Há uma doença mortífera ameaçando a
Igreja, sem que ninguém se dê conta: são as almas retardatárias. Vários autores
espirituais apontam este fenômeno como causa da grande decadência de
seminários, congregações religiosas, paróquias e movimentos eclesiais. Em que
consiste este câncer que vai, silenciosa e sorrateiramente, tirando a vida da
Igreja?
A maior parte dos cristãos experimentou
uma “primeira conversão”: antes, vivia uma vida mundana, entregue ao egoísmo;
encontrando-se com Cristo, no entanto, rompeu com o pecado como projeto de
vida. O problema é que, por falta de formação espiritual, uma multidão parou
nesse estágio. Ao invés de crescer na caridade, acomodou-se, tornando-se uma
espécie de “anão espiritual”. O padre Reginald Garrigou-Lagrange, no livro “As
Três Idades da Vida Interior”, escreve que:
“Certas almas, como consequência de sua
negligência ou preguiça espiritual, nunca saem da idade dos principiantes para
continuar na dos proficientes; elas são almas retardatárias, algo parecido com
esses meninos, mais ou menos anormais, que não atravessam com sucesso a crise
da adolescência e que, ainda não sejam crianças, não chegam nunca ao completo
desenvolvimento da idade adulta. Da mesma maneira, essas almas retardatárias
ficam sem poder ser catalogadas nem entre os principiantes nem entre os
adiantados. E são, por desgraça, muito numerosas.” [1]
Na mesma obra, o pe. Garrigou-Lagrange
cita o trecho de um livro do padre jesuíta Lallemant, no qual ele explica que
“uma Ordem religiosa vai até a decadência quando o número de tíbios começa a
ser tão grande como o de fervorosos” [2]. A tibieza é uma mornidão na qual a
pessoa, apesar de ter rompido com os pecados graves, passa a viver a vida tão
somente para si, fazendo das “coisas de Deus” desculpas para empreender coisas
para si. O pe. Lagrange compara um sacerdote que assim se comporta a “uma
espécie de funcionário de Deus” [3]: a religião torna-se mais um “negócio” que
uma ocasião genuína para a conversão e para o crescimento interior.
Quais são as características da alma
tíbia?
Primeiro, ela começa com a negligência nas pequenas coisas. Deus chama a pessoa
a amá-Lo mais, mas ela cede à preguiça e se torna indiferente à Sua voz. – Mas,
preocupar-se até com essas coisas não é “moralismo”? – Não. Combater os pecados
veniais e os próprios defeitos não é uma questão de “moralismo”, mas de amor:
não se para de ofender a quem se ama por cálculos frios e matemáticos, mas pura
e simplesmente porque se ama.
Segundo, a pessoa passa a fugir dos sacrifícios. Com uma visão do “justo”, a
pessoa oferece a Deus o seu “mínimo”, a sua obrigação. Ignora – ou finge
ignorar – que, deste modo, sem generosidade, não haverá para ela nenhum
crescimento espiritual.
Terceiro: não podendo pecar mortalmente, a pessoa se entrega a “pequenos
pecados”, a murmurações e zombarias. Santo Tomás de Aquino, ao falar sobre o
pecado da zombaria e do escárnio, cita o salmista: “Qui habitat in cælis irridebit eos – O que habita nos céus rirá deles” [4]. Quem faz gozações com os outros
será, ele mesmo, objeto de piada.
A triste consequência da pessoa que
está neste estado é que, cedendo pouco a pouco aos pecados veniais, ela se vê
atada de tal modo a ponto de tornar-se prisioneira de seus pecados. Com razão
diz São Bernardo – citado por Garrigou-Lagrange [5] – que “é mais fácil ver um
grande número de pessoas do mundo renunciar ao vício e abraçar a virtude do que
um só religioso passar da vida tíbia à vida fervorosa”.
O que está por trás da alma retardatária?
“[Está] que em tudo, e a propósito de tudo, se busca a si mesmo, ao invés de
buscar a Deus” [6], conclui o pe. Lagrange.
Como remédio para este lamentável
estado, é preciso amar mais e esquecer-se de si mesmo. Urge que vivamos para
Cristo, que tudo deu e tudo entregou por amor a nós. Como não
amarmos de volta um amor tão grande?
Referências
1.
Las TresEdades de la Vida Interior, I, 2, 20. p. 268-269
2.
Ibidem. p. 272
3.
Ibidem. p. 269
4.
Sl 2, 4. Cf. Suma Teológica, II-II, q.
75, a. 2
5.
Las TresEdades de la Vida Interior, I, 2, 20. p. 271
6.
Ibidem. p. 273
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Fonte: Cristo Nihil Praeponere
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