NOTA DO GRUPO DE TRABALHO DA
UNIÃO DOS
JURISTAS CATÓLICOS DO RIO DE JANEIRO
MICROCEFALIA
E ZIKA VÍRUS:
PERPLEXIDADES,
DÚVIDAS, HIPÓTESES E DIREITOS
A atual crise na saúde pública brasileira,
decorrente do aumento dos casos de microcefalia – e mais recentemente da
Síndrome de Guillain-Barré – tem sido supostamente associada, em maior ou menor
grau, a uma epidemia causada pelo Zika vírus. Este conturbado cenário soma-se a
outras graves crises pelas quais passa a nossa nação. Correlacionado a isso,
transparece o drama das pessoas e famílias atingidas, bem como direitos
individuais e sociais, em especial os direitos constitucionais à saúde e à
inviolabilidade do direito à vida, desde o início da existência no útero
materno.
A partir de novembro de 2015, foi manifestada
surpresa com o grande número de casos de microcefalia detectados no Sistema
Único de Saúde, principalmente no Nordeste, levando à decretação de emergência
nacional. No dia 1º de fevereiro de 2016, foi anunciado pela Organização
Mundial de Saúde (OMS) emergência de saúde pública internacional, na qual foi
afirmado que a investigação sobre a causa dos novos conglomerados de casos de
microcefalia e transtornos neurológicos deve intensificar-se para determinar se
há uma relação de causalidade com o vírus da Zika e outros fatores ou
cofatores.
Em que pese um tentador estabelecimento da relação
de causa e efeito entre o Zika vírus e a microcefalia, ainda não há o
reconhecimento pela comunidade científica da referida associação, pelo não
preenchimento de todos os critérios necessários que normalmente são exigidos
para esta conclusão. De fato, há surtos de Zika em outros países em que
não se observa maior prevalência de microcefalia, sendo milhares os exemplos de
mulheres grávidas infectadas com o referido vírus, na Colômbia, Cabo Verde e El
Salvador. No Brasil, a quase totalidade dos novos casos confirmados de
microcefalia está localizada no Nordeste (cerca de 98%), principalmente em
Pernambuco e Bahia, apesar de 22 estados apresentarem “circulação autóctone do
vírus Zika”.
Como não foi cientificamente demonstrada a
etiopatogenia da microcefalia a partir do vírus Zika, o aumento do número de
casos confirmados de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso central
pode ser, pelo menos em tese, devido a outros fatores que não o Zika vírus.
Porém, tem sido passada, direta ou indiretamente, a ideia de “relação”
entre o vírus e a microcefalia, algumas vezes dando a impressão de que o
assunto está, do ponto de vista científico, definitivamente estabelecido,
constituindo, portanto, matéria inquestionável. Por sua vez, algumas
locuções governamentais, a despeito da absoluta escassez de publicações científicas
em plataformas acadêmicas de reputação nacional e internacional, têm,
recentemente, abandonado a prudência, assumindo um ideário implícito de relação
causa e efeito – na realidade não comprovada – embora possa ser ressalvada a
existência de alguns textos oficiais mais cautelosos quanto a esta afirmação.
A declaração de emergência internacional da
Organização Mundial da Saúde – OMS/WHO – deixa expressa não haver
comprovação de causa e efeito, bem como a necessidade de aprofundar a
investigação das causas, não só em relação ao Zika vírus, mas também em relação
a outros fatores e cofatores. É justamente neste sentido que outras possíveis
etiologias devem ser verificadas. Neste escopo, pode ser destacada uma hipótese
levantada pelo Dr. Plínio Bezerra dos Santos Filho, possuidor de expressivo
currículo acadêmico, já apresentada ao Ministério Público Federal, através de
um requerimento de sua autoria.
Segundo texto do Dr. Plínio Bezerra, haveria a
possibilidade de uma relação entre a microcefalia e duas vacinas aplicadas no
Nordeste, a partir de novembro/dezembro de 2014, para debelar um surto de
sarampo (MMR) e realizar a prevenção da Difteria, Coqueluche e Tétano (DTPa –
Difteria, Tétano e Pertussis, acelular) esta última, tão somente em mulheres
grávidas a partir do terceiro trimestre de gravidez. Será apresentada, a título
de exemplo, apenas a argumentação quanto à vacina MMR (vacina tríplice viral
contra o sarampo, a rubéola e a caxumba) que contém o vírus vivo atenuado da
rubéola.
Para proteger do sarampo, a vacina MMR teria
sido aplicada – não em mulheres grávidas, o que seria uma contra-indicação –
mas em mulheres em idade fértil nos meses de novembro/dezembro de 2014, em
Pernambuco; e até abril de 2015, no Ceará. Estados vizinhos, com
receio de contágio, também teriam aplicado a vacina. Rio Grande do Norte, por
exemplo, terminou a vacinação contra sarampo em dezembro de 2014. O problema é
que artigos científicos recomendam que a vacina MMR (contra sarampo)
não seja aplicada em mulheres que queiram engravidar e, caso tal ocorra,
que haja o espaçamento de período (mínimo) de um mês entre a
aplicação da vacina e o início da gravidez. Nos Estados Unidos da América
– EUA, nas décadas de 1970/1980, já fora prescrito como sendo de três meses o
intervalo mínimo recomendado entre vacinação e gravidez.
No Estado de Pernambuco, após a vacinação de
sarampo, houve também um surto de Dengue, com pico em abril de 2015. De fato, o
informe Epidemiológico SE 01 a 34/2015, do Estado de Pernambuco
refere o total de 7.497 casos, dos quais: 250 Ign/branco; 1 Dengue grave;
74, “Dengue Clássico”; 1274 , “Descartado”; 1887, “Dengue”; 4.008 “Inconclusivo
“. As mulheres que engravidaram no Estado de Pernambuco após a vacinação de
sarampo (em novembro/dezembro 2014) teriam tido, pois, um possível contato com
o Zika vírus no posterior surto de Dengue (em meados do primeiro semestre de
2015).
De acordo com o Informe 12 do COES-MICROCEFALIAS
(Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública sobre Microcefalias, do
Ministério da Saúde, sobre o “Monitoramento dos Casos de Microcefalia no
Brasil”), relativo ao período de 31.01.2016 a 06.02.2016, o número acumulado de
notificações de suspeita de microcefalia e/ou alterações do sistema nervoso
central, relativas ao Estado de Pernambuco era de 1.501 casos. Desses, haviam
sido analisados, por ocasião do Informe COES 12 (semana de 21 de janeiro a 6 de
fevereiro de 2016), 305 casos suspeitos, sendo 167 casos confirmados e
138 descartados. Cruzando-se esses dados com os dos Informes COES 2 e 3
(Semanas Epidemiológicas de 22 a 28 de novembro de 2015 e de 29 de novembro a 5
de dezembro de 2015, respectivamente), verifica-se que as notificações de casos
suspeitos referentes ao Estado de Pernambuco, ora em análise pelo Ministério da
Saúde, tanto para confirmação ou não de microcefalia, como para concomitância
de infecção de Zika vírus, são os referentes ao final do mês de
novembro/início de dezembro de 2015. Do Informe COES 2 para o Informe
COES 3, ou seja, no espaço de apenas uma semana, houve 556 novos casos de
notificações de casos suspeitos só para o Estado de Pernambuco, que passou a
acumular, em 5 de dezembro de 2015, 804 casos suspeitos notificados.
Faltam ser analisados, tomando-se por base os dados
disponíveis até o Informe COES 12, cerca de 500 casos desse pico de
notificações, que se correlacionariam, segundo a análise desenvolvida pelo Dr.
Plínio Bezerra, com o período da vacinação contra o sarampo em 2014
em Pernambuco (novembro/dezembro de 2014). Desta forma, conforme análise do
referido doutor, considerar-se-ia o período de novembro/dezembro de 2014, da
vacinação, acrescentando-se ao mesmo o período de 3 meses de intervalo
recomendados antes da gravidez, e o período de 9 meses da própria gestação.
Essa soma levaria para os meses de novembro e de dezembro de 2015, onde ocorreu
o pico das notificações naquele Estado.
Do Informe COES 11 para o Informe COES 12, foram
analisados apenas 17 novos casos de Pernambuco, dos quais 14
confirmados (82,35% – muito acima da média atual de casos
confirmados de Pernambuco: 54,75%) e 3 descartados (17,64% – muito abaixo
da média atual de casos descartados de Pernambuco: 45,25%). No Informe
COES 11, dos 17 casos de microcefalia /alterações do sistema nervoso central,
com infecção concomitante de Zika vírus, 12 eram de
Pernambuco. No Informe COES 12, dos 41 casos de microcefalia/alterações do
sistema nervoso central, com infecção concomitante de Zika
vírus, 33 eram do Estado de Pernambuco, ou seja, 80,48%. A serem mantidos (para
os próximos cerca de 500 casos de Pernambuco) os percentuais elevadíssimos,
verificados no Informe 12, de casos confirmados de microcefalia e de
concomitante infecção de zika vírus advindos do Estado de Pernambuco,
haveria um enorme aumento do número global e percentual de casos de
microcefalia confirmados e de concomitante infecção de Zika vírus.
Tal situação, caso seja apresentada desvinculada
dos necessários esclarecimentos, poderia gerar possível pânico na
população, que, por sua vez, poderia supor se tratassem de casos novos,
de agora, desses dias do final de fevereiro de 2015 ou do próximo mês de março
(tudo a depender da velocidade de análise das notificações de casos suspeitos
advindos de Pernambuco). Poderia ser transmitida a falsa impressão de que a
epidemia de microcefalia se alastra. Na realidade, tais casos, como dito,
se refeririam a números e percentuais que dizem respeito a
Pernambuco, e seriam provenientes de período de tempo correspondente ao
pico das notificações de casos suspeitos de microcefalia advindas de Pernambuco
(final de novembro /início de dezembro de 2015), após o que caíram
muito as notificações respectivas.
A hipótese levantada pelo Dr. Plínio Bezerra que,
ao menos aparentemente, parece ser corroborada pelos dados disponíveis
atualmente, deveria, a nosso ver, respeitados os princípios constitucionais da
publicidade e da adequada fundamentação, ser objeto de análise e de
investigação aprofundada, de forma consoante com a recomendação da Organização
Mundial da Saúde, no sentido de investigação sobre a determinação da relação de
causalidade, não só quanto ao Zika vírus, mas igualmente quanto a outros
fatores e cofatores.
Considerando ainda que a etiologia da microcefalia
seja múltipla, não devem ser descartadas a priori outras possíveis
causas, várias das quais têm sido divulgadas pela mídia como hipóteses a serem
examinadas. Ademais, há de se ter em conta, ainda, a subnotificação de casos de
microcefalia previamente existentes no Brasil, inclusive por questões de
padronização da mensuração do perímetro cefálico.
Inobstante as observações acima, deve ser
ressaltado que todas as medidas que vêm sendo preconizadas e efetivadas pelo
Poder Público Federal, Estadual e Municipal, em esforço conjunto com a
sociedade civil organizada e população em geral, de combate ao mosquito vetor,
Aedes Egypti – transmissor da Dengue, Chicungunya e Zika vírus, dentre outros –
e sua proliferação, bem como de precaução e cautela, devem continuar a ser
apoiadas, sem prejuízo de medidas adicionais, com vistas a um saneamento básico
estrutural adequado e mais abrangente, que dificulte a existência de ambiência
para esse mosquito e/ou outros vetores. Todas essas medidas concorreriam para a
busca de efetivação de direitos constitucionais básicos do povo brasileiro.
Em contrapartida, tentar instrumentalizar a crise
atual para propor a morte de crianças acometidas por microcefalia no ventre
materno por meio do aborto, como já chegou a ser aventado em nosso meio,
parece-nos, a par de cruel e desrespeitador para com as famílias atingidas, uma
proposta de indisfarçável conteúdo eugênico: matar alguém acometido por alguma
doença grave, ou possivelmente grave, antes de seu nascimento.
Diante da penúria de trabalhos científicos, o
momento é, pois, de investigação e prudência, inclusive para o estabelecimento
de novas propostas terapêuticas. Haveria lugar, por exemplo, para a imunização
passiva, com imunoglobulinas, para proporcionar proteção aos fetos de mães
acometidos por uma virose no primeiro trimestre da gravidez, que seja
comprovadamente lesiva para o sistema imunológico do feto? Uma recente revisão
de vários trabalhos pela prestigiosa Cochrane Library – uma instituição
internacionalmente reconhecida e dedicada à metodologia científica – em relação
à imunização passiva após exposição de grávidas ao vírus da rubéola,
examinando, em particular, o efeito sobre o desenvolvimento da Síndrome da
Rubéola Congênita, não conseguiu garantir a sua real eficácia, apesar de
existir pelo menos um trabalho que mostrava benefício com esta medida
terapêutica. Foram recomendados novos estudos com melhores metodologias. Ou
seja, se mesmo em uma doença como a Rubéola, em que a relação com a
microcefalia está comprovada, ainda existem dúvidas quanto a vários aspectos
importantes, porque agora se deixaria de lado a boa ciência, abdicando-se das
corretas metodologias, passando-se a eleger condutas intempestivas e
desrespeitosas para com o ser humano em uma afecção da qual pouco se sabe?
A dignidade da criatura humana, indissociavelmente
relacionada a todo indivíduo humano desde o início de sua existência, com a
concepção, não pode ser seccionada em razão de fases da existência, ou do lugar
em que se dá ou do grau de saúde. Cabe ao Estado prevenir os riscos de agravos
à saúde, conforme diretriz constitucional básica (vide art. 196, da
Constituição Federal) e quando estes, por qualquer motivo, venham a ocorrer,
buscar os meios para minimizá-los e superá-los e não buscar subterfúgios para
matar o ser humano doente, na ilusão perversa de que com isso se acaba com a
doença ou com o problema decorrente. Entendemos que uma leitura isenta e não
preconceituosa da Constituição Federal, sem tendências discriminadoras
inadmissíveis, deixa claro que os direitos são para todos, inclusive para
aqueles que já existem e que se encontram em desenvolvimento no seio materno, e
não apenas para os já nascidos, já registrados ou já crescidos.
Grupo de trabalho da UJUCARJ sobre a crise de
microcefalia no Brasil.
UNIÃO DOS JURISTAS CATÓLICOS DO RIO DE
JANEIRO
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ZENIT
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