Como foram atribuídos
os símbolos dos quatro Evangelhos? A arte cristã sempre representou cada
evangelista por um ser vivente: São Mateus é simbolizado por um homem; São
Marcos, por um leão; São Lucas, por um touro; e São João, por uma águia.
O fundamento desses
ícones é bíblico. O livro do Apocalipse de São João, por exemplo, traz a visão
de quatro seres viventes que rendiam glória a Deus:
“O primeiro animal
vivo assemelhava-se a um leão; o segundo, a um touro; o terceiro tinha um rosto
como o de um homem; e o quarto era semelhante a uma águia em pleno voo. (...)
Não cessavam de clamar dia e noite: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus, o
Dominador, o que é, o que era e o que deve voltar.” [1]
Os mesmos quatro
animais estão em outra visão do profeta Ezequiel:
“Distinguia-se no
centro a imagem de quatro seres que aparentavam possuir forma humana. (...)
Quanto ao aspecto de seus rostos tinham todos eles figura humana, todos os
quatro uma face de leão pela direita, todos os quatro uma face de touro pela
esquerda, e todos os quatro uma face de águia.” [2]
Mas, afinal, por que
esses quatro animais foram identificados com os evangelistas? O primeiro autor
cristão a utilizar essa analogia foi Santo Irineu de Lião [3], seguido por
Santo Agostinho [4]. Os dois, no entanto, associaram os animais aos
evangelistas de forma diferente da que se usa hoje, posto que a ordem dos
Evangelhos, no começo da Igreja, ainda não estava bem definida.
Foi São Jerônimo quem
começou a tratar os evangelistas da forma como são tratados hoje. São Gregório
Magno explica com clareza por que referenda a sua atribuição:
“Que na verdade estes
quatro animais alados simbolizam os quatro santos evangelistas, é o que
demonstra o próprio início de cada um destes livros dos evangelhos. Mateus é
corretamente simbolizado pelo homem porque ele inicia com a geração humana;
Marcos é corretamente simbolizado pelo leão, porque inicia com o clamor no
deserto; Lucas é bem simbolizado pelo bezerro, porque começa com o sacrifício;
João é simbolizado adequadamente pela águia, porque começa com a divindade do
Verbo, dizendo: ‘No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus, e o
Verbo era Deus’ (Jo 1, 1), e assim tem em vista a substância divina, fixando o
olhar no sol à maneira de uma águia.”
Na mesma homilia, o
Papa e doutor da Igreja vai ainda mais fundo na meditação da profecia de
Ezequiel:
“Mas, já que todos os eleitos são membros do nosso Redentor e o próprio
nosso Redentor é a cabeça de todos os eleitos, através daquilo que simboliza os
seus membros nada impede que neles todos ele também seja simbolizado. Assim, o
próprio Filho Unigênito de Deus se fez verdadeiramente homem; ele se dignou
morrer como bezerro como sacrifício de nossas redenção; ele, pelo poder de sua
força, ressuscitou como leão.”
“Conta-se que o leão dorme até mesmo de olhos abertos, assim, o nosso
Redentor pela sua humanidade pôde dormir na própria morte, e pela sua divindade
ficou acordado permanecendo imortal. Ele também depois de sua ressurreição
subindo aos céus, foi elevado às alturas como uma águia”.
“Portanto, ele é inteiramente para nós, seja nascendo como homem, seja
morrendo como bezerro, seja ressuscitando como leão, seja subindo aos céus como
águia.”
“Mas, (...), estes animais simbolizam os quatro evangelistas e ao mesmo
tempo, através deles, todos as pessoas perfeitas. Falta-nos então demonstrar
como cada um dos eleitos se encontram nesta visão dos animais.”
“De fato, cada pessoa eleita e perfeita no caminho de Deus é seja homem,
seja bezerro, seja leão, seja águia. De fato o homem é um animal racional. O
bezerro é o que se costuma oferecer em sacrifício. O leão é a mais forte das
feras, como está escrito: ‘O leão, o mais bravo dos animais, que não recua
diante de nada’ (Pr 30, 30). A águia voa para as alturas, e sem piscar dirige
seus olhos aos raios do sol. Assim, todo o que é perfeito na inteligência é
homem. E quando mortifica a si mesmo e a concupiscência deste mundo é bezerro.
É leão porque, por sua própria e espontânea mortificação, tem a fortaleza da
segurança contra todas adversidades, como está escrito: ‘O justo sente-se
seguro e sem medo como um leão’ (Pr 28, 1). É águia porque contempla de forma
sublime as coisas celestes e eternas. Sendo assim, qualquer justo é
verdadeiramente constituído homem pela razão, bezerro pelo sacrifício de sua
mortificação, leão pela segurança da fortaleza, águia pela contemplação. Assim,
através destes santos animais, se pode simbolizar cada um dos perfeitos.” [5]
Agradeçamos a Deus
pelo envio de Seu Verbo, manifestado a nós pelo dom de um “Evangelho
quadriforme”, como diz Santo Irineu de Lião, lembrando sempre que nenhum livro
é capaz de conter Jesus Cristo [6].
Referências
1.
Ap 4, 7-8
2.
Ez 1, 5.10. Trata-se de uma visão
provavelmente influenciada pela cultura assíria – lembrar que, nessa época, o
povo de Deus estava exilado na Síria –, que tinha o Lamassu, um touro com
cabeça de homem, patas de leão e asas de águia, como divindade protetora.
3.
Contra as Heresias, 3.11.8
4.
O Consenso dos Evangelistas, 1.6.9
5.
São Gregório Magno, Homilia sobre
Ezequiel, 4.1-2
6.
Cf. Jo 20, 30-31
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Fonte: Christo Nihil Praeponere
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