O sexto discute-se assim. — Parece que o
sacerdote deve negar o corpo de Cristo ao pecador que o pede.
1. — Pois, não devemos agir contra um preceito
de Cristo, para evitar escândalo, nem por livrar alguém da infâmia. Ora, o
Senhor ordena: Não deis aos cães o que é santo. Mas, por excelência se dá aos
cães o que é santo, quando se dá este sacramento ao pecador. Logo, nem por
evitar escândalo, nem por livrar a outrem da infâmia, se deve dar este
sacramento ao pecador que o pede.
2. Demais. — De dois males devemos escolher o
menor. Ora, parece menor mal um pecador ser infamado, ou mesmo dar-lhe uma hóstia
não consagrada, do que pecar ele mortalmente, recebendo o corpo de Cristo.
Logo, parece antes preferível O pecador, que pede o corpo de Cristo, ser
infamado, ou mesmo dar-lhe uma hóstia não-consagrada.
3. Demais. — O corpo de Cristo às vezes é dado
aos suspeitos de crime, para a manifestação deles. Assim, uma Decretal dispõe:
Muitas vezes se dão furtos nos mosteiros de monges. Por isso, determinamos que,
quando os frades deverem purificar-se de tais atos, seja celebrada missa pelo
abade ou por um dos frades presentes. E assim, terminada a missa, todos comunguem
dizendo estas palavras: O corpo de Cristo sirva hoje de prova em meu favor. E
mais abaixo: O bispo ou o presbítero a quem for imputado um malefício, celebre
missa e comungue, tantas vezes quantas forem as imputações, e mostre que é
inocente de cada uma delas. Ora, não se devem manifestar os pecadores ocultos;
porque se a vergonha não mais lhes ruborizar a fronte, pecarão mais
desabridamente, como diz Agostinho. Logo, aos pecadores ocultos não se lhes
deve dar o corpo de Cristo, mesmo se pedirem.
Mas, em contrário, àquilo da Escritura: Comeram
e adoraram todos os poderosos da terra — diz Agostinho: Que o dispensador dos
sacramentos não proíba os poderosos da terra, isto é, os pecadores — de
comerem à mesa do Senhor.
SOLUÇÃO. — Sobre os pecadores devemos distinguir.
Uns são ocultos. Outros manifestos, pela evidência dos seus atos, como os
usurários ou os roubadores públicos; ou ainda por algum juízo eclesiástico ou
secular. Por onde, aos pecadores manifestos não deve ser dada a sagrada
comunhão, mesmo que a peçam. Por isso Cipriano, numa de suas epístolas,
escreve: A amizade que me devotas levou-te a consultar-me qual a minha opinião
sobre os histriões e o mago que, instalado no reino do teu povo, ainda
persevera nas suas artes indecorosas: a esses tais se lhes deve dar a sagrada
comunhão junto com os demais cristãos? Ora, eu penso, que nem a majestade
divina nem a disciplina evangélica permitem que o decoro e a honra da Igreja
seja contaminada com tão torpe e infame contágio. Se porém não forem manifestos
os pecadores, mas ocultos, e pedirem a sagrada comunhão, não se lhes pode
negar. Pois, como qualquer cristão, pelo simples fato de ser batizado, é
admitido à mesa do Senhor, não se lhes pode tirar o seu direito, senão por
alguma causa manifesta. Por isso, àquilo do Apóstolo — Se aquele que se nomeia
vosso irmão, etc., diz a Glosa de Agostinho: Não podemos proibir ninguém de
receber a comunhão, a menos que não tenha confessado espontaneamente o seu
crime, ou fosse citado e condenado em juízo secular ou eclesiástico: Pode porém
o sacerdote, cônscio do crime, advertir ocultamente o pecador oculto; ou também
em público, a todos em geral, que não se acheguem à mesa do Senhor antes de
fazerem penitência e se reconciliarem com a Igreja. Pois, após a penitência e a
reconciliação, não se deve negar a comunhão mesmo aos pecadores públicos,
sobretudo em artigo de morte. Por isso, no concílio Cartaginês se lê: Aos
comediantes, aos histriões e a outras pessoas tais, ou aos apóstatas,
convertidos a Deus não se lhes negue a reconciliação.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O Evangelho
proíbe dar o que é santo aos cães, isto é, aos pecadores manifestos. Pois, os
pecados ocultos não podem ser punidos publicamente, ficando reservados ao juízo
divino.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora seja pior ao
pecador oculto pecar mortalmente, recebendo o corpo de Cristo, do que ficar
infamado, contudo, ao sacerdote, que ministra o corpo de Cristo, é pior pecar
mortalmente, infamando injustamente um pecador oculto, do que pecar este
mortalmente. Porque ninguém deve cometer pecado mortal para livrar a outrem do
pecado. Por isso diz Agostinho: É muito perigoso admitir-se esta compensação —
fazermos nós um mal para não o fazer outrem, mais grave. Quanto ao pecador
oculto, porém deveria preferir, antes, infamar-se que se aproximar indignamente
da mesa do Senhor. — Uma hóstia não-consagrada, contudo, de nenhum modo lhe
deve ser dada, em vez da consagrada. Porque o sacerdote, assim procedendo,
concorreria para o pecado de idolatria dos que cressem ser a hóstia consagrada
— quer fossem os presentes, quer o próprio que a recebesse; pois, como diz
Agostinho, ninguém deve comer a carne de Cristo, sem primeiro adorá-la. Por
isso, uma disposição canônica determina: Embora quem, tendo consciência do seu
crime e reputando-se indigno, peque gravemente, recebendo a Cristo, contudo,
mais gravemente ofende a Deus quem ousar simulá-lo fraudulentamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os referidos decretos
foram abrogados pelos documentos contrários dos Romanos Pontífices. Assim, diz
Estevam Papa (V): Os sagrados cânones não permitem extorquir de ninguém uma
confissão pela prova do ferro em brasa ou da água fervendo. Pois, as nossas
leis só podem julgar os delitos cometidos, pela confissão espontânea ou afirmação
pública de testemunhas. Quanto aos crimes ocultos e desconhecidos, devem ser
abandonados aquele que só conhece o coração dos filhos dos homens. E o mesmo se
lê em outras disposições. Pois, em todas essas práticas, incorre-se em tentação
a Deus; e portanto não podem ser feitas sem pecado. E mais grave seria que se incorresse
em condenação de morte pelo sacramento, instituído para remédio da salvação.
Por onde, de nenhum modo o corpo de Cristo deve ser dado a ninguém suspeito de
crime, como meio de o descobrir.
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Permanência
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