terça-feira, 15 de julho de 2014

Israel-Palestina: "Um círculo infernal, mas orar dará frutos, embora não imediatamente".


Massacre e tragédia. É difícil definir de outra forma a situação na Terra Santa. Na Faixa de Gaza continuam a morrer todos os dias, e, entre os ataques com foguetes e bombardeios, a população vive em estado de sítio e com constante medo.

A diplomacia internacional exige um cessar-fogo entre Israel e Palestina, e as Nações Unidas condenou os ataques com foguetes contra o território israelense. Enquanto isso, homens, mulheres, crianças, famílias inteiras de Beit Lahya, no norte de Gaza, foram forçadas, ontem, a sair correndo de suas casas e fugir, sem bagagem e em jejum, para não sucumbir ao enésimo ataque do exército israelense.

Uma situação insustentável diante da qual o Papa Francisco expressou seu pesar, exortando, ontem, depois do Angelus, “as partes em causa e todos aqueles que têm responsabilidades políticas a nível local e internacional para não pouparem a oração e qualquer esforço para pôr fim a todas as hostilidades e alcançar a paz desejada para o bem de todos". No dia seguinte do apelo do Papa, ZENIT recolheu o testemunho de Mons. Shomali, bispo auxiliar de Jerusalém e vigário patriarcal para a Palestina. Acompanhe a entrevista.

***

ZENIT: Excelência, o que está acontecendo na Terra Santa?

Mons. Shomali: O que está acontecendo é uma reação ao sequestro e assassinato dos três jovens hebreus, perto de Hebron. O governo de Netanyahu atribuiu esse crime ao partido Hamas e respondeu com uma busca frenética dos criminosos, com várias prisões até de ex-reclusos. Enquanto isso, um jovem palestino de Shufat, bairro de Jerusalém, foi sequestrado e queimado vivo por alguns colonos israelenses. Esses fatos começaram um ciclo vicioso de violência. O Exército de Israel atingiu as bases de Hamas e do Jihad Islâmico na Faixa de Gaza. Estes, por sua vez, responderam com o lançamento de mísseis, chegando a atingir os assentamentos próximos, bem como a cidade de Haifa, Tel Aviv e Jerusalém. Estes mísseis, conhecidos por sua imprecisão, fazem mais barulho e medo do que destruição. Para os palestinos, no entanto, a lista é grande: 170 mortos, 1000 feridos e muitas casas destruídas em Gaza e nos territórios palestinos.

ZENIT: Qual é a origem do conflito atual?

Mons. Shomali: A principal razão é o fracasso do processo de paz no passado mês de abril. O ministro americano Kerry, após nove meses de trabalho intenso, não conseguiu elaborar um quadro político para as futuras negociações. Esta derrota criou nos corações dos palestinos desespero, mais tarde aumentado pela construção contínua de novos assentamentos israelenses. Estes edifícios são vistos como um casus belli contínuo. A isso acrescenta-se a tensão entre os dois povos com relação ao Monte do Templo- Al Aksa. Aqui a religião faz parte do problema e é uma causa agravante.


ZENIT: Como explica esse aumento gradual da violência em Gaza, a poucas semanas da visita do Papa Francisco e dos seus fortes apelos para a paz e reconciliação? Além disso, não podemos esquecer do encontro de oração no Vaticano com Abbas e Peres...

Mons. Shomali: A visita do Papa suscitou muitas esperanças, seguidas, no entanto, de muita desilusão. Uma coisa semelhante aconteceu depois da peregrinação de São João Paulo II, em Março de 2000: apenas seis meses depois de sua visita eclodiu a segunda Intifada (28 de setembro de 2000 n.d.a.). Em ambos os casos, a violência foi desencadeada por causa do fracasso das negociações, precedido pelas visitas papais, na primeira, após o colapso do Camp David; na segunda, depois da mediação Americana.

Sobre a reunião de oração nos Jardins Vaticanos, reitero o que foi dito ontem pelo Santo Padre no seu apelo: a oração sempre traz frutos, embora a longo prazo. Como no caso da oliveira plantada ao final do encontro, cujo florescimento deve ser esperado por muitos anos. Também é necessário reiterar que as palavras do Papa durante a "Invocação pela Paz" permanecem válidas como o único caminho certo para a paz. Fiquei muito impressionado quando o Santo Padre, diante de Peres, Abbas e Bartolomeu, disse: "Para fazer a paz, é preciso coragem, muito mais do que para fazer a guerra. É preciso coragem para dizer sim ao encontro e não ao confronto; sim às negociações e não às hostilidades; sim ao cumprimento dos pactos e não às provocações; sim à sinceridade e não à duplicidade...”.

O Papa deixou claro que só as negociações não são suficientes, como a história nos ensina, e que temos de avançar em direção a um outro horizonte que é a oração. "É por isso que estamos aqui, porque sabemos e acreditamos que precisamos da ajuda de Deus", lembrava, de fato, Francisco, “não renunciamos às nossas responsabilidades, mas invocamos a Deus como ato de suprema responsabilidade, diante das nossas consciências e diante dos nossos povos”.

ZENIT: Nestes conflitos as principais vítimas são os jovens. De acordo com o senhor, na origem de tudo, há um problema de educação?

Mons. Shomali: Claro, os jovens são vítimas deste conflito sem esquecer as crianças, frágeis e traumatizadas pelos bombardeios e pelo medo. As conseqüências se deixam ver no futuro. Agora cultivam o ódio e o desejo de vingança. O ódio foi alimentado por uma longa história de violência, onde cada um coloca a culpa no outro. Esta falsa retórica não ajuda. O ódio só pode ser eliminado através da educação aos valores da justiça, da paz e da reconciliação. Mas a educação deve coincidir com medidas concretas, dando a cada parte os seus próprios direitos: aos palestinos dignidade com um Estado viável, e aos israelenses uma segurança e um reconhecimento por parte do mundo árabe e islâmico. Eu estava lá na semana passada em uma reunião no grande Rabinato com os grandes expoentes de todas as religiões presentes em Israel; Fiquei muito impressionado com a declaração final, que reafirmava que a vida humana é um dom de Deus e que o sangue judeu e o sangue palestino são sagrados e desfrutam de uma igual dignidade.

ZENIT: E como reagem os adultos diantes desses horrores que envolvem as novas gerações? Muitas vezes são eles mesmos que incentivam os jovens a lutar...

É um paradoxo dizer que são os jovens que vão de forma espontânea às ruas e desafiam os soldados israelenses nos check-point, enquanto o governo palestino não deseja um tal confronto com o exército israelense. Os jovens estão em um círculo vicioso. É urgente que a comunidade internacional encontre uma solução e a imponha a ambas as partes. Todos vivem em um círculo infernal, no qual, sejam os adultos que os jovens são arrastados e não sabem como sair.

ZENIT: O resto da população, especialmente a cristã, como está reagindo diante de tudo isso?

Mons. Shomali: Os cristãos, tanto palestinos quanto israelenses, sofrem e padecem como todos os outros habitantes desta terra. Temem o agravamento da situação e as conseqüências sociais e econômicas. Rezam pela paz e na grande maioria rejeitam a violência. É muito raro vê-los ir às ruas e recorrer à violência. São também os mais frágeis e fracos perante a tentação de emigrar. Durante a última intifada muitos jovens e muitas famílias cristãs deixaram a Terra Santa, a fim de buscar uma vida mais segura e digna. É difícil para eles resistir a essa tentação. É difícil para nós convencê-los a não abandonar esses lugares e fazê-los entender que viver aqui é um privilégio e uma vocação.

ZENIT: Vocês, como Patriarcado Latino de Jerusalém, de que maneira estão tentando aproximar-se dos que vivem sob o medo e os bombardeios?

Mons. Shomali: Estamos próximos com a oração e com a ajuda humanitária que organizamos de acordo com nossas possibilidades. No momento não podemos fazer nada para o povo de Gaza. Quando acabarem as hostilidades iremos visita-los e ver como ajudar. Por agora nos limitamos a telefonar a cada dia ao nosso pároco de Gaza para pedir as últimas notícias.

ZENIT: O senhor acha que há esperança de que esta tempestade de violência e morte possa parar, ou como muitos temem, seja iminente uma terceira intifada?


É certo que nem o governo palestino e nem o governo israelense querem uma terceira intifada. Ninguém sairia vitorioso. As consequências são duras para todos. Um exemplo: os peregrinos começaram a cancelar reservas. Sabemos, por experiência, a dificuldade que existe para retomar o fluxo de turistas após um conflito. Rezemos ao Senhor para que esses confrontos acabem rapidamente. (Trad.T.S.)
__________________________________
Fonte: ZENIT

Nenhum comentário:

Postar um comentário