Hoje, o Brasil católico celebra o dia de Nossa Senhora Aparecida, sua
padroeira. Encontrada sob a forma de imagem negra para pobres pescadores, no
ano de 1717, na cidade de Aparecida do Norte, em São Paulo. O local passou
lentamente a ser referência de peregrinação. Poucos são os brasileiros que lá
nunca estiveram. Esse acontecimento marcou época. A mãe de Deus se apresenta
como padroeira dos pobres e negros escravos do Brasil de outrora. A Maria do
Magnificat, que canta a derrubada dos opressores e soerguimento dos pobres (Lc
1, 45-55) é a mesma negra de Aparecida, aquela que devolveu a alegria aos
pobres pescadores com uma pesca milagrosa. Aparecida que virou Nossa Senhora
Aparecida. Um título de rainha para uma mulher que marcou a humanidade desde
sua terra natal, Nazaré. Que não conhece a música Maria de Nazaré, aquela que
me cativou, fez mais forte a minha fé e por filho me adotou.
Nas leituras de hoje, três mulheres são apresentadas para a nossa
reflexão. Ester, Maria e a mulher anônima do Apocalipse. Ester é a mulher da
luta, da resistência à dominação grega. Por sua sábia atitude consegue livrar
seu povo do extermínio. Maria é a mulher mãe que leva seu filho a iniciar a
suas atividades missionárias, realizando o seu primeiro milagre. Já a mulher
anônima do Apocalipse pode ser identificada com Eva, com a esposa de Deus,
Israel/Sião, ou com Maria. Ela está prestes a dar à luz, mas se vê ameaçada
pelo dragão, a força do mal.
Em que essas mulheres vencedoras iluminam a nossa fé? Sobretudo, neste
dia de nossa mãe Aparecida, aquela que apareceu para nos colocar no caminho da
vida, da libertação dos opressores de ontem e de hoje. Falar de Maria é falar
dessas três mulheres e de tantas outras de nosso tempo.
Comentário
aos textos bíblicos
Evangelho (Jo
2,1-11)
A comunidade joanina reservou para nós a
belíssima narrativa das bodas de Caná, uma pequena cidade da Galiléia. Com uma
população atual em tono de 8.000 habitantes, Caná da Galileia é a cidade de
maior proporção de cristãos em Israel/Palestina, cerca de 25%. Cristãos e
muçulmanos convivem aí de forma pacífica. Caná significa adquirir, tendo, por
isso, um valor simbólico na realização do primeiro milagre de Jesus. Faltou
vinho em Caná, na havia tempo hábil para o noivo comprar mais vinho. Jesus,
sim, foi capaz de “adquirir” um vinho
novo e de muita qualidade. O que isso significa?
Como vimos no evangelho de hoje, Jesus fez aí,
numa festa de casamento, o seu primeiro milagre: transformou água e vinho. O
matrimonio era realizado em três etapas, a saber: namoro, noivado e núpcias. A
festa de casamento durava sete dias. Era o terceiro dia, o vinho tinha acabado.
Jesus e sua família eram convidados. Maria solicitou a Jesus que fizesse seu
primeiro milagre. Uma igreja, relembrando esse episódio foi edificada em 1879,
sobre uma bizantina e outra cruzada. Os cristãos aí renovam as promessas
matrimoniais. Na sua cripta, encontram-se vasos de cerâmica. Naquele tempo,
eram usados vasos de pedra, de modo que a água pudesse estar sempre pura.
O matrimônio, no Primeiro Testamento, foi
relido como símbolo do casamento entre Deus e Israel (Os 2, 16-25; Is 1, 21-13;
49, 14-16). Dentre esses textos, é muito conhecida a experiência do profeta
Oseias com a sua esposa infiel, Gomer, símbolo da infidelidade de Israel. No
evangelho de João, Jesus é o novo esposo de Israel que, simbolicamente está
celebrando a sua festa de matrimônio, na qual faltava uma coisa essencial, o
vinho. Maria, sua mãe, sabedora do papel do filho no novo Israel, lhe pede para
resolver imediatamente a questão, pois a festa não podia terminar e as
promessas divinas nele deveriam se cumprir. Sendo Jesus o messias, o esposo que
deveria, por obrigação cultural, oferecer vinho durante a festa. Jesus era o
Messias-esposo. E Maria sabia disso. Qual mãe não conhece bem o seu filho!
O vinho, naquele tempo, era o sinal de alegria
nas festas. Foi num jantar de páscoa, onde são consumidas cinco taças de vinho,
cada uma delas com o seu simbolismo próprio, que Jesus toma, ao final da ceia,
uma taça de vinho e diz que se tratava do seu sangue, o da salvação. O vinho
era também o símbolo do amor no casamento. Basta ler o livro Cântico dos
Cânticos, que fala do amor e do vinho (Ct 1,2; 7,10).
A resposta de Jesus não é muito elegante com a
mãe, ao dizer-lhe: “Que queres de mim, mulher? A minha hora ainda não chegou.”
(v.4). A hora de Jesus é sua morte que
levaria à ressurreição. Maria nem se importa com a sua resposta e diz aos
criados que façam tudo que ele ordenar. Muitos já explicaram o fato de Jesus
não se dirigir a Maria como mãe, mas como mulher, dizendo que mulher, aqui
representa a nova Eva, a mulher mãe de Israel, a esposa de Jesus, os novos
judeus seguidores do messias Jesus. Não temos como discordar dessas
afirmativas. No entanto, vale lembrar que tradição dos evangelhos apócrifos, ao
relatar esse mesmo episódio, diz que Jesus ao receber os criados com talhas de
água enviadas por Maria, balança a cabeça, encolhe os ombros e diz rindo aos
criados: “Faça o que ela está pedindo. Que filho pode negar um pedido de mãe? O
melhor será atendê-la o quanto antes, porque senão irá insistir até conseguir o
que quer”. E disse aos criados: Enchei as talhas de água!”[2] O relato apócrifo
aparece mais lógica. Maria é a mãe que adianta a hora do filho. Nela estão
todos que acreditaram e acreditam em Jesus, como filho de Deus. Ela nos revela
que seu filho é o próprio vinho novo, o esposo da humanidade, a nova
humanidade, simbolicamente representada pelas seis talhas de pedra. O seis
relembra o dia da criação do ser humano (Gn 1,26), bem como a imperfeição, o
incompleto. A besta do apocalipse é representada com o número 666. Por serem de
pedras, as talhas recordam as tábuas da lei selada entre Deus e povo, na pessoa
de Moisés, o “tirado das águas”, conforme seu próprio nome significa. Agora, é
Jesus, o novo Moisés, pede para colocar água nas talha e a transforma em vinho.
Jesus realizou o seu primeiro sinal e nele a
glória de Deus. E todos crerem, mas quem roubou a cena no evento foi Maria. Não
por menos, ele deveria aparecer também em nosso país. Ela é a Aparecida do
Norte, do Brasil e todos os cristãos, de modo especial, nós de fé católica.
I leitura (Est 5,1b-2; 7,2b-3)
Ester é a mulher resistência e esperança do
seu povo. O pequeno trecho de sua história que ouvimos na leitura de hoje nos
recorda o seu papel na história do povo de Israel. Deus. Mulher de rara beleza,
graça e feminilidade, a judia Ester chegou a tornar-se rainha no palácio do
opressor (Ester 3,6-13).
Embora o fato narrado situar-se no período da
dominação dos persas (485-465 a.E.C) na Palestina, ele é uma denuncia e uma
chamada de resistência à dominação grego-helenista, que teve seu início em 333
a.E.C. com as conquistas da Síria, Palestina e do oriente por Alexandre Magno.
Com morte prematura, os generais de Alexandre dividiram o seu reino entre eles.
Na Palestina, o povo sofreu muito com os ptolomeus (301-198). Os gregos, além
do domínio econômico, se impunham culturalmente. Eles construíam ginásios,
teatros, templos e palácios conforme o modelo grego. Os gregos davam nomes
helenísticos às idades existentes e fundavam outras. A língua grega passou a
ser o idioma universal. O povo judeu sofria muito para poder seguir seus
antigos costumes segundo a Lei dada a Moisés. Uma das diferenças básicas entre
os gregos e os judeus era que Deus era medida das coisas para os judeus e para
os gregos, o ser humano. Nós ocidentais somos frutos da cultura grega.
Ester, sabedora dessa realidade, feita rainha,
se aproxima do opressor, o rei da Pérsia, Assuero. Estando em um banquete com
ele, como nos mostra a leitura de hoje, ela recebe a graça de libertar o seu
povo de um massacre preestabelecido, através de um sorteio, por Amã,
primeiro-ministro do rei (Est 3,6-13). Amã já tinha recebido do rei a
autorizado para executar a sentença contra os seus supostos inimigos. Ester havia
conquistado o coração do opressor e por ele feita sua rainha. Antes da
realização do banquete oferecido por Ester, o rei lhe havia prometido que lhe
daria o que ela lhe pedisse, ainda que fosse a metade do seu reino. Ester,
então, tendo sabiamente reunido em um banquete, o rei e o malvado Amã, pede ao
rei concedesse vida a seu povo que iria morre pelas mãos de Amã. O rei não só
realiza o seu desejo, mas manda matar Amã.
Mesmo que o nome de Deus não apareça no texto
hebraico do livro de Ester, é Ele quem conduz a história através da sabedoria e
resistência de mulheres como Ester. Esta é a mensagem principal desta novela
bíblica. O povo judeu nunca se esqueceu desse episódio. Uma de suas festas
anuais judaicas se chama Purim, o dia da sorte, celebra esse dia em que ele foi
salvo pelas mãos de uma mulher. Ela é celebrada no dia 14 do mês de Adar para
lembrar que “... esse mês é aquele em que, para eles, a aflição deu lugar à
alegria e o luto às festividades (Est 9, 22). Purim é a festa do bom humor.
Todos saem para as ruas com mascaras e fantasias, assim como no nosso carnaval.
Nessa festa, o livro de Ester é lido na sinagoga. Na hora em que nome de Amã e
citado, as crianças fazem algazarra para não ouvi-lo.
Ester com a sua atitude passou para a história
como símbolo de resistência e de fé. Ela libertou o seu povo oprimido,
devolveu-lhes a alegria a seu povo, que, com pavor, esperava o dia da morte.
Maria, a mãe Aparecida, aparece aos pobres
pescadores que serviam aos nobres, ele lhes devolve a alegria da vida. Maria, a
mãe de Nazaré, devolve a alegria ao casamento com um vinho novo. Bom, mas isso
é o tema do evangelho de hoje.
II leitura (Ap 12,1.5.13a.15-16a)
Uma mulher sem nome, grávida e apocalíptica é
descrita na terceira leitura de hoje. Ela aparece no céu, vestida de sol, tendo
a lua a seus pés e uma coroa de doze estrelas na cabeça. Um dragão está ao seu
lado esperando o nascimento do seu filho para logo devorá-lo. Sendo perseguida,
a mulher recebe asas de Deus e foge para o deserto. Qual o simbolismo dessas
imagens?
Antes mesmo de responder a essa pergunta,
temos que salientar que o contexto da literatura apocalíptica é o império
romano, que perseguia e martirizava os cristãos. Nero, um cruel imperador
romano, no ano 64, promoveu uma perseguição aos cristãos digna de filme de
terror. O historiador romano Suetônio conta que Nero mandou matar os cristãos
por serem membros de uma maléfica superstição[3]. Já outro historiador, Tácito,
também deixou escrito o seguinte: “O suplício desses miseráveis foi ainda
acompanhado de insultos, porque ou os cobriram com peles de animais ferozes
para serem devorados pelos cães, ou foram crucificados, ou os queimavam de
noite para servirem como archotes e tochas ao público. Nero ofereceu seus
jardins para esse espetáculo.”[4] Foi
nesse contexto que surgiu a profecia popular, chamada de apocalíptica.
Apocalipse não se trata de um livro do medo dos fins dos tempos, mas de
esperança. Ele fala dos gregos, para se referir aos romanos. Mesmo esquema
usado no livro de Ester.
Os símbolos usados na leitura de hoje são:
mulher grávida, sol, lua, estrelas, dragão, deserto, rio de água, filho. A
mulher grávida representa várias possibilidades de interpretações: a mãe da
vida repleta de Deus; Eva, a mãe da humanidade; Israel ou Jerusalém, enquanto
comunidade profética que projetos alternativos de libertação do povo; os
cristãos que vivem perseguidos por Roma, mas serão capazes de gerar o projeto
do reino, em às perseguições; Maria, a mãe de Jesus Cristo, o Filho de Deus. O
sol, a lua e as estrelas, por fazerem parte da morada de Deus, representam a
divindade da mulher. Ela é Deus, protegida por ele com o sol e sendo eterna com
a luz aos seus pés. O dragão é a força do mal, da morte, a serpente do paraíso
que levou o ser humano ao caminho do mal, que enganou Eva e agora é vencido
pelo nova Eva, Maria. O deserto é o lugar da proteção, da intimidade com Deus.
Ali está a mulher, protegida e alimentada por Deus, como o povo de Israel no deserto.
O rio de água vomitado pelo dragão para devorar a mulher representa o mar
vermelho na travessia do povo no deserto. A terra se encarrega de se abrir para
engolir o rio, salvando a mulher. O filho gerado pela mulher é Jesus.
Com essa visão apocalíptica, as primeiras
comunidades cristãs encontraram forças para resistir ao império romano e
continuar semeando o projeto do reino anunciado por Jesus. Não por menos, hoje,
no dia de Nossa Senhora Aparecida, lembramo-nos de Maria, que reúne em si todos
os atributos da mulher esperança, como Ester; da mulher mãe intrépida, como a
de Cana; da mulher resistência a toda prova, como a apocalíptica.
PARA REFLETIR
O dia 12 de outubro vem lembrar a todos os
brasileiros que a devoção à Senhora Aparecida está impregnada da certeza da
proteção da Mãe de Cristo e de que Ela intercede por nós, seus filhos.
A Palavra de Deus (Ester 5, 1-2; 7,2-3)
fala-nos da rainha Ester que se aproxima suplicante do grande rei, e este põe à
sua disposição todo o seu poder. Diz o texto bíblico: “Então, qual o teu
pedido, Ester, para que seja atendido? Que queres que eu te faça? Repito: Mesmo
se pedires a metade do meu reino, tu a alcançarás! Ela respondeu: Se encontrei
graça a teus olhos, ó rei, e se te agrada, concede-me a vida, pela qual
suplico, e a vida do meu povo, pelo qual te peço” ( Ester 7, 2b-3). Para nós é
muito fácil perceber nesta rainha do Antigo Testamento a prefiguração da Rainha
dos Céus, intercedendo junto de Deus por nós, que somos seu povo e seus filhos.
Confiamos à intercessão de Maria as nossas necessidades, quer sejam pequenas,
quer nos pareçam muito grandes, as da nossa família, da Igreja e da sociedade.
Diante de Deus, Maria se referirá a nós dizendo que este é o meu povo, pelo
qual intercedo.
No Evangelho (Jo 2,1-11) encontramos o
primeiro milagre que Jesus fez, à pedido de sua mãe, em Caná da Galiléia. Numa
festa de casamento, Maria estava presente, como também Jesus e os seus
primeiros discípulos.
Maria, durante a festa, enquanto presta a sua
ajuda, percebe o que se passa. Jesus está no inicio de seu ministério público.
A Mãe chega para o Filho e lhe diz: “Eles não
têm mais vinho!”( Jo, 2,3). É interessante: Maria pede sem pedir, expondo uma
necessidade. E desse modo nos ensina a pedir.
Jesus responde-lhe: “Mulher, para que me dizes
isso? A minha hora ainda não chegou”.(Jo 2, 4). Parece que Jesus vai negar à
sua Mãe o que Ela lhe pede. Mas a Virgem, que conhece bem o coração do seu
Filho, comporta-se como se tivesse sido atendida e pede aos serventes: “Fazei tudo
o que Ele vos disser!” ( Jo 2, 5).
Maria é uma Mãe atentíssima a todas as nossas
necessidades, de uma solicitude que mãe alguma sobre a terra jamais teve ou
terá. O milagre acontecerá porque Ela intercedeu; só por isso.
Em Caná, ninguém pede à Virgem Maria que
interceda junto do seu Filho pelos consternados esposos.
Se a Senhora procedeu assim sem que lhe
tivessem dito nada, que teria feito se lhe tivessem pedido que interviesse? Que
não fará quando- tantas vezes ao longo do dia!- lhe dizemos “ rogai por nós”?
Que não iremos conseguir se recorremos a Ela?
O Papa São João Paulo II, referindo-se a Maria
dizia ser a Onipotência suplicante! Assim a chamou a piedade cristã, porque o
seu Filho é Deus e não lhe pode negar nada.
Deveríamos suplicar o seu socorro com mais
frequência!
Depois que os serventes encheram as talhas de
água, disse-lhes Jesus: “Agora, tirai e levai ao encarregado da Festa” (Jo 2,
8). E o vinho foi o melhor de todos os que os convidados beberam. As nossas
vidas, tal como a água, eram também insípidas e sem sentido até que Jesus
chegou a elas. Ele transforma o nosso trabalho, as nossas alegrias, as nossas
penas; a própria morte se torna diferente junto de Cristo.
O Senhor só espera que cumpramos os nossos
deveres, até à borda, acabadamente, para depois realizar o milagre.
“Enchei as talhas de água”, diz-nos o Senhor.
Não permitamos que a rotina, a impaciência e a preguiça nos façam deixar pela
metade a realização dos nossos deveres diários.
Jesus não nos nega nada; e concede-nos de modo
particular tudo o que lhe pedimos através de sua Mãe.
Hoje a Mãe de Jesus e nossa continua a nos
dizer: “Fazei tudo o que Ele vos disser.” Foram as últimas palavras de Nossa
Senhora registradas no Evangelho. E não poderiam ter sido melhores.
Com as palavras de São João Paulo II,
recorremos hoje a Nossa Senhora Aparecida, pedindo-lhe que nos ensine o caminho
da esperança.
Rezou o Santo: “Não cesseis, ó Virgem
Aparecida, pela vossa mesma presença, de manifestar nesta terra que o Amor é
mais forte que a morte, mais poderoso que o pecado! Não cesseis de mostrar-nos
Deus, que amou tanto o mundo, a ponto de entregar o seu Filho Único, para que
nenhum de nós pereça, mas tenha a vida eterna! Amém! (São João Paulo II,
Dedicação da Basílica Nacional de Aparecida, 4/7/1980).
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