Os homens de nosso
tempo, embora aceitem Jesus Cristo como um grande líder religioso, estão cada
vez menos dispostos a reconhecê-lo como Deus. A Sua divindade, no entanto, é a
coluna vertebral da religião cristã, sem a qual todo o edifício da fé rui
inevitavelmente. Afinal, se Jesus é Deus, tudo o que disse é verdadeiro – e a
Ele devemos, pela fé, “plena adesão do intelecto e da vontade”, já que Deus
“não pode enganar-se nem enganar” ninguém [1] –, mas, se é apenas uma pessoa
“iluminada”, a religião que fundou pode muito bem ser remodelada ao gosto dos
tempos.
Para provar que Jesus
é Deus, o autor C. S. Lewis serviu-se de um argumento que já era apresentado
desde o início da Igreja e apresentou-o no livro Mere Christianity
[“Cristianismo puro e simples”, no Brasil]. Ele chamou o argumento de “the
shocking alternative – a alternativa estarrecedora”:
“Entre os judeus surge, de repente, um homem que começa a falar como se
ele próprio fosse Deus. Afirma categoricamente perdoar os pecados. Afirma
existir desde sempre e diz que voltará para julgar o mundo no fim dos tempos.
Devemos aqui esclarecer uma coisa: entre os panteístas, como os indianos,
qualquer um pode dizer que é uma parte de Deus, ou é uno com Deus, e não há
nada de muito estranho nisso. Esse homem, porém, sendo um judeu, não estava se
referindo a esse tipo de divindade. Deus, na sua língua, significava um ser que
está fora do mundo, que criou o mundo e é infinitamente diferente de tudo o que
criou. Quando você entende esse fato, percebe que as coisas ditas por esse
homem foram, simplesmente, as mais chocantes já pronunciadas por lábios
humanos.”
“Há um elemento do que ele afirmava que tende a passar despercebido,
pois o ouvimos tantas vezes que já não percebemos o que ele de fato significa.
Refiro-me ao perdão dos pecados. De todos os pecados. Ora, a menos que seja
Deus quem o afirme, isso soa tão absurdo que chega a ser cômico. Compreendemos
que um homem perdoe as ofensas cometidas contra ele mesmo. Você pisa no meu pé,
ou rouba meu dinheiro, e eu o perdôo. O que diríamos, no entanto, de um homem
que, sem ter sido pisado ou roubado, anunciasse o perdão dos pisões e dos
roubos cometidos contra os outros? Presunção asinina é a descrição mais gentil
que podemos dar da sua conduta. Entretanto, foi isso o que Jesus fez. Anunciou
ao povo que os pecados cometidos estavam perdoados, e fez isso sem consultar os
que, sem dúvida alguma, haviam sido lesados por esses pecados. Sem hesitar,
comportou-se como se fosse ele a parte interessada, como se fosse o principal
ofendido. Isso só tem sentido se ele for realmente Deus, cujas leis são
transgredidas e cujo amor é ferido a cada pecado cometido. Nos lábios de
qualquer pessoa que não Deus, essas palavras implicam algo que só posso chamar
de uma imbecilidade e uma vaidade não superadas por nenhum outro personagem da
história.”
“No entanto (e isto é estranho e, ao mesmo tempo, significativo), nem
mesmo seus inimigos, quando lêem os evangelhos, costumam ter essa impressão de
imbecilidade ou vaidade. Quanto menos os leitores sem preconceitos. Cristo
afirma ser ‘humilde e manso’, e acreditamos nele, sem nos dar conta de que, se
ele fosse somente um homem, a humildade e a mansidão seriam as últimas
qualidades que poderíamos atribuir a alguns de seus ditos.”
“Estou tentando impedir que alguém repita a rematada tolice dita por
muitos a seu respeito: ‘Estou disposto a aceitar Jesus como um grande mestre da
moral, mas não aceito a sua afirmação de ser Deus.’ Essa é a única coisa que
não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e dissesse as coisas que
Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria um lunático – no mesmo
grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido – ou então o diabo em pessoa.
Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de Deus, ou não passa de um
louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser um louco, pode cuspir
nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a seus pés e chamá-lo
de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal condescendência, dizer
que ele não passava de um grande mestre humano. Ele não nos deixou essa opção,
e não quis deixá-la.” [2]
Não é possível que
Cristo tenha sido simplesmente “bom”, já que Ele mesmo manifestava, em seus
discursos, a consciência de ser Deus encarnado. Não só o disse explicitamente,
por exemplo, aos fariseus: “Antes que Abraão existisse, eu sou” [3], como os
próprios judeus tinham entendido aonde Ele queria chegar: “Não queremos te
apedrejar por causa de uma obra boa, mas por causa da blasfêmia. Tu, sendo
apenas um homem, pretendes ser Deus!” [4].
Diante disso, ou se
admite que Jesus é Deus ou, então, trata-se de uma pessoa má, seja moral – não
sendo Deus, Ele teria mentido –, seja intelectualmente – se Se enganou, não
sabendo de Sua própria identidade, é alguém evidentemente louco. O apologista
protestante norte-americano Josh McDowell chama isso de “trilema dos três L’s”:
se Jesus não é Lord (Senhor), ou é um lier (mentiroso) ou um lunatic
(lunático).
Mas, Ele não pode ser
um mentiroso perverso. Um homem que amou tanto, a ponto de entregar a própria
vida, que transformou inúmeras pessoas com o Seu olhar bondoso e misericordioso,
não pode ser um farsante. Ao mesmo tempo, descarta-se que Ele seja um lunático.
Se não tinha consciência de quem Ele próprio era, como possuía uma consciência
tão aguda do que é a pessoa humana, a ponto de lermos nas páginas do Evangelho
como que uma “radiografia” de nossas vidas?
Assim, não resta às
pessoas outra alternativa senão crer na divindade de Nosso Senhor.
Os teólogos liberais,
no entanto, tentam escapar desse ótimo argumento por duas vias. Primeiro,
acusando as Sagradas Escrituras de mentirosas: para fugir de Deus feito homem,
eles dizem que o Novo Testamento não é nada mais que uma invenção da comunidade
primitiva, que criou um “Jesus da fé” em total oposição ao “Jesus histórico”.
Como explicar que esses cristãos aparentemente mentirosos tenham sido os mesmos
a darem a vida por aquilo em que acreditavam, é um mistério que esses teólogos
se recusam a responder. Homens de fibra, que derramaram o próprio sangue pelo
Evangelho, não se identificam com uma comunidade de aproveitadores e charlatães,
que teriam forjado uma história só para enganar os outros. Afinal, ninguém dá a
vida por uma mentira. As pessoas mentem para salvar a vida, não para perdê-la,
como fizeram os primeiros mártires da fé cristã.
Esses mesmos teólogos
também recorrem a uma “orientalização” de Cristo: após uma visita à Índia,
Jesus teria saído de lá pregando o panteísmo hinduísta, o qual foi o motivo de
Sua morte. Mas, qualquer pessoa com um pouco de conhecimento sobre religiões
sabe que os ensinamentos do Evangelho são absolutamente incompatíveis com as
crenças orientais [5].
Ainda que toda essa
explicação seja convincente, não é suficiente para dar a uma pessoa a fé, que
“a Igreja a professa como virtude sobrenatural, pela qual, sob a inspiração de
Deus e com a ajuda da graça, cremos ser verdade o que ele revela, não devido à
verdade intrínseca das coisas conhecida pela luz natural da razão, mas em
virtude da autoridade do próprio Deus revelante” [6]. Uma vez diante dos
preambula fidei, é preciso bater às portas de Deus e pedir-Lhe, humildemente, o
tesouro da fé.
Referências
1.
Concílio Vaticano I, Constituição
dogmática Dei Filius, 24 de abril de 1870: DS 3008
2.
Cristianismo
puro e simples, II, 3
3.
Jo 8, 58
4.
Jo 10, 33
5.
No livro “O Diálogo” (Mundo Cristão,
1986), o filósofo Peter Kreeft se aproveita de uma coincidência histórica – a
morte de John F. Kennedy, Aldous Huxley e C. S. Lewis no mesmo dia 22 de
novembro de 1963 – para criar uma discussão interessante sobre a identidade de
Jesus Cristo.
6.
Concílio Vaticano I, Constituição
dogmática Dei Filius, 24 de abril de 1870: DS 3008
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Fonte: Cristo Nihil Praeponere
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