“Onde dois ou três estão reunidos em meu nome,” diz Jesus, “aí estou eu no meio deles.” É marca de uma época narcisista
as pessoas passarem a interpretar essas palavras como se elas sugerissem que
Jesus torna-se presente por meio de nossa comunidade, pois trata-se justamente
do contrário. A única razão de estarmos reunidos é que Jesus já nos uniu. Nos
reunimos não em nossos nomes, mas no nome dEle. Foi Ele quem nos convidou a
sair da escuridão de nosso egoísmo rumo à Sua maravilhosa luz.
A lei que nos diz estarmos unidos de verdade somente a partir de cima, não por poder nosso, mas através da renúncia ao poder de algo que nos transcende, confirma-se, conforme Dietrich von Hildebrand expõe, até na ordem natural. “Nós não devemos esquecer” diz ele, “que os valores possuem o poder de unificar; e quanto maior o valor em questão, maior é o seu poder. Ao contemplar um valor, ao assimilá-lo, a alma do indivíduo não é apenas trazida de volta a si, como se acordasse de suas distrações, mas a barreira que a isolava dos outros homens é superada.” Quando dois homens de grande sensibilidade escutam a Paixão Segundo São Mateus, de Bach, as distinções políticas e de classe desaparecem. Se rivais de negócios ou irmãos em conflito de repente presenciam um grande ato de heroísmo, os pensamentos que os endureciam perdem força em seus corações, e toda divisão torna-se pequena; eles apreciam o calor da bondade como pessoas que, após sair de uma caverna, observam o sol e uma à outra através de sua luz.
Beleza e majestade não são acessórios estéticos, mas a essência mesma dos valores, com poder de formar uma comunidade, e, principalmente, a liturgia. Quando vamos a um jogo de futebol, podemos apreciar o companheirismo de outros torcedores nas arquibancadas, e não há nada de errado nisso, mas esse companheirismo é frágil e efêmero. A liturgia, no entanto, “combina uma santa sobriedade com um ardor fervoroso, uma eterna calma com a mais profunda emoção, medo santo com sagrada alegria, e uma paz celestial.” A liturgia pode ter esse efeito porque, apesar de empregar nossas linguagem, gestos e arte, não é nossa em sua essência, mas do Cristo. Hildebrand diz: “A Liturgia é o Cristo rezando.” Em Cristo, podemos nos tornar Um, visto que o Cristo mesmo é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, a pessoa humana consumada. Em Deus nossas particularidades são fundamentadas, e em Cristo elas são reunidas em uma comunhão polifônica de amor e louvor.
Hildebrand nos dá exemplos poderosos de como isso acontece. Considera as palavras de São Paulo, que costumavam ser recitada nas Vigílias Pascais: “Mantenham o pensamento nas coisas do alto, e não nas coisas terrenas. Pois vocês morreram, e agora a sua vida está escondida com Cristo em Deus.” Pois vocês morreram: essas palavras atingem com o abalo de uma temível e misteriosa revelação. Nós entendemos o recado, e esperamos habitar sobre o Corpo de Cristo na sepultura, naquele período morto entre a Cruz e quando a pedra foi removida do túmulo. Mas tem mais coisa: ouvimos que estamos mortos também. Morremos com o Cristo no batismo. Estamos morrendo para nós mesmos e para o mundo. Não devemos mais nos importar com as coisas que são terrenas. Não devemos nos obcecar com os túmulos à mostra em beiras de estrada. O mundo sente falta disso, mas nossa vida está escondida com Cristo em Deus, como a primeira Páscoa estava escondida na terra; melhor, escondida na providência do Pai.
Em outras palavras: na liturgia, as palavras de um profeta ou de um santo são levadas à comunicação com diferentes eventos, seres humanos e obras de Deus. Não que o Velho Testamento simplesmente seja um prenúncio do Novo, e nem que o Velho deva ser dispensado. A Liturgia transfigura a individualidade. Nós nos lembramos quando, no Monte Tabor, Jesus foi visto ao lado de Moisés e Elias, e estes, do Velho Testamento, estavam conversando com Ele; igual à leitura do Velho Testamento, os salmos, as epístolas e os Evangelhos estão em contínua comunicação um com o outro na oração do Cristo, a liturgia.
O espírito da liturgia indica que um homem não se torna quem é até que se una à sinfonia. “Um homem isolado”, diz Hildebrand, “aquele que não está ciente da ligação objetiva última que o vincula a todos os outros homens diante de Deus está dormindo; é um homem imaturo, pode-se dizer que até mutilado.” Pense na solidão do homem moderno, que é encorajado a prostar-se em adoração à abstração “escolher” – quando a liberdade de escolha é a única coisa que importa - , mas se se trata desta ou daquela escolha, para ele não importa. Um homem assim aprecia a companhia de outros como ele, mas não a amizade profunda fundada sobre comum reverência por algo de valor transcendente, algo que não escolhemos, mas recebemos, como um valiosíssimo dom. Mas “os padres do deserto e os eremitas vivem inteiramente imersos naquele espírito de verdadeira comunhão”, e as pessoas os procuravam, e eles rezavam uns pelos outros e alegravam-se e lamentavam-se uns pelos outros. São Simão, o asceta extravagante que vivia sobre um pilar estava em uma comunhão com Deus e com os homens mais profunda, e era um homem mais pleno do que são nossos “contemporâneos pagãos, a habitar cidades populosas, rodeados por outros homens e a eles ligados por laços periféricos.”
Afirmar que unidos estamos somente a partir de cima, contudo, não é afirmar que tal união ocorra ordinariamente. Considera o mistério do ser pessoal. Hildebrand entende que mesmo no caso da amizade humana, há estágios pelos quais se deve passar, e este critério é justo e direito. O homem que só entende de eficiência tecnológica não o compreenderá, mas vai querer “fabricar brutalmente as coisas, desde fora, sem nenhum senso do caráter dramático da revelação do ser no tempo.” Até na amizade, ele recorre a atalhos.
Mas para o
Todo-poderoso não há caminhos negligentes, nem atalhos na liturgia. Nós não
deveríamos nos aproximar do Senhor com familiaridade imprudente. Hildebrand
recorda as palavras do sacerdote preparando-se para a Missa: “Eu irei até o
altar de Deus, do Deus que dá alegrias à minha juventude.” Esse não é senão o
primeiro passo de nossa ascensão ao mistério do evangelho, e então ao mistério,
que desce a nós, da ação de Cristo, que faz-se presente no Santíssimo
Sacramento. Nós somos os espectadores e partícipes deste evento miraculoso. Se
estou imbuído do espírito liturgico, a
prostar-me de joelhos enquanto confesso que não sou digno de tamanhas graças,
tal é o meu estado, que esqueço de mim mesmo; e no mesmo espírito, ajoelhado ao
lado, está o meu irmão.
Anthony Esolen
é professor de
Inglês no Providence College
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Fonte: First Things
Fonte: First Things
Tradução de Laan
Carvalho
Disponível em: Tradutores Cristãos
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