documento de trabalho, como uma “visão
distorcida” em relação ao chamado “rosto amazônico”, a “interculturalidade” e a
ordenação de homens casados.
Sínodo: Rosto amazônico?
Segundo Prelado, “a Amazônia, ao menos a
brasileira, não é mais católica” e “este ponto de partida é crucial para a celebração
do Sínodo. Se a Amazônia tem uma maioria pentecostal, é necessário tratar este
fenômeno a fundo. Qualquer saudosismo de uma Amazônia que não existe mais é
fatal para a evangelização integral da mesma. Até em algumas regiões da
Amazônia a maioria pentecostal chega a 80%”.
Por outra parte, assinalou, “a penetração
pentecostal em várias etnias indígenas passando por cima das culturas,
identidades étnicas, povos indígenas, em nome do Evangelho, é um fenômeno grave
da Amazônia atual, que com suas conotações fundamentalistas e proselitistas
incide profundamente nos povos indígenas. Não existe sobre este ponto uma
palavra no IL (Instrumento de trabalho). Este é hoje o rosto amazônico. Não
só”.
Dom Azcona indicou ainda que “a longa
experiência de anos confirma que em muitas Dioceses amazônicas não se vive a fé
nem na sociedade e nem na história. O abismo entre confissão de fé, celebração
da mesma em belíssimas liturgias e a realidade social, ambiental, cultural e
política, até agora não foi preenchido”.
Além disso, observou que, “lamentavelmente, o
IL não sabe, ou sabendo não compreende, a transcendência para o presente e para
o futuro da Amazônia, o rosto angustiado, revitimizado, denegrido das crianças
pelos próprios pais e parentes, submetidas a uma escravidão que forma parte
essencial do rosto abandonado e destruído de Jesus na Amazônia”.
“Todo este documento é palha se não compreende
e se compromete com o espírito e a letra do evangelho: ‘Aquele que acolhe a uma
criança como esta, a Mim acolhe e quem me acolhe a Mim, acolhe ao meu Pai que
me enviou’ (Mc 9,37)”.
Nesse sentido, “somente no Pará em um ano
foram 25.000 denúncias de crimes deste tipo (Ndr.: de pedofilia). Segundo
especialistas dessa área, por cada caso de pedofilia existem por trás mais outros
quatro. Se aproximadamente durante um ano houve 100.000 crianças abusadas no
Pará, não constitui este rosto das crianças destruídas, uma parte essencial do
rosto amazônico?”.
“Onde está a sensibilidade pastoral por parte
dos responsáveis pelo IL tão evidente e tão firmemente expressa pelo Santo
Padre o Papa Francisco?”, questionou e acrescentou: “Onde está a defesa da
Amazônia, das suas crianças no IL e, portanto, no Sínodo? Vamos sair das falsas
projeções sobre a Amazônia e vamos possibilitar de uma vez por todas os novos
caminhos para ela”.
“Qual é o rosto amazônico? Pode-se construir
um Sínodo desta envergadura no próximo outubro com uma apresentação tão fora do
real, da identidade, do respeito ao diferente, quando esquemas pré-estabelecidos
de interpretação da realidade deformam o real?”.
Sínodo: Culturas, interculturalidade?
Outro ponto abordado pelo Bispo Emérito do
Marajó foram “as temáticas em torno da inculturação do Evangelho na Amazônia e
afins”, os quais, segundo ele, “ são apresentadas num contexto de imanência,
neo-pelagianismo, nivelando o Evangelho com as culturas amazônicas (indígenas),
eclesiologicamente desprovidas de fundamentação teológica e pastoral, com a
anulação do Evangelho da salvação”.
Assim, cita o Decreto Ad Gentes, o qual afirma
que “as palavras do Evangelho proclamado pela Igreja decidem o destino das
pessoas, dos povos, culturas e nações (Cfr. AG 8)”. “Em parte nenhuma do IL
afirma-se algo semelhante de modo explícito. Pelo contrário, a tendência niveladora
entre culturas (indígenas) e Evangelho é esmagadora. Este é um ponto de partida
do qual não se pode prescindir num Sínodo”.
Desse modo, recordou que isso “é o que com
vigor proclama o Papa Francisco” no título da mensagem para o próximo Dia Mundial
das Missões datado de 9 de junho de 2019: “A missão supera os confins das
pertenças étnicas e religiosas”.
“O esquecimento deste princípio fundamental
inutiliza o Sínodo, ao anular o poder de Deus específico e único do Evangelho
e, assim como todo dinamismo missionário na Amazônia e desde a Amazônia”,
disse.
Além disso, Dom Azcona assinalou que, “em
parte nenhuma do IL se fala da presença dos demônios ou da influência deles,
das suas malícias nas pessoas, nos povos e nas culturas, assim como da vitória
de Cristo, sua libertação e a destruição do poder do Maligno. O IL esquece as
luminosas e orientadoras páginas que falam do Maligno e da sua presença na
história, que dedica o Papa Francisco na Exortação apostólica do ano passado
sobre a santidade, Gaudete et exultate, números 158 – 164”.
Assim, sublinhou, “o pelagianismo difuso do
IL, que leva a atribuir ao homem amazônico, às suas etnias e culturas mais do
que lhe pertence por serem realidades criadas e marcadas pelo pecado, se supera
com a robusta doutrina conciliar sobre Evangelho e missão da Igreja no poder do
Ressuscitado como aparece de novo na Lumen Gentium 16”.
“Por último, a utopia de dar vida às religiões
pré-colombianas, separando-as de Cristo e da Igreja universal, não seria um
progresso, mas uma regressão”, declarou, citando o discurso inaugural do Papa
Bento XVI na Conferência de Aparecida, em 2007, quando afirmou que, “na
realidade seria uma involução para um momento histórico ancorado no passado”.
Sínodo: Conversão ecológica.
Ao abordar a questão da conversão ecológica, o
Bispo Emérito do Marajó defendeu que a “necessidade de arrependimento para o
perdão dos pecados é o desafio fundamental que a Igreja tem que enfrentar na
Amazônia. Sem esta prioridade absoluta do ser e fazer da Igreja, não existe
futuro para a Amazônia porque assim esquecemos a presença do Reino de Deus (Mc
1,15) no mundo (Lc 24,44-48)”.
“Ao faltar o arrependimento que ‘faz existir o
que não existe’ pela geração do homem novo amazônico (Cfr. At 2,38), o IL não
experimenta a fome, a sede pelo Espírito Santo”.
De acordo com o Prelado, “o IL ao esquecer o
Novo Pentecostes preconizado já pelo Papa S. João XXIII na oração preparatória
do Concílio, deixa de lado o núcleo da missão na Amazônia. Trata-se da missão
na Amazônia como terra e águas de missão? Ou trata-se da dimensão missionária
que, como Igreja na Amazônia, é chamada e enviada ao mundo? Deixemo-nos levar
pelo magistério inspirado do Papa Francisco na EG” (Evangelii Gaudium).
“Por que no IL não se grita esta verdade, a
única que pode salvar a Amazônia?”, questionou acrescentando que “o que aqui
propõe o Santo Padre é evangelização e, portanto, uma Amazônia muito diferente
de um conjunto de tarefas vividas, de projetos, de planos de pastoral, de
inculturação, de ecologia”.
Assim, frisou que “de nada vai servir a
ordenação dos ‘Viri probati’”, pois “é colocar um retalho de pano novo num
tecido velho. O rasgão é maior! Exatamente!”.
Por outro lado, observou, “o clero da Amazônia
precisa, como a Igreja toda, de arrependimento, da conversão, da fé que salva
em sentido estrito. A experiência oferece essa evidência. O sentido do
ministério sacerdotal, e especificamente na Amazônia, se tem perdido, ou é
inoperante na vida, ou na conversão pastoral autêntica de presbíteros. Para que
ordenar os ‘Viri probati’ dentro de presbitérios em crise?”.
“A perfeita e perpétua continência pelo Reino
dos Céus continuará sendo ao mesmo tempo e também na Amazônia sinal e estímulo
da caridade pastoral e fonte original de fecundidade espiritual no mundo e
também na Amazônia”.
Por isso, “podemos perguntar: Existe esta
atitude de oração pelo dom do celibato nos presbíteros da Amazônia? A Igreja
toda reza para que este sublime dom seja derramado em todo o Corpo de Cristo?
Os fatos respondem: ‘Não’!”.
“Por outra parte, e principalmente, decidir
sobre esta questão é algo completamente inoportuno num contexto em que
tendências atuais de grandes grupos de católicos, assim chamados conservadores,
questionam o Magistério da Igreja, em concreto do próprio Sumo Pontífice.
Alguns o declaram herético publicamente, exigindo demissão imediata. Outros
exigem sua renúncia por falta de coerência na questão de pedofilia na Igreja!
Não entramos na discussão da legitimidade destes questionamentos. O que é certo
é que uma resposta afirmativa abriria para um risco mortal de uma divisão, de
um verdadeiro cisma na Igreja”.
Dessa forma, destacou que “não se trata da
vitória dos assim chamados ‘conservadores’ ou ‘progressistas’. Trata-se do
máximo na Igreja: da caridade. Diante da caridade, deve empalidecer qualquer
conceito ou denominação de tipo sociológico”.
Sínodo: Ordenação sacerdotal de pessoas idosas
Por fim, Dom José Luis Azcona falou
especificamente sobre a ordenação sacerdotal de pessoas idosas. O Prelado
afirmou que, “reconhecendo que a venerável instituição do celibato sacerdotal
pertence à área disciplinar da Igreja e, portanto, sujeita a mudanças,
considero inconveniente, até perigoso neste momento para a unidade eclesial,
abrir a possibilidade que pede o IL”.
“Não se trata de uma problemática
exclusivamente de pastoral indígena. É uma situação de penúria generalizada de
presbíteros na Igreja. As mesmas razões que podem ser invocadas para este
reconhecimento pedido pelo IL são as mesmas que podem ser aplicadas a toda a
Igreja, ou a grande parte da mesma”.
Segundo o Bispo, “o problema não é só a falta
de sacerdotes suficientes, senão o exame, discernimento desta carência grave
para uma solução realista. A raiz fundamental desta penúria de vocações na
Igreja e também na Amazônia, incluindo os povos indígenas evangelizados, é de
uma alarmante falta de fé ou da ausência de fé que opera na prática por meio do
amor, também e necessariamente na história e na sociedade”.
Assim, explicou, “apesar de ser uma questão
disciplinar, esta se converte em imperativo ético a partir do indicativo
absoluto: Cristo morreu pelo irmão não esclarecido; tua liberdade não é algo
absoluto; é contra Cristo que vocês pecam ferindo a consciência do irmão; o
único absoluto é o amor; esse amor é o de Deus derramado nos corações pelo
Espírito Santo (Rom 5,5)”.
Então, perguntou: “É esse o amor da Igreja na
Amazônia? É esse o amor de Deus que impregna suficientemente os critérios de
pastoral, os eclesiais, a práxis como a realidade suprema ou é a gnosis ou o
Pelágio que comanda a barca da Igreja na Amazônia? (Cfr. Gaudete Exsultate,
Francisco 2018)”.
“Esse perigo de cisma não é imaginário!
Tampouco na Amazônia!”, concluiu Dom Azcona.
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ACI Digital
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