Não é de hoje
que a infamante tentativa de legalização do aborto espreita de maneira
detestável a ordem pública. E se a sua horrenda prática é repugnante
quando defendida por uma militância que não sabe como anda e respira ao mesmo
tempo, o que dirá quando a tentativa de legitimá-la parte de autoridades que,
por dever de ofício, deveriam garantir a estabilidade e segurança social, com
três agravantes: o fazem ao arrepio da lei, de forma sorrateira e num dia
em que a nação inteira foi abatida pela notícia de um trágico acidente aéreo?
Afinal, o que
esperar de um país que promove a morte de inocentes? A resposta não é tão
simples e por mais louvável que seja observar e concluir que a sociedade hoje,
em muitos aspectos, se assemelha a determinados contextos da história do povo
de Israel, é urgente compreender como a legalização do aborto ameaça,
gravemente, o futuro de todos nós e, por isso, é tão necessário
combatê-la.
O discurso definitivamente
não é religioso, mas antes de tudo político e jurídico.
Aborto
Não é recente a
realização de seminários que tratam de estratégias para a descriminalização do
aborto no Brasil, importando destacar que as organizações não governamentais,
que defendem a sua legitimação, são financiadas por indústrias interessadas
que, cada vez mais, mulheres adiram à prática.
Por essa razão é
comum que tais ONGs não empenhem esforços na defesa e promoção de políticas
públicas que beneficiem, efetivamente, o sexo feminino, sua dignidade e
singularidade sob o ponto de vista humano e social, limitando-se a colocar as
mulheres sempre em dicotomia com o sexo masculino, como se por imposição social
restasse a elas apenas duas opções: se rebelarem contra o “sistema”, negando a
sua natureza feminina, que é geradora de vida em todos os sentidos ou
submeterem-se às mais diversas sortes de violência.
A verdade nua e
crua é que os argumentos pró-aborto, geralmente pautados em pesquisas
falaciosas, desenvolvidas sem qualquer critério científico, e comprovadamente
com muitos erros técnicos (e éticos), por entidades partidárias de um
determinado segmento comercial, ignoram o perfil procriador do sexo feminino,
mutilando, assim, a sua integridade, já que faz parte do negócio incentivar as
mulheres a repudiar aquele ser que ela concebeu, na plenitude de si, espoliando
por via indireta os direitos, de um e de outro, que devem ser acolhidos e
protegidos pela sociedade.
O
problema da decisão no Supremo Tribunal Federal
O contexto
processual, que gerou a liberação dos médicos abortistas – assim chamado, pois
de fato praticaram o aborto e não foi a primeira vez –, e, “sugeriu” a
descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação, aconteceu nos autos
de um habeas corpus, que discutia a legalidade técnica da manutenção da prisão
preventiva dos acusados, ou seja, o tipo penal ao qual respondiam os
impetrantes, não fazia parte do libelo.
É fato que a
“sugestão”, embora não vincule em decisões outras, inclusive em instâncias
inferiores, foi levada a termo, e abriu, de forma intencional, um precedente
argumentativo, que fere o entendimento da norma positiva, promovendo uma
prevaricação jurídica de grande monta, pois claramente carece de embasamento
jurídico, processual, ético e científico, pondo em risco toda a
sociedade.
Não abordamos
aqui, especificamente, a questão da ausência de legitimidade dos julgadores
quanto à questão da ilegalidade do ato de tomar para si a competência de
legislar, em afronta ao princípio da independência dos poderes, posto que se
trata de uma aberração à parte.
O fato é que o
aborto é um crime contra a vida, conforme o normativo constitucional (art. 5º),
o Pacto de São José, ao qual o Brasil é signatário, e que declara a
inviolabilidade da vida desde a concepção e, os Códigos Penal (art. 128) e
Civil (art.2), não sendo lícito o judiciário mudar isso, nem mesmo sob o
argumento da livre interpretação da lei.
Cabe lembrar que
a “sugestão” proferida nos autos do habeas corpus já nos adianta o que podemos
esperar do julgamento da ação que visa legalizar o aborto de crianças com
microcefalia, infectadas pelo Zika Vírus, marcada para o próximo dia 7 de
dezembro.
Mesmo sem amparo
legal e ainda que os registros médicos recentes demonstrem a evolução no tratamento
que visa à melhoria da qualidade da vida dessas crianças, caso a opinião
pública não se insurja contra tamanha afronta jurídica e humana, estaremos
diante do horror da prática da eugenia institucionalizada.
E assim, não é
um exagero afirmar que se uma vez legalizada a eugenia no Brasil, estaremos a
poucos passos para a legalização também da eutanásia.
O que tudo isso
significa na prática? O que podemos esperar com a desvalorização e descarte da
pessoa humana? Estaremos todos, desde a concepção até a morte, a mercê de
interesses que definitivamente não nos protegem.
O falso
discurso de proselitismo
A contraposição
à fé e até o escárnio sobre ela são, sem dúvida, instrumentos utilizados para
abrir os caminhos para se alcançar a meta ideológica de tais grupos, que
também, cada vez mais, investem em desestabilizar e destruir a família,
alicerce da sociedade civil. Porém, para eles, não se trata de combater a fé,
pela fé, mas combater os valores absolutos e, portanto, sacros que nela estão
inseridos.
E porque a
Igreja defende a vida, a dignidade da pessoa humana e a família, tornou-se um
obstáculo para os organismos pró-aborto e de ideologia de gênero, e isso
explica a razão dos discursos que defendem, por exemplo, a retirada dos
símbolos da fé cristã, em especial, dos órgãos públicos, sob a frágil alegação
de que o Estado é laico e que mantê-los expostos é prova do proselitismo
religioso.
No mesmo
sentido, é a oposição do ensino religioso confessional nas escolas e as
tentativas de tornar igualitária a união de pares e o casamento.
A ação de tais
grupos gira assim em torno da imposição de uma ditadura sectarista, com
objetivo de acabar com tudo o que remete à cultura judaico-cristã, e para isso
alguns militantes já ameaçam, expressamente, pegar em armas para alcançar seus
objetivos sindicais.
Tais grupos
usurpam a liberdade democrática e se articulam para que em toda base
educacional, cultural e jurídica da sociedade seja desconstruída e, sobre ela,
criada uma nova realidade, na qual a submissão ao sistema, lardeada de
políticas populistas, visam silenciar a população.
Desta forma
reafirma-se que o discurso não é religioso; o que temos diante de nós é uma
articulação de domínio político, que busca sua legitimidade de forma ardilosa,
numa afronta ao Estado Democrático de Direito e contra os valores sociais
concebidos através da dinâmica histórica e cultural que permeiam a nação
brasileira.
Michelle
Figueiredo Neves,
Ministra do
Acolhimento
______________________________________
Arquidiocese
do Rio de Janeiro
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