segunda-feira, 14 de julho de 2014

A sepultura do "crente"


Conta uma história antiga
lá pras bandas de Lajedo,
numa curva perigosa
que quando falo dá medo,
aconteceu um desastre
que digo, não foi brinquedo.

Esse fato aconteceu

quando a rede era caixão
e se enterrava o morto
onde se morreu então
e avisava os parentes
pra lhe fazer oração.


Vinha um ônibus de matutos
cansados, depois da feira,
o motorista ligado
e o resto na dormideira,
num sono bem chacoalhado
por cima da buraqueira.

A galinhada na mala,

reclamava indignada,
as cabras no bagageiro
vinham tudo arrepiada,
junto dos sacos de rede,
fumo e chita estampada.


Bem no corredor dormia
o cachorro da parteira.
Era um cachorro comprido,
vira-lata de primeira,
que acompanhava o povo
sempre que ia pra feira.


Na estrada, um estranho

deu com a mão, pediu parada.
Era um “crente” engravatado
com sua bíblia surrada,
o seu paletó marrom
tinha a traseira lascada.


O motorista parou,

o “crente” logo subiu,
o cachorro acordou
e vendo ele latiu,
muita gente despertou
virou pro lado e dormiu.


Já dentro do coletivo

esse “crente” sem demora,
abriu sua bíblia velha 
e pôs os bofes pra fora,
dando grito de voar
a tampa da caçarola.


O cachorro estranhava

latindo no mesmo tom,
o povo incomodado
também não achava bom,
e o “crente” vociferava
falando em Armagedon.


O animal prosseguia

latindo e mostrando os dentes,
vi a hora ele voar
de vez em cima do “crente”
que com sua “pregação”
abufelou muita gente.


Talvez por isso o cachorro

se danava a latir,
num discurso de reprovo
que posso até traduzir,
esse defensor do povo
por certo disse a seguir:


<<Quem se diz religioso

e grita feito Tarzan,
esse engana a si mesmo,
é de religião vã. 
Diz Tiago 1,26,
de quem eu sou muito fã. >>


A gritaria aumentava

com a zoada do motor,
o cachorro acunhava,
nem um segundo parou.
Logo o “crente” revoltado
sua bíblia lhe atirou.


O cachorro desviou

e rasgou ela no dente,
parecia até saber
que toda bíblia de “crente”
tá faltando sete livros
e da real é diferente.


O bicho não perdoou
aquele ato impensado
e partiu pra abocanhar
o “crente” desesperado
que agarrou o motorista
deixando o povo assustado.

Nessa hora o coletivo

fez uma curva quadrada
e fazendo zig-zag
saiu fora da estrada,
deu pra mais de vinte viros
que as rodas foram arrancadas.


Nisso a mala se abriu
e as galinhas pinotaram,
as cabras do bagageiro
num riacho tibungaram
e o povo dos acentos,
gritando todos voaram.

Ainda bem que metade

caiu no mato macio,
já os que eram magrelos
foram tibungar num rio,
a barra de direção
com meia hora caiu. 


Foi o maior desmantelo
espalhado na estrada,
tinha caco de quartinha,
farinha, jaca, qualhada,
pitomba, pão, caranguejo,
gaiola e cana rapada.

Saíram desesperados

pra ver se tinha ferido,
quando viram que o cachorro
e o “crente” tinham morrido,
junto com o motorista,
companheiro, grande amigo.



Fizeram três sepulturas,
duas cruzes de madeira,
pro “crente” e pro motorista,
pra fincar na cabeceira.
O cachorro, como é bicho,
não se faz dessa maneira...
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Autor: Fernando Nascimento
Fonte: Página do Caia Farsa no Facebook

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