No contexto do Sermão da Montanha (bem-aventuranças),
conforme São Mateus vai contando, Jesus, como o novo Moisés, vem implantar uma
Justiça Nova superior à antiga. Esta justiça nova não ab-roga as leis antigas,
mas as supera e as aperfeiçoa baseada que está sobre o fundamento do mandamento
maior da Caridade, do Amor, da Misericórdia. Na sequência do Evangelho, no
trecho lido na Missa de hoje - Mt 5,38-48) - Mateus registra mais dois “ditos”
de Jesus, isto é, dois ensinamentos com os quais Ele avança no aperfeiçoamento
da lei em vigor, a saber “não vingar-se mas ceder” e “amar até seus inimigos”.
Eis, em
síntese, como Jesus fala quanto a “não vingar-se, mas ceder”: “Vós ouvistes o
que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente!’ Eu, porém, vos digo, não
enfrenteis quem é malvado! Pelo contrário, se alguém te dá um tapa na face
direita, oferece-lhe também a esquerda! Entregue também o manto a quem te leva
ao tribunal para tirar-te a túnica...”.
Quanto a
“amar até seus inimigos”: “Vós ouvistes o que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e
odiarás o teu inimigo!’ Eu, porém, vos digo, amai os vossos inimigos e rezai
por aqueles que vos perseguem!”. “Com efeito, se amais aos que vos amam, que
recompensa tendes? Não fazem também os publicanos a mesma coisa? E se saudais
apenas os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem também os gentios a
mesma coisa?”.
Por fim,
Jesus, indicando como o ponto mais alto do alcance da Justiça Nova e como
medida do amor humano a perfeição divina, arremata dizendo: “Sede perfeitos
como o vosso Pai celeste é perfeito”. O Pai é assim: “faz nascer o sol sobre
maus e bons e faz cair a chuva sobre justos e injustos”. Jesus também orientou
os seus discípulos, em outra ocasião, de perdoar até setenta vezes sete, isto
é, sempre.
Como é
sabido, só o amor vence o mal e constrói a paz. “O amor vem de Deus, e todo
aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus” (1Jo 4,7). E quem ama como Deus
ama sabe que corre o risco de sofrer e de até perder a vida pela pessoa amada.
Basta olhar para Jesus Cristo que não só deu a outra face para ser batida como
teve todo o seu corpo desfigurado pela flagelação e morreu pregado na cruz.
Então, não há vivência da justiça nova, caridade, amor, misericórdia sem algum
perigo de vida. Que nenhum discípulo de Cristo duvide disso! No entanto, que
ninguém deixe de acreditar que a força desse amor é imbatível, derrota o
pecado, constrói a fraternidade, gera vida nova. Além do mais, Jesus disse:
“Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7). E de que
mais precisamos nós todos senão da misericórdia de Deus. Não é verdade?
Li num
pensador não religioso - mas que admiro embora discorde em muita coisa que ele
diz - que na nossa vida pública prevalece a mentira moral porque está baseada
na presunção das virtudes, mas que ninguém as vive. As virtudes e os virtuosos,
segundo esse pensador, são uma raridade no mundo de hoje. Em outras palavras,
um contrato social baseado nas virtudes que ninguém vive é, por isso, um
contrato falido, que não garante nada. Como entre nós hoje é publicamente
reconhecido que para além da crise econômica, política e social que assola o
nosso país há a dura realidade de uma crise mais profunda, a crise da ética, da
moral, portanto, da ausência da prática das virtudes, então, está aí a prova da
falsidade das virtudes e da mentira moral, base da vida pública. Todo mundo do
politicamente correto gosta de proclamar que defende os valores e que pauta
sobre os valores a sua vida no âmbito privado e público, pessoal e familiar,
profissional e social, religioso e eclesial. Falar dos valores bem como dos
vícios é mais fácil, porque vira dissertação teórica, coisa ligada ao
conhecimento, aos estudos. E deitar sabedoria e ciência, sobretudo, em assunto
complexo como esse enche a cabeça de vaidade, o que é perigoso porque a vaidade
é a mãe de todos os pecados. Entrar, porém, no tema das virtudes é
constrangedor, problemático, porque como coisa prática toca a vida da pessoa e
falar de si mesmo é difícil. Porque no fundo é responder à pergunta: sou
virtuoso ou não sou? Até mesmo entre nós, pessoas religiosas, falamos com
facilidade sobre justiça social, amor ao próximo, fraternidade, comunidade,
etc. Sobre a corrupção no país, dissertamos com desenvoltura, conhecendo os
meandros dessa praga moral que destrói a pátria para contrapor o valor da
honestidade que defendemos com unhas e dentes. Agora, quanto ao abordar as
virtudes, a pergunta que vem não é se a sociedade ou o Estado é virtuoso ou
não, mas se eu e você praticamos tais virtudes, como trabalhamos para pôr em
prática aquelas nas quais somos mais fracos e como lutamos bravamente para vencer
a tentação dos vícios. E no jogo da vida ninguém gosta de entrar nessa bola
dividida entre virtude e vício. Ninguém quer se machucar.
No contexto
do Evangelho de hoje, no que diz respeito à justiça perfeita a que Jesus se
refere Ele proclama “Bem-aventurados os puros de coração, ou seja, os virtuosos
que combatem os vícios e se esforçam para ser misericordiosos até com os
inimigos como o Pai do céu é misericordioso”.
Dom Caetano
Ferrari
Diocese de Bauru
Nenhum comentário:
Postar um comentário