“Quem vos ouve, a mim ouve; e quem
vos rejeita, a mim rejeita;
e quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (Lc 10,16).
Realmente tenho que reconhecer que na Modernidade
há coisas bem curiosas, especialmente no meio católico. Como alguém pode se
dizer católico e negar o que a Igreja ensina? Como alguém pode se dizer
católico e ficar dando ouvidos aos gurus?
Pois é exatamente isso que está acontecendo
hoje. Infelizmente isso não é novo. De tempos em tempos os católicos são
arrastados a resistirem à Igreja. A razão é sempre a mesma: são seduzidos por
argumentos de quem se acha o guardião da Ortodoxia Católica.
Até mesmo o perfil psicológico destes “gurus” não
muda. São pessoas de grande piedade, parecem demonstrar grande amor à Igreja,
possuem um enorme poder de sedução, apresentam-se sempre com muita humildade,
porém esta máscara logo cai quando são contrariadas. São pessoas de mentalidade
estreita e de grande orgulho. Ensinam suas próprias convicções como se fossem o
sumo da doutrina católica.
Muitas vezes temos dificuldade de entender algo que
a Igreja expõe, seja pela grandeza da matéria, pela erudição da exposição ou
ainda por causa da abertura dos termos que ela utiliza. Que fiel no séc. IV
entendeu o que a Igreja quis dizer com “consubstancial ao Pai”?
Ora, nós somos limitados, mas a Igreja goza de
assistência especial do Espírito Santo. Por isso devemos confiar nela e não nos
“gurus” que normalmente nem fazem parte da Igreja docente. Se há um ponto
difícil de entender na exposição da doutrina, ou uma contradição aparente em
relação ao que sempre foi ensinado, cabe ao Magistério da Igreja explicá-lo.
Especialmente no que diz respeito ao Concílio do
Vaticano II, a má vontade dos tradicionalistas em encontrar na letra do
Concílio a perene Doutrina da Igreja é notória. Em resumo, encontram “chifres
em cabeça de cavalo”, pois dizem que os documentos do Concílio ensinam erros
que lá não estão e pelo fato do Concílio não ter sido dogmático, complementam
alegando que é legítimo recusar seus ensinamentos.
Primeiramente ensina o Código de Direito Canônico:
Cân. 337 § 1. O Colégio dos
Bispos exerce seu poder sobre toda a Igreja, de modo solene, no
Concílio Ecumênico. § 2. Exerce esse poder pela ação conjunta dos Bispos espalhados
pelo mundo, se essa ação for, como tal, convocada ou livremente aceita
pelo Romano Pontífice, de modo a se tornar verdadeiro ato colegial.
Cân. 341 § 1. Os decretos do
Concílio Ecumênico não têm força de obrigar, a não ser que, aprovados
pelo Romano Pontífice junto com os Padres Conciliares, tenham sido por ele
confirmados e por sua ordem promulgados. § 2. Para terem força de
obrigar, precisam também dessa confirmação e promulgação os decretos
dados pelo Colégio dos Bispos, quando este pratica um ato propriamente
colegial, de acordo com outro modo diferente, determinado ou livremente
aceito pelo Romano Pontífice. (grifos meus).
O Concílio do Vaticano II foi Ecumênico, logo, nele
a Igreja exerceu seu poder solene sobre toda Igreja e foi livremente convocado
pelo Pontífice Romano, conforme o cân. 337. Seus decretos foram confirmados e
promulgados pelo Papa, logo tem poder de obrigar toda a Igreja, conforme o cân.
341, ao contrário do que ensinam os tradicionalistas. A confirmação de que toda
Igreja também deve aceitar os ensinamentos não dogmáticos encontramos no cân.
752, onde lemos:
Cân. 752 Não assentimento de fé,
mas religioso obséquio de inteligência e vontade deve ser prestado à doutrina
que o Sumo Pontífice ou o Colégio dos Bispos, ao exercerem o magistério
autêntico, enunciam sobre a fé e os costumes, mesmo quando não tenham a
intenção de proclamá-la por ato definitivo; portanto os fiéis procurem evitar
tudo o que não esteja de acordo com ela (grifos meus).
Em At 15 a Escritura nos dá chance de conhecer
alguns dos decretos do Concílio de Jerusalém, como a carta enviada para os
cristãos de Antioquia:
Os apóstolos e os anciãos aos
irmãos de origem pagã, em Antioquia, na Síria e Cilícia, saúde! Temos
ouvido que alguns dentre nós vos têm perturbado com palavras, transtornando os
vossos espíritos, sem lhes termos dado semelhante incumbência. Assim nós nos
reunimos e decidimos escolher delegados e enviá-los a vós, com os nossos amados
Barnabé e Paulo, homens que têm exposto suas vidas pelo nome de nosso Senhor
Jesus Cristo. Enviamos, portanto, Judas e Silas que de viva voz vos exporão as
mesmas coisas. Com efeito, pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor
outro peso além do seguinte indispensável: que vos abstenhais das carnes
sacrificadas aos ídolos, do sangue, da carne sufocada e da impureza. Dessas
coisas fareis bem de vos guardar conscienciosamente. Adeus! (At 15,24-29).
Será que estas determinações foram dogmáticas? Se
foram, porque não as observamos hoje? Mesmo não sendo dogmáticas foram
entregues pelos apóstolos para serem observadas. Completa a Escritura: “Nas
cidades pelas quais [Paulo e Timóteo] passavam, ensinavam que observassem as
decisões que haviam sido tomadas pelos apóstolos e anciãos em Jerusalém” (At 16,4)
Também naquele tempo não faltaram os
tradicionalistas que diziam que Jesus afirmou a não abolição da Lei (cf. Mt
5,17). Com efeito, estes conhecidos hoje como ebionitas, não aceitaram o
Concílio de Jerusalém.
Em todo tempo, Concílio após Concílio, nunca faltou
o grupo dos “iluminados”, dos “verdadeiros detentores da ortodoxia”, que viam
nas novas definições, nas novas formas da Igreja expor a Doutrina, novidades ou
heresias.
Em nosso tempo a história se repete, mas com outros
protagonistas e outras polêmicas. Também com uma característica bem diversa: o
cisma não é formal como antes, é informal, por isso a dificuldade dos católicos
identificarem estas pessoas como não-católicas.
Os tradicionalistas fazem tanto mal aos fiéis
quanto os modernistas. Mostram-se tão católicos quanto os vétero-católicos e os
ortodoxos.
Ser católico é ter a Igreja como Mãe e Mestra. Um
filho que é obediente na infância, mas se nega a sê-lo na adolescência quando a
Mãe lhe transmite novas normas, recusa sua filiação e impõe na família uma
desordem não querida por Deus.
Aliás, sítios tradicionalistas que adoram tomar
textos do Card. Ratzinger à revelia, mostrando notória desonestidade,
esqueceram de divulgar o seguinte trecho: o Vaticano II é sustentado pela
mesma autoridade que sustenta o Vaticano I e o Concílio de Trento, a saber, o
Papa e o Colégio dos Bispos em comunhão com ele…Também com respeito ao seu
conteúdo, o Vaticano II está na mais estreita continuidade com ambos os
concílios anteriores e incorpora os seus textos palavra por palavra nos pontos
decisivos.
É impossível para um Católico
tomar posição pró ou contra Trento ou o Vaticano I. Quem
aceita o Vaticano II, como ele claramente se expressou e se entendeu a si
mesmo, ao mesmo tempo aceita a inteira tradição da Igreja Católica,
particularmente, os dois concílios anteriores […] Da mesma forma é
impossível decidir a favor de Trento e do Vaticano I mas contra o Vaticano II. Quem
quer que negue o Vaticano II nega a autoridade que sustenta os outros concílios
e os separa dos seus fundamentos. Isto se aplica ao assim chamado
‘tradicionalismo’ […] Uma escolha partidária destrói o todo, a própria
história da Igreja, que só pode existir como uma unidade indivisível (The
Ratzinger Report: An Exclusive Interview on the State of the Church by Joseph
Cardinal Ratzinger; Ignatius Press, San Francisco, 1985, pgs.28-9).
Ora, é o próprio Card. Ratzinger, hoje Papa Bento
XVI que afirma que é impossível ser católico e negar o Concílio do Vaticano II,
que é impossível ser católico e ser tradicionalista. Como bem se vê, engana-se
redondamente quem pensa que os escritos do Card. Ratzinger são
tradicionalistas. Ele, homem de personalidade forte e firme na ortodoxia, não
ensinaria uma coisa em um lugar e outra
em outro. O método dos tradicionalistas é o mesmo usado pelos calvinistas quando deturpam os textos de Santo Agostinho.
em outro. O método dos tradicionalistas é o mesmo usado pelos calvinistas quando deturpam os textos de Santo Agostinho.
Quem colabora com estes grupos (Fraternidade
Sacerdotal São Pio X, Associação Cultural Montfort, Permanência e etc) não
colabora com a Igreja e viola o cân. 752 do Código de Direito Canônico.
Quem pretende ser católico deve colaborar com a
Santa Igreja Católica, admitindo tudo que ela ensina, inclusive no Concílio do
Vaticano II, pois nos ensinou o Senhor: “Quem não está comigo está contra
mim; e quem não ajunta comigo, espalha” (Mt 12,30).
Prof. Alessandro Lima
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Canção Nova/
Prof Felipe Aquino
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