O chamado “mundo LGBT” tem tido uma nova
prioridade: negar a todo custo a existência da teoria de gênero.
Devemos reconhecer que, na verdade, eles nunca
definiram as suas ideias como uma "teoria" propriamente dita, mas é
legítimo usar esse termo porque o corpo de ideias que eles defendem pode ser
enunciado a partir de duas convicções específicas.
A primeira declaração da teoria de gênero é que
existiria uma sexualidade específica (ou "dado biológico") e um gênero
distinto (ou "dado psicológico"). Ou seja: um ser humano pode ser
masculino-homem ou feminino-mulher quando há coincidência entre o sexo
biológico e o gênero; mas também poderia ser masculino-mulher ou
feminino-homem, no caso em que o sexo biológico e o gênero não coincidem. Tudo
isso é apresentado como "normal", palavra insistentemente presente na
terminologia LGBT.
A segunda afirmação da teoria de gênero é que seria
possível escolher de forma autônoma o gênero “preferido” (ou “sentido”),
prescindindo do fato biológico. Teria sido a sociedade quem nos impôs os
gêneros identificados à força com o dado biológico. A partir de agora, porém,
deveríamos ficar cientes de que as crianças podem crescer “livres” desses
“estereótipos” e ter a oportunidade de decidir “livremente” o seu gênero,
mediante uma educação que não fizesse distinções entre meninos e meninas.
Estas afirmações fazem parte de uma teoria complexa
que procura legitimar a “sexualidade mutável” ou “líquida” em nome de uma
“autonomia sexual” que permita a cada um escolher a própria identidade sexual
(com ou sem cirurgia de mudança de sexo).
Uma parcela relevante da ciência médica, no
entanto, enxerga estas crenças como uma patologia mental, definindo o
transexualismo como um "transtorno de identidade de gênero" no Manual
Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais e explicando-o como "o
desejo persistente das características físicas e dos papéis sociais que conotam
o sexo biológico oposto". De acordo com o manual, portanto, existe apenas
o sexo biológico; desejar ser diferente daquilo que naturalmente se é seria
sintoma de um distúrbio mais profundo.
O chamado “mundo LGBT” percebeu que a sociedade
identifica as suas convicções com uma "teoria", o que torna mais
difícil entrar nas escolas e incutir tais ideias na sociedade futura. Assim, as
associações homossexuais parecem ter mudado de estratégia e agora passam a
acusar o Vaticano de ter inventado a existência da teoria de gênero.
É curioso, porém, que, mesmo negando a existência
da teoria como tal, os expoentes das convicções LGBT continuam afirmando o seu
conteúdo. Um exemplo marcante é o da filósofa Chiara Lalli, que passou a
afirmar que a alma não existe, que o instinto materno não é uma característica
feminina natural e inata e que abortar é “normal” (de novo esta palavra tão em
voga). É uma posição ideológica que se revela imediatamente, por mais que a
filósofa esteja empenhada em negar a existência da teoria de gênero e tachá-la
de "um inimigo que imaginaram ou construíram".
O caso é que Lalli, ao negar a existência da teoria
de gênero, descreve exatamente... a teoria de gênero! Ela apresenta o conteúdo
da teoria sem chamá-la de teoria, sustentando-a como se fosse verdade
científica. A biologia, segundo ela, não nos divide em masculino e feminino:
“Há muitas possibilidades intermediárias”, como o hermafroditismo, a síndrome
de Morris, a síndrome de Swyer, a síndrome de Turner e a síndrome de
Klinefelter. A questão é que não se trata de "possibilidades
intermediárias" entre o masculino e o feminino, mas sim de patologias
genéticas, conforme indicado pelo termo "síndrome", sendo algumas
delas relacionadas especificamente ao sistema reprodutivo. Uma patologia não é
uma “possibilidade intermediária”.
Depois dessa tentativa de demonstrar que até a
sexualidade biológica seria “líquida”, Lalli procurou também teorizar a
existência do gênero sexual como diferente da sexualidade biológica: "É
possível ser do sexo masculino e ter uma identidade sexual masculina ou
feminina (ou ambígua, oscilante, mutante). Nada disso é inerentemente
patológico ou errado, e, acima de tudo, aquilo que é ‘feminino’ ou ‘masculino’
é profundamente determinado culturalmente, tanto que os papéis masculinos e
femininos mudam no tempo e no espaço". Em resumo, Chiara Lalli definiu
claramente em que consiste a "teoria do gênero", muito embora não
queira chamá-la de teoria (além do mais, ela contraditoriamente tenta defender
o relativismo apelando para adjetivos como "certo" e
"errado").
Por ironia, esta explicação oferecida por ela
coincide com a que foi dada por Bento XVI, em 2012, quando ele disse: "De
acordo com a filosofia do gênero, o sexo não é mais um fato original da
natureza, que o homem deve aceitar e preencher pessoalmente de sentido, mas sim
um papel social que se decide de forma autônoma e que, até agora, teria sido
decidido pela sociedade. O profundamente errôneo desta teoria e da revolução
antropológica subjacente a ela é evidente. O homem contesta uma natureza
pré-constituída pela sua corporeidade, que caracteriza o ser humano. Nega a
própria natureza e decide que ela não lhe é dada como um fato pré-constituído,
mas que é ele próprio quem a cria. Não é mais Deus quem nos criou homens e
mulheres, mas a sociedade quem teria nos determinado; e, agora, nós mesmos é
que decidiríamos sobre isto".
A Enciclopédia Treccani diz o seguinte sobre a
teoria do gênero: "A cultura ‘gender’ leva à ideia de que a diferença
entre masculino e feminino não coincide necessariamente com a diferença entre
macho e fêmea, porque as características de gênero (ou estereótipos) seriam
resultado de uma construção cultural. O contraste entre sexo e gênero marca a
transição da visão unitária da identidade sexual de um indivíduo – que, a
partir da consciência de uma corporeidade masculina ou feminina, desenvolve
gradualmente uma identidade psíquica definida (masculinidade ou feminilidade) –
a uma visão dualista da sexualidade, não só distinguindo, mas separando os
elementos biológicos da identidade sexual (sexo) do complexo de papéis, funções
e identidades apreendidos e culturalmente estruturados (feminilidade e
masculinidade). Emerge, assim, uma concepção autônoma do pertencimento a um
gênero, concebida como o resultado de uma escolha cultural do indivíduo,
distinta da sua corporeidade".
A enciclopédia prossegue: "A perspectiva de
gênero coloca em discussão o fundamento biológico-natural da diferença entre os
sexos: feminilidade, masculinidade, heterossexualidade e maternidade não são
mais considerados estados naturais, mas estados 'culturais', que não são
definitivos nem determinantes. Em outras palavras, a utilização do termo
‘gênero’ em vez do termo ‘sexo’ abre a possibilidade de não mais se definir a
pessoa a partir da sua estrutura biológica (corpo), podendo-se defini-la de
acordo com a sua 'autocompreensão' psicossocial. Segue-se disto que a
identificação exclusiva da pessoa como gênero, e não como ser sexuado a partir
de uma corporeidade, leva à neutralização da identidade sexuada. A pessoa,
assim, não é mais valorizada na sua individualidade sexuada, no seu ser-homem
ou ser-mulher, mas achatada numa indiferença em que homens e mulheres são
percebidos como simplesmente ‘iguais’, com todas as diferenças biológicas, de
papel e de caracteres anuladas, esquecendo-se do significado essencial da
bipolaridade sexual e da sua estrutura objetiva". Há, portanto, um indício
da origem da teoria de gênero na ideologia comunista.
“A realização da identidade sexuada do indivíduo”,
complementa a enciclopédia, “que se manifesta no seu ser-homem ou ser-mulher e
que se explicita nas finalidades da sexualidade (a reprodução e a continuidade
entre as gerações), pressupõe necessariamente uma dimensão corpórea definida,
com base na qual o sujeito possa desenvolver uma identidade psíquica, perceber
o valor da diversidade sexual e lidar com ela”.
O papa Francisco tem deslegitimado corajosamente
essa teoria pseudocientífica perante o mundo inteiro, inclusive incentivando os
defensores dessas visões de mundo a se amarem tais como foram criados e a
refletirem sobre os porquês desta “necessidade urgente” da sociedade atual de
fugir de si mesma.
Unione Cristiani Cattolici Razionali
Disponível: Aleteia
Nenhum comentário:
Postar um comentário