Massacre e tragédia. É difícil definir de outra
forma a situação na Terra Santa. Na Faixa de Gaza continuam a morrer todos os
dias, e, entre os ataques com foguetes e bombardeios, a população vive em
estado de sítio e com constante medo.
A diplomacia internacional exige um cessar-fogo
entre Israel e Palestina, e as Nações Unidas condenou os ataques com foguetes
contra o território israelense. Enquanto isso, homens, mulheres, crianças,
famílias inteiras de Beit Lahya, no norte de Gaza, foram forçadas, ontem, a
sair correndo de suas casas e fugir, sem bagagem e em jejum, para não sucumbir
ao enésimo ataque do exército israelense.
Uma situação insustentável diante da qual o Papa
Francisco expressou seu pesar, exortando, ontem, depois do Angelus, “as partes
em causa e todos aqueles que têm responsabilidades políticas a nível local e
internacional para não pouparem a oração e qualquer esforço para pôr fim a
todas as hostilidades e alcançar a paz desejada para o bem de todos". No
dia seguinte do apelo do Papa, ZENIT recolheu o testemunho de Mons. Shomali,
bispo auxiliar de Jerusalém e vigário patriarcal para a Palestina. Acompanhe a
entrevista.
***
ZENIT: Excelência, o que está acontecendo na Terra
Santa?
Mons. Shomali: O que está acontecendo é uma reação
ao sequestro e assassinato dos três jovens hebreus, perto de Hebron. O governo
de Netanyahu atribuiu esse crime ao partido Hamas e respondeu com uma busca
frenética dos criminosos, com várias prisões até de ex-reclusos. Enquanto isso,
um jovem palestino de Shufat, bairro de Jerusalém, foi sequestrado e queimado
vivo por alguns colonos israelenses. Esses fatos começaram um ciclo vicioso de
violência. O Exército de Israel atingiu as bases de Hamas e do Jihad Islâmico
na Faixa de Gaza. Estes, por sua vez, responderam com o lançamento de mísseis,
chegando a atingir os assentamentos próximos, bem como a cidade de Haifa, Tel
Aviv e Jerusalém. Estes mísseis, conhecidos por sua imprecisão, fazem mais
barulho e medo do que destruição. Para os palestinos, no entanto, a lista é
grande: 170 mortos, 1000 feridos e muitas casas destruídas em Gaza e nos
territórios palestinos.
ZENIT: Qual é a origem do conflito atual?
Mons. Shomali: A principal razão é o fracasso do
processo de paz no passado mês de abril. O ministro americano Kerry, após nove
meses de trabalho intenso, não conseguiu elaborar um quadro político para as
futuras negociações. Esta derrota criou nos corações dos palestinos desespero,
mais tarde aumentado pela construção contínua de novos assentamentos
israelenses. Estes edifícios são vistos como um casus belli contínuo. A isso
acrescenta-se a tensão entre os dois povos com relação ao Monte do Templo- Al
Aksa. Aqui a religião faz parte do problema e é uma causa agravante.
ZENIT: Como explica esse aumento gradual da
violência em Gaza, a poucas semanas da visita do Papa Francisco e dos seus
fortes apelos para a paz e reconciliação? Além disso, não podemos esquecer do
encontro de oração no Vaticano com Abbas e Peres...
Mons. Shomali: A visita do Papa suscitou muitas
esperanças, seguidas, no entanto, de muita desilusão. Uma coisa semelhante
aconteceu depois da peregrinação de São João Paulo II, em Março de 2000: apenas
seis meses depois de sua visita eclodiu a segunda Intifada (28 de setembro de
2000 n.d.a.). Em ambos os casos, a violência foi desencadeada por causa do
fracasso das negociações, precedido pelas visitas papais, na primeira, após o
colapso do Camp David; na segunda, depois da mediação Americana.
Sobre a reunião de oração nos Jardins Vaticanos,
reitero o que foi dito ontem pelo Santo Padre no seu apelo: a oração sempre
traz frutos, embora a longo prazo. Como no caso da oliveira plantada ao final
do encontro, cujo florescimento deve ser esperado por muitos anos. Também é
necessário reiterar que as palavras do Papa durante a "Invocação pela
Paz" permanecem válidas como o único caminho certo para a paz. Fiquei
muito impressionado quando o Santo Padre, diante de Peres, Abbas e Bartolomeu,
disse: "Para fazer a paz, é preciso coragem, muito mais do que para fazer
a guerra. É preciso coragem para dizer sim ao encontro e não ao confronto; sim
às negociações e não às hostilidades; sim ao cumprimento dos pactos e não às
provocações; sim à sinceridade e não à duplicidade...”.
O Papa deixou claro que só as negociações não são
suficientes, como a história nos ensina, e que temos de avançar em direção a um
outro horizonte que é a oração. "É por isso que estamos aqui, porque
sabemos e acreditamos que precisamos da ajuda de Deus", lembrava, de fato,
Francisco, “não renunciamos às nossas responsabilidades, mas invocamos a Deus
como ato de suprema responsabilidade, diante das nossas consciências e diante
dos nossos povos”.
ZENIT: Nestes conflitos as principais vítimas são
os jovens. De acordo com o senhor, na origem de tudo, há um problema de
educação?
Mons. Shomali: Claro, os jovens são vítimas deste
conflito sem esquecer as crianças, frágeis e traumatizadas pelos bombardeios e
pelo medo. As conseqüências se deixam ver no futuro. Agora cultivam o ódio e o
desejo de vingança. O ódio foi alimentado por uma longa história de violência,
onde cada um coloca a culpa no outro. Esta falsa retórica não ajuda. O ódio só
pode ser eliminado através da educação aos valores da justiça, da paz e da
reconciliação. Mas a educação deve coincidir com medidas concretas, dando a
cada parte os seus próprios direitos: aos palestinos dignidade com um Estado
viável, e aos israelenses uma segurança e um reconhecimento por parte do mundo
árabe e islâmico. Eu estava lá na semana passada em uma reunião no grande
Rabinato com os grandes expoentes de todas as religiões presentes em Israel;
Fiquei muito impressionado com a declaração final, que reafirmava que a vida
humana é um dom de Deus e que o sangue judeu e o sangue palestino são sagrados
e desfrutam de uma igual dignidade.
ZENIT: E como reagem os adultos diantes desses
horrores que envolvem as novas gerações? Muitas vezes são eles mesmos que
incentivam os jovens a lutar...
É um paradoxo dizer que são os jovens que vão de
forma espontânea às ruas e desafiam os soldados israelenses nos check-point,
enquanto o governo palestino não deseja um tal confronto com o exército
israelense. Os jovens estão em um círculo vicioso. É urgente que a comunidade
internacional encontre uma solução e a imponha a ambas as partes. Todos vivem
em um círculo infernal, no qual, sejam os adultos que os jovens são arrastados
e não sabem como sair.
ZENIT: O resto da população, especialmente a
cristã, como está reagindo diante de tudo isso?
Mons. Shomali: Os cristãos, tanto palestinos quanto
israelenses, sofrem e padecem como todos os outros habitantes desta terra.
Temem o agravamento da situação e as conseqüências sociais e econômicas. Rezam
pela paz e na grande maioria rejeitam a violência. É muito raro vê-los ir às
ruas e recorrer à violência. São também os mais frágeis e fracos perante a
tentação de emigrar. Durante a última intifada muitos jovens e muitas famílias
cristãs deixaram a Terra Santa, a fim de buscar uma vida mais segura e digna. É
difícil para eles resistir a essa tentação. É difícil para nós convencê-los a
não abandonar esses lugares e fazê-los entender que viver aqui é um privilégio e
uma vocação.
ZENIT: Vocês, como Patriarcado Latino de Jerusalém,
de que maneira estão tentando aproximar-se dos que vivem sob o medo e os
bombardeios?
Mons. Shomali: Estamos próximos com a oração e com
a ajuda humanitária que organizamos de acordo com nossas possibilidades. No
momento não podemos fazer nada para o povo de Gaza. Quando acabarem as
hostilidades iremos visita-los e ver como ajudar. Por agora nos limitamos a
telefonar a cada dia ao nosso pároco de Gaza para pedir as últimas notícias.
ZENIT: O senhor acha que há esperança de que esta
tempestade de violência e morte possa parar, ou como muitos temem, seja
iminente uma terceira intifada?
É certo que nem o governo palestino e nem o governo
israelense querem uma terceira intifada. Ninguém sairia vitorioso. As consequências
são duras para todos. Um exemplo: os peregrinos começaram a cancelar reservas.
Sabemos, por experiência, a dificuldade que existe para retomar o fluxo de
turistas após um conflito. Rezemos ao Senhor para que esses confrontos acabem
rapidamente. (Trad.T.S.)
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Fonte: ZENIT
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