O “tesouro” é aquilo que tem mais valor, que
nos dá segurança para o presente e para o futuro.
O “coração” é o que temos de mais íntimo,
escondido, vital. É também o cofre dos nossos valores, a raiz das nossas
escolhas concretas. É o lugar secreto onde se avalia o sentido da vida.
A que é que nós damos realmente o primeiro
lugar? Qual é o nosso “tesouro”, pelo qual estamos prontos a deixar tudo o
resto?
Na sociedade consumista, de cariz ocidental,
tudo nos leva a acumular bens materiais, a centrar-nos nas nossas necessidades,
ignorando as necessidades alheias, em nome do bem-estar material e da
eficiência individual. Todavia, já o evangelista Lucas, num contexto cultural
muito diferente, relata estas palavras de Jesus como um ensinamento decisivo e
universal, para homens e mulheres de todos os tempos e de todas as latitudes.
«Porque, onde estiver o vosso tesouro,
aí estará também o vosso
coração».
O Evangelho de Lucas sublinha fortemente a
necessidade de uma escolha radical, definitiva e típica do discípulo de Jesus:
o verdadeiro Bem é Deus Pai, aquele que deve ocupar totalmente o coração do
cristão, segundo o exemplo de Jesus. Esta escolha exclusiva implica a entrega
confiante ao seu amor e a possibilidade de nos tornarmos realmente “ricos”,
porque filhos de Deus e herdeiros do seu Reino.
É uma questão de liberdade: não nos deixarmos
escravizar pelos bens materiais, mas sermos nós a manter o seu controlo.
Com efeito, a riqueza material pode ocupar o
“coração” e gerar um desejo cada vez maior de possuir mais e mais, tornando-se
uma verdadeira dependência. Pelo contrário, a esmola, a que somos convidados a
dar neste passo do Evangelho (1), é uma questão de justiça, ditada pela
misericórdia, que torna o “coração” mais leve, abrindo-o à igualdade fraterna.
Todo o cristão, pessoalmente, bem como toda a
comunidade dos crentes, pode experimentar a verdadeira liberdade através da
partilha dos bens materiais e espirituais com todos os necessitados: é este o
estilo de vida cristão, que testemunha a verdadeira confiança no Pai e põe
alicerces sólidos à civilização do amor.
«Porque, onde estiver o vosso tesouro,
aí estará também o vosso
coração».
Para nos libertar da escravidão do ter, Chiara
deixou-nos uma sugestão luminosa: «Porque é que Jesus insiste tanto no desapego
dos bens, até fazer disso uma condição indispensável para O poder seguir?
Porque a primeira riqueza da nossa existência, o tesouro verdadeiro é Ele! (…)
Ele quer-nos livres, com a alma desprendida de todos os apegos e de todas as
preocupações, de modo a poder amá-Lo realmente com todo o coração, todo o
pensamento e todas as forças. (…) Ele pede-nos que renunciemos aos bens, também
porque quer que nos abramos aos outros (…). O modo mais simples de “renunciar”
é “dar”. Dar a Deus, amando-O. (…)
E, para Lhe demonstrar este amor, amemos os
nossos irmãos e irmãs, prontos a arriscar tudo por eles. Ainda que não nos
possa parecer, temos muitas riquezas para pôr em comum: temos afeto no coração
para dar, cordialidade para manifestar, alegria para comunicar; temos tempo
para pôr à disposição, orações, riquezas interiores para colocar em comum;
temos, às vezes, coisas, livros, roupas, automóveis, dinheiro (…). Dêmos sem
demasiados raciocínios: “Mas eu posso precisar desta coisa um dia, numa outra
ocasião (…)”. Tudo pode ser útil, mas, entretanto, “dando ouvidos” a estas
sugestões, infiltram-se no nosso coração muitos apegos e criam-se sempre novas
exigências. Não, procuremos ter apenas aquilo que é necessário. Temos que ter
cuidado para não perdermos Jesus, por causa de uma quantia amealhada ou por
causa de uma coisa que podemos dispensar» (2).
Marisa e Agostinho, casados há trinta e quatro
anos, contam-nos: «Após oito anos de casados, tudo corria às mil maravilhas: a
casa e o trabalho eram precisamente como sempre desejámos. Mas chegou uma
proposta de deixar a Itália e transferirmo-nos para um país da América Latina,
para apoiar uma jovem comunidade cristã. Ambos − entre mil vozes de trepidação, de incógnita perante o futuro, de
pessoas que nos consideravam loucos − sentíamos que uma voz,
em particular, nos dava uma grande paz. Era a proposta de Jesus: “Vem e
segue-me”!
Decidimos fazê-lo. De repente, encontrámo-nos
num ambiente completamente diferente daquele a que estávamos habituados.
Faltavam-nos muitas coisas, mas sentíamos que em troca encontrávamos outras,
como a riqueza do relacionamento com muitas pessoas. E também foi maravilhosa a
experiência da Providência: uma noite organizámos uma pequena festa, em que
cada família trazia algo de típico para o jantar. Nós tínhamos regressado de
uma viagem à Itália, trazendo um magnífico queijo parmesão. Divididos entre o
desejo de partilhar um pouco com as famílias e o pensamento de que rapidamente
ficaríamos de novo sem nenhum, recordámo-nos da frase de Jesus: “Dai e
ser-vos-á dado…” (Lc 6, 38). Olhámo-nos nos olhos e dissemos: deixámos a
pátria, o trabalho, os parentes, e agora estamos agarrados a um pedaço de
queijo! Cortámos uma parte e levámo-la. Dois dias depois, tocaram à campainha
de casa: era um turista que não conhecíamos, amigo de amigos nossos, que nos
trazia uma encomenda da parte deles. Abrimos: era um grande pedaço de parmesão…
Aquela promessa de Jesus – “… uma medida cheia e transbordante será despejada
no vosso regaço” – é mesmo verdadeira».
Letizia Magri
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1) Cf. Lc 12, 33; 2) C. Lubich, Palavra de
Vida, ed. Movimento dos Focolares, setembro de 2004, pp. 1-2.
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Movimento dos Focolares
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