Assim como, há dois mil anos, Herodes e Pilatos se uniram para
crucificar Cristo, hoje, dois inimigos tidos como ferrenhos – a saber, os
marxistas e certas organizações metacapitalistas – têm se unido com um
propósito comum: a destruição da família. Grandes fundações – como Rockefeller,
MacArthur, Ford e Bill & Melinda Gates – têm financiado pesadamente ONGs
com ideologia de esquerda, unindo dois universos até então inconciliáveis.
Para compreender como se cruzam esses dois mundos aparentemente
tão hostis, é importante a figura-chave do sociólogo americano Kingsley Davis.
Em um renomado estudo sobre a sociedade humana [1], ele explica que ela é
regulada por usos, costumes e leis: os usos solidificados tornam-se costumes;
estes, por sua vez, consolidados, viram leis; e todo esse mecanismo cria um
sistema de recompensas e punições, que se condensa em instituições. Para mudar
a sociedade, diz Davis, é preciso desmontar essas instituições.
Davis também esteve à frente de estudos sobre o controle
populacional e, junto com outros professores, aperfeiçoou a “teoria da
transição demográfica”. Essa teoria, proposta por Warren Thompson em 1915, em
sua obra Population: A Study in Malthusianism [“População: Um Estudo sobre o
Malthusianismo”], dizia que o êxodo do campo para a cidade contribuía para a
diminuição da população. Davis também vislumbrava o controle de natalidade como
uma ferramenta para manter a paz no planeta, já que, com a agricultura se
desenvolvendo nos países desenvolvidos e o superpovoamento dos países
subdesenvolvidos, no futuro uma guerra por alimentos seria inevitável.
Todas essas ideias engendraram, em 1952, o Conselho Populacional,
fundado por John Rockefeller III, juntamente com vários especialistas em
demografia. Já de início, começou a investir-se na promoção de centros mundiais
de estudos demográficos, além da implantação do DIU (dispositivo intrauterino)
e de outros métodos contraceptivos ao redor do mundo, mormente em países
periféricos, como Coréia, Hong Kong, Taiwan, Índia e Paquistão.
Só que o desenvolvimento de anticoncepcionais não era a forma
ideal de reduzir a população mundial. Quem o percebeu foi justamente Kingsley
Davis, que, em um almoço com o então presidente do Conselho Populacional, Frank
Notestein, no dia 17 de maio de 1963, manifestou sua insatisfação com a forma
como eles estavam lidando com o controle demográfico. O descontentamento de
Davis deu origem, em 1967, a um estudo que mudaria os rumos da história da
demografia. No artigo, de título Population Policy: Will Current Programs Succeed?[“Política
Populacional: os Programas Atuais Terão Sucesso?”], publicado na revista Science,
Davis mostra, à luz de seu pensamento sociológico, que não é possível reduzir a
população simplesmente implantando DIUs nas mulheres. Para controlar
efetivamente a demografia, é preciso mudar a sociedade e modificar os seus
usos, costumes e leis. Mais do que distribuir meios de contracepção para as
mulheres, é preciso alterar o tecido social e a família, a fim de que elas não
queiram mais ter filhos.
À época, as ideias de Davis não foram bem aceitas. No entanto, ele
continuou ensinando tudo isso aos seus alunos. Alguns anos mais tarde, o seu
magistério deu frutos em uma aluna chamada Adrienne Germain. Essa mulher,
presidente emérita da International Women’s Health Coalition [“Coalizão Internacional pela Saúde das
Mulheres”], em uma entrevista concedida à Universidade de Harvard, em 2012,
contou como um período de experiência com as mulheres do Peru, em sua
juventude, marcou profundamente a sua carreira profissional. Ela percebeu, a
partir de seu contato com Davis e Judith Blake, que aquelas mulheres “tinham
razões muito boas para ter muitos filhos. E até que – ou a menos que – as suas
vidas fossem mudadas, elas provavelmente continuariam tendo filhos” [2].
Contratada pela fundação Ford, Germain conseguiu convencer John
Rockefeller III daquilo que Davis, com seu trabalho, não tinha conseguido.
Agora, para controlar o crescimento populacional, as grandes fundações
começariam a agir a partir da perspectiva feminina, procurando tirar das
mulheres a motivação que tinham para a maternidade. Para tanto, seria
necessário um verdadeiro projeto de engenharia social, no qual não haveria nem
lei natural nem verdade alguma a ser respeitada, mas tão somente a vontade
iluminada da cúpula antinatalista.
É neste ponto que os anseios dos grupos metacapitalistas se cruzam
com o projeto marxista de poder. No livro “A Origem da Família, da Propriedade
Privada e do Estado”, em que Engels reúne as anotações da última fase da obra
filosófica de Marx, é possível ler que “o primeiro antagonismo de classes que
apareceu na história coincide com o desenvolvimento do antagonismo entre o
homem e a mulher, na monogamia; e a primeira opressão de classes, com a
opressão do sexo feminino pelo masculino” [3]. Para o marxismo, portanto, a
família é o primeiro de todos os antagonismos e de todas as opressões de
classes. Nessa mesma linha, procuraram construir uma antifilosofia para
destruir a instituição da família tanto a Escola de Frankfurt – sobre a qual se
falou amplamente na última aula ao vivo [4] – quanto várias pensadoras
feministas, dentre as quais se destacam, progressivamente, Margaret Sanger,
Kate Millett e Shulamith Firestone.
Então, sejam marxistas radicais, sejam filantropos capitalistas,
ambos querem transformar a sociedade e, para tanto, eles se unem a fim de
destruir a família. É dessa união maligna que nasce, por exemplo, a ideologia
de gênero, para a qual prestou uma grande contribuição Judith Butler, autora do
famoso livro Gender Trouble: Feminism and the Subversion of Identity [“Problemas de Gênero: Feminismo e a
Subversão da Identidade”], de 1990.
Todos esses agentes de destruição de que falamos investiram em uma
coisa: conhecimento. Se queremos vencer a batalha contra eles e defender a
família, precisamos também nós investir em conhecimento e formação intelectual.
Estudando esses autores, entendemos que, se tantos têm atacado a família – com
o “divórcio relâmpago”, com o sexo sem compromisso, com a abolição das festas
dos pais nas escolas etc. –, não é porque a sociedade enlouqueceu
espontaneamente, mas porque há arquitetos sociais muito bem preparados por trás
de todas essas coisas.
Ao mesmo tempo, permanece o dever de estudarmos com compromisso o
caminho da Igreja e a vontade de Deus para a família. Esta não é nem a fonte de
todas as opressões, como queriam Marx e Engels, nem uma “massinha de modelar”,
como queria o sociólogo Kingsley Davis. Trata-se de uma realidade natural,
fundada pelo próprio Deus e constituída no íntimo da humanidade. Por isso,
destruir a família é destruir o próprio ser humano.
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Fonte: Cristo Nihil Praeponere
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