Começamos na Quarta-feira de Cinzas uma solene e
generosa caminhada que nos vai conduzir à Páscoa da Ressurreição do Senhor.
Como poderemos vivê-la de acordo com a vontade do Senhor, manifestada na
Liturgia da Igreja?
Trata-se de responder com seriedade, com honradez
humana e sobrenatural, ao apelo à conversão (= libertação) que o Senhor nos
dirige. Algumas sugestões poderão ajudar a nossa generosidade pessoal.
No que se refere à vivência da Quaresma, o Concílio
Vaticano II, na Constituição sobre a Sagrada Liturgia Sacrosanctum
Concilium, recomenda o seguinte:
«Ponham-se em maior realce, tanto na Liturgia como
na catequese litúrgica, os dois aspectos característicos do tempo quaresmal,
que pretende, sobretudo através da recordação ou preparação do Baptismo e pela
Penitência, preparar os fiéis, que devem ouvir com mais frequência a Palavra de
Deus e dar-se à oração com mais insistência, para a celebração do mistério
pascal. Por isso:
a) utilizem-se com mais abundância os elementos
batismais próprios da liturgia quaresmal e retomem-se, se parecer oportuno,
elementos da antiga tradição;
b) o mesmo se diga dos elementos penitenciais.
Quanto à catequese, inculque-se nos espíritos, de par com as consequências
sociais do pecado, a natureza própria da penitência, que é detestação do pecado
por ser ofensa de Deus; nem se deve esquecer a parte da Igreja na prática da
penitência, nem deixar de recomendar a oração pelos pecadores.
A penitência quaresmal deve ser também externa e
social, que não só interna e individual. Estimule-se a prática da penitência,
adaptada ao nosso tempo, às possibilidades das diversas regiões e à condição de
cada um dos fiéis. Recomendem-na as autoridades a que se refere o art. 22.
Mantenha-se religiosamente o jejum pascal, que se
deve observar em toda a parte na Sexta-feira da Paixão e Morte do Senhor e, se
oportuno, estender-se também ao Sábado santo, para que os fiéis possam chegar à
alegria da Ressurreição do Senhor com elevação e largueza de espírito.
(110).[1] »
Guiados por esta indicação, apresentamos as
seguintes sugestões, em ordem a viver o melhor possível o tempo da Quaresma, a
caminho da Páscoa da Ressurreição do Senhor.
OUVIR COM
MAIS FREQUÊNCIA A PALAVRA DE DEUS
Formação
doutrinal
Leitura da Paixão do Senhor. Poderia fazer-se, em
cada família, a leitura de um trecho da Sagrada Escritura todos os dias, em
momento oportuno.
Esta leitura poderia ser em forma de Lectio
divina, de tal modo que nos ajudasse a fazer oração pela Bíblia.
Estudar o Catecismo da Igreja Católica. Na
sequência do Concílio Vaticano II, foram publicados o Catecismo da Igreja
Católica e o Catecismo da Igreja Católica: Compêndio. Este último está
elaborado com perguntas e respostas, lembrando o Catecismo de S. Pio X, para
facilitar a memorização da Doutrina.
É inegável a ignorância religiosa, mesmo entre os
que se auto-classificam católicos praticantes. As pessoas pronunciam-se sobre
as verdades da fé e da moral católica sem qualquer conhecimento. De modo
inconsciente, estão a repetir o que ouvem na Rádio, na Televisão, ou à mesa do
café.
Com a família ou famílias reunida(s) poderia
fazer-se o estudo deste Catecismo, lendo um pequeno trecho – pela mesma pessoa,
ou por leitores à vez –, seguida pelo comentário de cada um dos presentes.
II. ORAÇÃO
MAIS FREQUENTE
Entre outras formas de oração, indicam-se
especialmente, para este tempo, as seguintes:
Via Sacra. É uma devoção tradicional em que
meditamos a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Consta de 14 estações
(alguns acrescentam-lhe a 15ª sobre a Ressurreição) que nos ajudam a percorrer
um caminho espiritual e a compreender melhor a Pessoa de Jesus e o Amor que tem
por nós. A Via Sacra é, fundamentalmente, uma escola de Amor e apelo à doação.
Podemos fazê-la em grupo, ou em casa, se
há qualquer impedimento (doença, prisão, etc.). O fundamental à meditar na
Paixão de Jesus. [2]
Terço em
Família. É a oração recomendada por Nossa Senhora e pelos Santos Padres.
Também a família é chamada a converter-se nesta Quaresma. A oração em comum é o
caminho que muito a pode ajudar.
Lectio
Divina. É uma forma aprofundada de oração, a partir da leitura da Sagrada
Escritura, que exige de nós disponibilidade de tempo e de espírito. Surgiu nos
mosteiros e foi promovida por grandes mestres da espiritualidade, como
S.toAgostinho, S. Jerónimo, S. Gregório Magno e outros. [3]
Inicia-se, como toda a oração, pela preparação do
ambiente exterior e interior, avivando a fé, preparando o lugar onde se
realiza o encontro: coloca-se a Bíblia aberta numa estante ou sobre a mesa.
Também os participantes se preparam, não só com a sua postura, mas ainda com um
«coração limpo». Façamos um acto de humildade e um acto de contrição. Cada um
deve trazer a Bíblia ou um texto impresso.
a) Invoca-se o Espírito Santo para que, assim como
Ele fez que a Palavra se convertesse em livro, também o livro se torne Palavra.
b) Procura-se a passagem bíblica indicada e
preparam-se perguntas que, a partir da vida, ajudem a compreender o
texto. Lê-se, em primeiro lugar, a sós ou em grupo, essa passagem da
Escritura, e se possível, há-de ser introduzida ou explicada por uma pessoa competente.
c) Segue-se um tempo de meditação individual em
silêncio, aprofundando do sentido do que se leu, eventualmente com a partilha
da palavra.
d) À medida que se formos escutando o que Deus nos
diz, respondamos com a oração, a qual pode tomar diversas formas: de
arrependimento, de acção de graças, de intercessão, de súplica ou de louvor;
e) Na medida da graça do Espírito Santo, esta
oração desabrocha em saborosos momentos de contemplação, que tornam mais viva e
cheia de intimidade a comunhão com Deus, e predispõe-nos para uma vida mais
santa e mais activa no apostolado.
III. OBRAS
PENITÊNCIA
Sobre este tema, a Lei da Igreja assinala o
seguinte:
Obrigação da penitência. Todos os fiéis, cada qual
a seu modo, por lei divina têm obrigação de fazer penitência; para que todos se
unam entre si em alguma observância comum de penitência, prescrevem-se os dias
de penitência em que os fiéis de modo especial se dediquem à oração, exercitem
obras de piedade e de caridade, se abneguem a si mesmos, cumprindo mais
fielmente as próprias obrigações e sobretudo observando o jejum e a
abstinência, segundo as normas dos cânones seguintes. (Cânone 1249).
Práticas de penitência. O cânone enuncia-as:
a) a oração. Não se diz que os fiéis se
dediquem a ela durante o tempo penitencial exclusivamente, mas que o façam «de
modo especial».
b) As obras de caridade e de piedade. Podem
ser muito variadas. Basta recordar as obras de misericórdia e as muitas práticas
de piedade tradicionais na Igreja.
c) o cumprimento fiel e amoroso dos próprios
deveres, uma das formas de penitência mais agradáveis ao Senhor.
d) o jejum e a abstinência, quer
submetendo-se humildemente às prescrições da Igreja nesta matéria, quer por
iniciativas pessoais generosas.
Dias e tempos de penitência. Os dias e tempos de
penitência na Igreja universal são todas as sextas-feiras do ano e o tempo da
Quaresma. (Cânone 1250).
a) São dias penitenciais todas as
sextas-feiras do ano. Esta norma, possivelmente, encontra a sua origem, na
lembrança da morte de Cristo e vem desde os tempos apostólicos, sem qualquer
interrupção.
b) Quanto aos tempos, resumem-se à Quaresma
tradicional, embora as formas de penitência em nossos tempos tenham recebido uma
atenuação notável nos últimos tempos, não só pelas diversas condições de
trabalho em que as pessoas vivem, como também para chamar a atenção que a
principal penitência é a interior. Acrescente-se ainda a preparação dos
catecúmenos para o Baptismo no final da Quaresma, na celebração da Vigília
Pascal.
A Constituição sobre as Sagrada
Liturgia Sacrosanctum Concilium (n.º 109) sublinha o especial carácter
penitencial da Quaresma, indicando que as práticas de penitência devem
fomentar-se «de acordo com as possibilidades do nosso tempo e dos diversos
países e condições dos fiéis.»
Práticas próprias dos dias penitenciais. Guarde-se
a abstinência de carne ou de outro alimento segundo as determinações da
Conferência episcopal, todas as sextas-feiras do ano, a não ser que coincidam
com algum dia enumerado entre as solenidades; a abstinência e o jejum na quarta‑feira de Cinzas e na sexta-feira da Paixão e Morte de Nosso Senhor
Jesus Cristo. (Cânone 1251).
Indicam-se neste cânone as práticas próprias dos
dias penitenciais, e distingue quatro categorias delas: a)
As sextas-feiras, em geral; b) as sextas-feiras que coincidem com as
solenidades; c) a Sexta-Feira Santa; e d) a Quarta-Feira de Cinzas.
Abstinência. A norma geral consiste na abstinência
de carne ou de outro alimento que determine a Conferência Episcopal, em
todas as sextas-feiras do ano. O «outro alimento» de que se fala deve ser
entendido à luz do cânone 1253, no qual se confia às Conferências episcopais a
missão de concretizar esta forma de penitência com opções alternativas.
Havendo a coincidência da sexta-feira com uma
solenidade, mesmo que não seja de preceito, a abstinência não é preceituada
neste dia.
A Sexta-Feira Santa continua uma tradição que
a Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium recolheu: «há-de ter-se
como sagrada» e «celebrar-se em toda a parte» (SC 110). Esta tradição
concretiza-se no jejum e abstinência.
O jejum. Esteve sempre unido à abstinência, ou
seja, quando há jejum, há abstinência. No entanto, a penitência de Sexta-Feira Santa
tem um carácter pascal, pois o tempo festivo da Páscoa inicia-se com a
celebração da Missa Comemorativa da Ceia do Senhor, na tarde de
Quinta-Feira Santa, dando princípio ao Tríduo Pascal.
A Quarta-Feira de Cinzas é também dia de jejum
e abstinência, pois neste dia começa a grande caminhada da Quaresma.
O Sábado Santo não é dia de jejum nem
abstinência, embora a Constituição Litúrgica (110) recomende a continuação do
jejum, por ser parte do «jejum pascal».
«É importante sublinhar o valor não só ascético,
mas também sacramental das sextas-feiras do ano e da Sexta-Feira Santa, como
expressão do seguimento de Cristo no dia semanal e anual consagrado à memória
da Sua Paixão». [4]
Sujeitos da lei da abstinência e do jejum. Estão
obrigados à lei da abstinência os que completaram catorze anos de idade; à lei
do jejum estão sujeitos todos os maiores de idade até terem começado os
sessenta anos. Todavia os pastores de almas e os pais procurem que, mesmo
aqueles que, por motivo de idade menor não estão obrigados à lei da abstinência
e do jejum, sejam formados no sentido genuíno da penitência. (Cânone 1252).
O cânone estabelece o seguinte:
a) Sujeitos à lei da abstinência: as pessoas
que completaram catorze anos de idade, sem qualquer limite de idade para
terminar esta obrigação, a não ser a doença ou outra causa semelhante.
b) Devem observar a lei do jejum as pessoas
que completaram dezoito anos de idade (cfr c. 97 § 1) até completarem os
cinquenta e nove (cfr c. 203).
c) Pedagogia penitencial. Os pastores de
almas, os pais e outros educadores hão-de procurar que sejam formados no
sentido genuíno da penitência também aqueles que, por motivo de idade inferior
à que está prescrita, não são obrigados à lei da abstinência e do jejum.
Como sugestões neste sentido, temos a oração, as
obras de piedade e de caridade e o cumprimento das próprias obrigações (cfr c.
1249). É muito importante ainda uma recta formação da consciência das
crianças e adolescentes em tudo o que se relaciona com o cumprimento dos
deveres, porque os ajuda a superar o voluntarismo, a preguiça e o egoísmo, com
a imitação amorosa de Jesus Cristo.
Concretização
da abstinência ou jejum
Fazendo uso desta faculdade prescrita pelo cânone
1253, a Conferência Episcopal Portuguesa, pela Instrução Pastoral de
2.II.1982 sobre a Disciplina Penitencial, estabeleceu algumas normas. Mais
tarde, nas Normas de observância penitencial para as Dioceses Portuguesas,
de 28.I.1985, [5] reformulou toda a matéria porque, entretanto, havia sido
promulgado o novo Código de Direito Canónico (25.I.1983).
Em todas estas Normas da CEP está latente o
espírito da Constituição Pænitemini de Paulo VI.
«O jejum é a forma de penitência que consiste na
privação de alimentos. Na disciplina tradicional da Igreja, a concretização do
jejum fazia-se limitando a alimentação diária a uma única refeição, embora não
se excluísse que pudessem tomar-se alimentos ligeiros às horas das outras
refeições (pequeno almoço e jantar)»
«Ainda que convenha manter-se esta forma
tradicional de jejuar, contudo os fiéis poderão cumprir opreceito do jejum,
privando-se de alimentos ou bebidas que constituem verdadeira privação ou
penitência».
Entre as alternativas ou substituições da
abstinência, mencionam-se:
a)
A oração: «o exercício da via-sacra; a recitação do rosário;
a recitação de Laudes e de Vésperas do ofício das horas, a
participação na Santa Eucaristia; uma leitura prolongada da Sagrada
Escritura».
b)
A esmola: «poderão cumprir o preceito penitencial através da partilha
de bens materiais. Esta partilha deve ser proporcional às posses de cada um e
deve significar uma verdadeira renúncia a algo do que se tem ou a gastos
disponíveis ou supérfluos».
«Os cristãos que escolheram como forma de
cumprimento do preceito da penitência uma participação pecuniária orientarão o
seu contributo penitencial para a finalidade determinada, a indicar pelo
Bispo diocesano».
«Os cristãos depositarão o seu contributo
penitencial em lugar devidamente identificado em cada igreja ou capela, ou
através da Cúria diocesana. Na Quaresma, todavia, em vez desta modalidade ou
concomitante com ela, o contributo poderá ser entregue no ofertório da Missa
dominical, em dia para o efeito fixado».
Outras mortificações voluntárias, na medida das
possibilidades e generosidade de cada pessoa.
Lembramos a abstinência do tabaco para os que têm o
hábito de fumar; dispensar alguma vez o transporte para pequenas distâncias ou utilizar
os transportes públicos; mortificação na comida e bebida, referente à qualidade
ou à quantidade, etc.
IV.
EXERCÍCIO DA CARIDADE
Visita aos doentes e idosos. Uma ajuda muito
agradável a Deus é a visita aos doentes, idosos, encarcerados e outras pessoas
que se encontrem em provação: pelo falecimento de uma pessoa familiar ou amiga,
ferida por um grande desgosto, etc.
Aproximar do Sacramento da Reconciliação e
Penitência. Um grupo de quatro homens valentes levaram um paralítico num catre
junto de Jesus que estava em Carfanaum Na impossibilidade de entrar em casa,
por causa da multidão ali reunida, subiram ao terraço, abriram passagem e
desceram o catre até junto de Jesus. Ele perdoou-lhe os pecados e curou-o. (cf
Mc 3, 1 e ss.).
Não poderíamos ajudar algumas pessoas a
aproximarem-se do Sacramento da Reconciliação e Penitência, inspirados neste
gesto narrado no Evangelho?
Em qualquer dos casos, programemos diante de Deus
como viveremos neste ano a melhor Quaresma de sempre, a caminho da Páscoa da
libertação.
Fernando
Silva
____________________________________________
Presbíteros
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