Celebramos hoje a solenidade da Assunção de Nossa Senhora, ou seja, a
verdade de fé, baseada na Tradição, que ensina que Jesus, querendo honrar a sua
Mãe, especialmente aquele corpo onde foi formada a sua humanidade, levou Nossa
Senhora de corpo e alma para o Céu, antecipando assim, por especialíssimo
privilégio, o destino reservado a todos os justos com a vitória sobre a morte e
a ressurreição da carne: “Quando este ser mortal estiver vestido de
imortalidade, então estará cumprida a palavra da Escritura: ‘A morte foi
tragada pela vitória; onde está, ó morte, a tua vitória?” (1 Cor 15, 54-55).
Jesus, como bom filho, glorificando a sua Mãe, antecipa o ponto culminante da
condição escatológica da Igreja: “Apareceu no céu um grande sinal: uma mulher
vestida com o sol, tendo a lua debaixo dos pés e, sobre a cabeça, uma coroa de
doze estrelas” (Ap 12,1).
Terminada a sua vida mortal, Maria foi conduzida em corpo e alma, desta
vida mortal ao mundo da imortalidade, revestida de glória. Perante este
acontecimento único, extraordinário, multiplicam-se as nossas perguntas: como
se passou este mistério? Por que razão e com que finalidade o quis Deus?
Unamo-nos à alegria com que os bem-aventurados do Céu cantam os louvores da Mãe
de Jesus e nossa Mãe. Preparemo-nos para acolher a Palavra de Deus que nos
ajudará a responder a todas estas perguntas.
A festa da Assunção de Maria é a festa da assunção da Igreja. Maria
colabora no mistério da redenção, associando-se a seu Filho (LG 56). Sua
assunção é figura do que acontecerá com todos os seguidores de Jesus no fim dos
tempos. Porque Maria não é apenas a imagem (o reflexo), mas também a imagem
típica (o protótipo) da Igreja. A Igreja deve ser aquilo que Maria é. E,
enquanto peregrina neste mundo, a Igreja tem Maria como um sinal “até que
chegue o Dia do Senhor” (LG 68). O que celebramos na festa de hoje é a vitória
de Cristo sobre todos os poderes que tentam impedir o reino de Deus.
Celebramos, tendo Maria como sinal, a vitória da Igreja inteira sobre a morte e
o pecado.
No momento em que Ela entrou ao Céu, Ela foi coroada como Filha dileta
do Pai Eterno, como Mãe admirável do Verbo Encarnado e como Esposa fidelíssima
do Divino Espírito Santo. Nós devemos conceber a Assunção como um fenômeno
gloriosíssimo.
Infelizmente, os pintores da Renascença para cá não souberam descrever a
glória que cercou este espetáculo. Quando se quer glorificar alguém, todos se
põem nos seus melhores trajes; em casa exibem-se os melhores objetos,
ornamenta-se com flores, tudo aquilo que há de mais nobre é exibido para
glorificar a pessoa a quem se quer homenagear.
Esta regra da ordem natural das coisas é seguida também no Céu. Então, é
claro que o maior brilho da natureza angélica, o fulgor mais estupendo da
glória de Deus deve ter aparecido no momento em que Nossa Senhora subiu ao Céu.
Muitas vezes na história a presença dos anjos faz-se sentir de um modo
imponderável, embora não seja uma revelação deles. Mas nesta ocasião, deveriam
estar rutilantíssimos, num esplendor invulgar. É natural também que o sol tenha
brilhado de um modo magnífico, que o céu tenha ficado com cores variadas
refletindo a glória de Deus como numa verdadeira sinfonia.
É natural que as almas das pessoas que estavam na Terra tenham sentido
essa glória de um modo extraordinário, a verdadeira manifestação do esplendor
de Deus em Nossa Senhora. Nenhum dos esplendores da natureza se podia comparar
com o esplendor pessoal de Nossa Senhora subindo ao Céu.
À medida que Ela ia subindo, como num verdadeiro monte Tabor, a glória
interior d'Ela ia transparecendo aos olhos dos homens. O Antigo Testamento diz
d'Ela: omnis glória eius filia regis ab intus (Ps 44, 10) – toda a glória da
filha do rei lhe vem de dentro.
Com certeza essa glória interna d'Ela se manifestou do modo mais
estupendo quando, já no alto da sua trajetória celeste, Ela olhou uma última
vez para os homens, antes de deixar definitivamente este vale de lágrimas e
ingressar na glória de Deus.
Foi o fato mais esplendorosamente glorioso da história depois da
Ascensão de Nosso Senhor. Comparável apenas com o dia do Juízo Final em que
Nosso Senhor Jesus Cristo virá em grande pompa e majestade para julgar os vivos
e os mortos. Junto com Ele, toda reluzente da glória d'Ele, aparecerá também
Nossa Senhora. Nós devemos considerar aí a impressão que tiveram os apóstolos e
os discípulos quando A viram subir ao Céu.
A humildade é a explicação do mistério de Maria e da sua eleição. Ela
foi “cheia de graça” porque era vazia de si.
Para que Deus possa realizar “grandes coisas” também em nós, para que
possa conduzir-nos àquela glória final, alcançada por Maria, é necessário,
portanto, que nós também apresentemos estes dois requisitos: a fé e a
humildade.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
Leituras: Ap 11,
19; 12, 1-6.10; 1 Cor 15, 20-27; Lc 1, 39-56
A principal personagem que aparece no grande
sinal do céu não tem sua identidade imediatamente revelada pelo livro do
Apocalipse, é chamada apenas de “mulher”. Somente no desenrolar da narrativa é
que sua identidade fica clara.
A mulher é adornada pelos astros que a
envolvem, o que significa que ela é a coroação de todas as obras da criação.
Essa representação alude ao sonho de José, filho de Jacó (cf. Gn 37,9),
interpretado pelos sábios judeus como referência à vinda do reino onde tudo na
natureza e na história estaria submetido ao poder de Deus.
Em oposição à mulher está a figura tenebrosa
do dragão, descrito com características horripilantes, adornado pelos
principais símbolos do poder humano: chifres e diademas. O significado dessa
figura nos é dado pelo texto de Dn 7,24; trata-se dos governantes dos impérios,
são os poderes do mundo.
O dragão intenta fazer mal à mulher, mas ela é
levada para o deserto, lugar que Deus lhe tinha preparado, e ali é cuidada.
Então a mulher representa o novo povo de Deus. A Igreja, comunidade dos seguidores
de Cristo, enquanto aguarda a segunda vinda do Senhor, suporta as dificuldades
do deserto, situação onde o novo povo de Deus esperou para entrar na terra
prometida.
Enquanto essa cena se desenrola na terra,
especificamente no deserto, uma voz proclama que há uma nova realidade no céu:
ali o reino de Deus já acontece plenamente (v. 10). Cristo, o ser humano
plenificado e vitorioso, é a garantia de nosso acesso ao céu. Isso significa
que a mulher que ainda permanece no deserto pode ter certeza da vitória em sua
luta contra o dragão.
A Lei, em Dt 26,2, exigia que os primeiros
frutos (as primícias) fossem oferecidos ao Senhor para expressar a gratidão do
agricultor e o reconhecimento de que Deus era o responsável pela colheita.
Quando o israelita oferecia os primeiros frutos a Deus, estava agradecendo pela
colheita inteira. Os primeiros frutos saídos da terra eram parte da colheita, e
tão certo quanto as primícias são a prova de que há uma colheita, a
ressurreição de Cristo é a garantia de nossa ressurreição nele.
Cristo, primícias dentre os mortos, ascendeu
ao céu e ofertou a si mesmo a Deus como o representante de seus seguidores, ou
seja, da Igreja, que ascenderá depois dele. Não é somente o primeiro na ordem
do tempo que ressuscitou dos mortos (primeiro a sair de dentro da terra), mas é
o principal no que se refere à dignidade e importância, estando conectado com
todos os demais que vão ressuscitar. Cristo é o ser humano ressuscitado, e
nossa ressurreição é a partir dele. Portanto, nossas esperanças não são vãs,
nossa fé não é inútil e nós não seremos desapontados.
O evangelho de hoje está vinculado ao texto da
anunciação, como seu desenvolvimento. Ao ouvir a mensagem do anjo Gabriel em
relação à encarnação do Filho de Deus, tendo como sinal a gravidez de Isabel,
Maria se dirige prontamente para a região montanhosa.
A conexão entre esses trechos nos aponta duas
verdades sobre Maria: sua fé e seu compromisso com o reino. Com a fé que ela
demonstra na palavra de Deus, temos em Maria a verdadeira discípula, que ouve a
Palavra e a põe em prática. A fé na palavra de Deus gera compromisso, que leva
o discípulo a realizar na vida o que ouviu. É o que Maria nos mostra com seu
exemplo.
Maria é exemplo de discípula para quem
acredita no cumprimento das promessas divinas, porque ela mesma está à
disposição de Deus para servi-lo como instrumento dócil. Foi isso o que
aconteceu quando disse: “Eis a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua
palavra” (1,38). E, imediatamente, saiu para visitar sua prima. Ao chegar, é
saudada por Isabel, e algo de revelador acontece. O teor da saudação diz
respeito a duas realidades. A primeira refere-se à atitude crente de Maria. Ela
é bendita porque acreditou. Aqui é exaltada a sua fé. Foi sua total adesão à
palavra de Deus que operou um milagre em sua vida e na vida da humanidade: a
encarnação do Filho. Daqui passamos para a outra realidade da saudação: “e
bendito é o fruto do teu ventre!” Maria, que carrega no útero o Filho de Deus,
é identificada com a arca da aliança. No Antigo Testamento, a arca da aliança
era símbolo do encontro entre Deus e a humanidade. No útero de Maria dá-se o
encontro entre Deus e a humanidade, pois Cristo é verdadeiro Deus e verdadeiro
homem.
Maria representa a Igreja, que se compromete
com o reino pela fé na palavra de Deus e pela exigência de gerar o Cristo para
o mundo por meio do anúncio, do testemunho e do serviço.
PARA REFLETIR
Esta é a maior das festas da Santíssima Virgem
Maria; é a sua Assunção; a festa da sua entrada na glória, da sua plenitude
como criatura, como mulher, como mãe, como discípula de Cristo Jesus. Como um
rio, que após longa corrida deságua no mar, hoje, a Virgem Toda Santa deságua
na glória de Deus: transfigurada no Espírito Santo, derramado pelo Cristo, ela
está na glória do Pai!
Para compreendermos o profundo sentido do que
celebramos, tomemos as palavras de São Paulo:“Cristo ressuscitou dos mortos
como primícias dos que morreram. Com efeito, por um homem veio a morte e é também
por um homem que vem a ressurreição dos mortos. Como em Adão todos morrem, em
Cristo todos reviverão. Porém, cada qual segundo uma ordem determinada”. – Eis
a nossa fé, o centro da nossa esperança: Cristo ressuscitou dos mortos como
primícias dos que adormeceram. Ele é o primeiro a ressuscitar, ele é a causa e
o modelo da nossa ressurreição. Os que nele nascem pelo batismo, os que nele
crêem e nele vivem, ressuscitarão com ele e como ele: logo após a morte
ressuscitarão naquela dimensão imaterial que temos, núcleo da nossa
personalidade, a que chamamos “alma”; e, no final dos tempos, quando todo o
universo for glorificado, ressuscitaremos também no nosso corpo. Assim, em todo
o nosso ser, corpo e alma, estaremos, um dia, revestidos da glória de Cristo,
nosso Salvador, estaremos plenamente conformados a ele!
Ora, a Igreja crê, desde os tempos antigos,
que a Virgem Maria já entrou plenamente nessa glória. Aquilo que todos nós só
teremos em plenitude no final dos tempos, a Santíssima Mãe de Deus, já recebeu
logo após a sua morte. Ela é a “Mulher vestida de sol, tendo a lua debaixo dos
pés e sobre a cabeça uma coroa de doze estrelas”. Ela já está totalmente
revestida da glória do Cristo, Sol de justiça – e esta glória é o próprio
Espírito Santo que o Cristo Senhor nos dá. Ela já pisa a lua, símbolo das
mudanças e inconstâncias deste mundo que passa. Ela já está coroada com doze
estrelas, porque é a Filha de Sião, filha perfeita do antigo Israel e Mãe do
novo Israel, que é a Igreja. Assim, a Virgem, logo após a sua morte – doce como
uma dormição -, foi elevado ao céu, à glória do seu Filho em todo o seu ser,
corpo e alma. Aquela que esteve perfeitamente unida ao Filho na cruz (cf. Lc
2,34s; Jo 19,25ss), agora está perfeitamente unida a ele na glória. São Paulo
não dissera, falando do Cristo morto e ressuscitado? “Fiel é esta palavra: Se
com ele morremos, com ele viveremos. Se com ele sofremos, com ele reinaremos”
(2Tm 2,12). Eis! A Virgem que perfeitamente esteve unida ao seu Filho no
caminho da cruz, perfeitamente foi unida a ele na glória da ressurreição.
Aquela que sempre foi “plenamente agraciada” (Lc 1,28), de modo a não ter a
mancha do pecado, não permaneceu na morte, salário do pecado. Assim, o que nós
esperamos em plenitude para o fim dos tempos, a Virgem já experimenta agora e
plenitude. Como é grande a salvação que o Cristo nos obteve! Como é grande a
sua força salvífica ao realizar coisas tão grandes na sua Mãe!
Mas, a Festa de hoje não é somente da Virgem
Maria. Primeiramente, ela glorifica o Cristo, Autor da nossa salvação, pois em
Maria aparece a vitória sobre a morte, que Jesus nos conquistou. A liturgia
hoje exclama: “Preservastes, ó Deus, da corrupção da morte aquela que gerou de
modo inefável vosso próprio Filho feito homem, Autor de toda a vida”. Este
senhorio de Cristo aparece hoje radiante na sua Mãe toda santa: em Maria,
Cristo venceu a morte de Maria! Em segundo lugar, a festa de hoje é também
festa da Igreja, de quem Maria é Mãe e figura. A liturgia canta: “Hoje, a
Virgem Maria, Mãe de Deus, foi elevada à glória do céu. Aurora e esplendor da
Igreja triunfante, ela é consolo e esperança para o vosso povo ainda em
caminho”. Sim! A Mãe Igreja contempla a Mãe Maria e fica cheia de esperança,
pois um dia, estará totalmente glorificada como ela, a Mãe de Jesus, já se
encontra agora. Finalmente, a festa é de cada um de nós, pois já vemos em Nossa
Senhora aquilo que, pela graça de Cristo, o Pai preparou para todos nós: que
sejamos totalmente glorificados na glória luminosa do Espírito do Filho morto e
ressuscitado. Aquilo que a Virgem já possui plenamente, nós possuiremos também:
logo após a morte, na nossa alma; no fim dos tempos, também no nosso corpo!
Estejamos atentos! A festa hodierna recorda o
nosso destino, a nossa dignidade e a dignidade do nosso corpo. O mundo atual,
por um lado exalta o corpo nas academias, no culto da forma física, da moda e
da beleza exterior; por outro lado, entrega o corpo à sensualidade, à
imoralidade, à droga, ao álcool… É comum escutarmos que o que importa é o “espírito”,
que a matéria, o corpo passa… Os cristãos não aceitam isso! Nosso corpo é
templo do Espírito Santo, nosso corpo ressuscitará, nosso corpo é dimensão
indispensável do nosso eu. Um documento recente da Igreja sobre a relação
homem-mulher, chamava-se atenção exatamente para essa questão: o corpo em si,
para o mundo, parece que não significa muita coisa, que não tem uma linguagem
própria, que não diz algo do que eu sou, da minha identidade – inclusive
sexual. Para nós, cristãos, o corpo integra profundamente a personalidade de
cada um: meu corpo será meu por toda eternidade; meu corpo é parte de minha
identidade por todo o sempre! Honremos, então nosso corpo: “O corpo não é para
a fornicação e, sim, para o Senhor e o Senhor é para o corpo. Ora, Deus, que ressuscitou
o Senhor, ressuscitará também a nós – em nosso corpo- pelo seu poder.
Glorificai, portanto, a Deus em vosso corpo” (1Cor 6,14.20).
Então, caríssimos,
olhemos para o céu, voltemos para lá o nosso coração! Celebremos! Com a Virgem
Maria, hoje vencedora da morte, com a Igreja, que espera, um dia, triunfar
totalmente como Maria Virgem, cantemos as palavras da Filha de Sião, da Mãe da
Igreja, pensando na nossa vitória: “A minha alma engrandece o Senhor e o meu
espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua
serva. O Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor!” A ele a glória pelos
séculos dos séculos. Amém.
* No Brasil, caso não caia num domingo, esta solenidade é celebrada no primeiro domingo após o dia 15. Onde esta solenidade é celebrada sempre no dia 15, caso não seja num domingo, celebra-se a liturgia do dia no domingo seguinte.
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