Bento XVI voltou a
surpreender o mundo recentemente, após um longo período de recolhimento, desde
que apresentou sua renúncia, em fevereiro passado. Em uma carta de 11 páginas,
o Papa Emérito respondeu às críticas do ateu italiano Piergiorgio Odifreddi, feitas
no livro "Caro Papa, escrevo-te", a propósito da pesquisa teológica e
dos escândalos envolvendo a Igreja.
No texto, o Papa
Emérito demonstra uma incrível capacidade de diálogo, passeando, sem medo, por
temas bastante espinhosos. Sem menosprezar o esforço de Odifreddi, Bento XVI
elogia a busca por um diálogo aberto com a fé da Igreja Católica, ao mesmo
tempo em que também o adverte de um juízo equivocado quanto à pessoa de Cristo,
convidando-o "a tornar-se um pouco mais competente do ponto de vista histórico".
"O que o senhor diz sobre a figura de Jesus não é digno do seu nível
científico", reclama o teólogo.
A carta é de uma
sabedoria espantosa. Para além dos julgamentos cínicos que ora circundam as
redações de tantos jornais e cátedras universitárias, o Papa afasta com
maestria a figura de "cardealpanzer" que durante anos tentaram lhe
imputar. Algo que talvez explique o silêncio sintomático das manchetes
jornalísticas - que, obviamente, deram destaque apenas às palavras de Bento XVI
sobre a pedofilia -, frente ao conteúdo denso da missiva do Santo Padre. Com
uma mídia acostumada a fazer sonetos à lua, esperar que se faça um retrato
honesto do que fala a Santa Igreja é flertar com o ridículo.
Refutando a tese de
Odifreddi, com a qual o professor julga ser a teologia mera "ficção
científica", Bento XVI recorda que a função dessa nobre ciência é,
justamente, "manter a religião ligada à razão, e a razão, à
religião". Com efeito, a carta do Papa Emérito lembra o conceito de Santo
Agostinho sobre a "teologia física". Desde os seus primórdios, os
pensadores cristãos procuraram afastar a fé em Jesus Cristo da origem comum de
outras religiões, diga-se, os mitos e a política, dando ao conhecimento a
primazia de seus estudos. Por isso, é falsa a acusação de que no cristianismo
não se encontra nada de relevante ao pensamento filosófico, uma vez que foi
precisamente nesta fé que "o racionalismo se tornou religião e não mais
seu adversário"01.
Do mesmo modo que uma
fé radicada nos mitos pode ser perigosa, também a razão sem a fé pode causar
grandes estragos. Não por acaso o século das luzes culminou nos estilhaços da
II Guerra Mundial, já que "o que gera a insanidade é exatamente a razão", dizia G.K.
Chesterton02. Por conseguinte, responde o Papa,
"no meu diálogo com Habermas, mostrei que existem patologias da religião e
– não menos perigosas – patologias da razão. Ambas precisam uma da outra, e
mantê-las continuamente conectadas é uma importante tarefa da teologia".
A propósito dos
crimes de pedofilia, Bento XVI responde que "se não é lícito calar sobre o mal
na Igreja, também não se deve silenciar, porém, sobre o grande rastro luminoso
de bondade e de pureza, que a fé cristã traçou ao longo dos séculos". Seria uma grande tolice medir a Igreja pela régua dos traidores. Assim
como a história da arquitetura remete às grandes obras, a do povo de Deus
remete aos grandes santos, e não o contrário.
Finalizando a carta,
o Santo Padre diz ao seu interlocutor: "a minha crítica, em parte, é dura.
Mas a franqueza faz parte do diálogo; só assim o conhecimento pode
crescer". Grande Bento XVI. Com sua sabedoria simples - e ao mesmo tempo
profunda - o Papa Emérito sai de seu retiro e recorda que na base de todo
diálogo está a sinceridade.
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Fonte: Equipe Christo
Nihil Praeponere
Referências
1.
RATZINGER, Joseph, D'ARCAIS, Paolo.
Deus Existe. Planeta
2.
CHESTERTON, Gilbert K. Ortodoxia. Mundo
Cristão.
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