O IV Domingo da Quaresma é
chamado de "Laetare". Esta é a primeira palavra da antífona de
entrada da missa deste domingo: "Laetare, Jerusalem".
"Alegra-te, Jerusalém!" (cf. Is 66,10-11).
É um dos dois únicos dias em que
o Missal Romano prevê a possibilidade do uso de paramentos róseos. A cor é
expressão visível da alegria que inunda toda a celebração litúrgica, ao
aproximar-se a Páscoa da Ressurreição.
A origem da cor rósea está
relacionada à bênção das rosas. De início, tratava-se de rosas naturais. Este
domingo situa-se próximo do início da primavera no hemisfério norte (haja vista
que a Páscoa ocorre no domingo após a primeira lua-cheia da primavera) e, por
isso, os cristãos tinham o costume de presentear-se com as primeiras rosas da
estação. Depois este domingo foi relacionado à bênção da Rosa de Ouro pelo
Papa, como veremos a seguir. Os ritos foram simplificados, mas a Rosa de Ouro
ainda é comumente entregue pelo Santo Padre como sinal de apreço. Um exemplo é
a Rosa de Ouro que o Papa Bento XVI ofereceu à Basílica Nacional de Nossa
Senhora Aparecida durante sua visita em maio de 2007.
Meditando na oração de bênção da
Rosa de Ouro apresentada por D. Prósper no texto abaixo, podemos perceber o
profundo sentido espiritual que se pode alcançar da cor dos paramentos e desta
referência às flores: a Páscoa é a primavera espiritual do cristão, que o
renova, revigora e faz exalar o bom perfume de Cristo. Além disso - como se
percebe nas últimas frases da oração - a verdadeira rosa, a flor à qual a
Liturgia faz referência neste domingo é o Cristo, o Lírio dos Vales, a Flor dos
Campos que germinou no Tronco de Jessé.
Outro acento especial é a
alegria. Somente na oração de bênção citada por D. Prósper podemos contar nove
referências a alegria, felicidade, gozo, contentamento. É a alegria cristã,
haurida na Ressurreição do Senhor pela participação nesta em nosso Batismo.
Cabe recordar que o Missal Romano
atual afirma que neste domingo, além dos paramentos poderem ser de cor rosa,
pode-se ornar o altar com flores e o órgão (ou outros instrumentos) pode voltar
a soar nas igrejas, quase como uma antecipação das festas pascais.
Apresento, a seguir, a tradução
que fiz de um texto de Dom Prósper Guéranger, OSB, um dos pais do movimento
litúrgico, sobre a celebração deste IV Domingo da Quaresma. Além de apresentar
a origem histórica da celebração, Dom Prósper oferece-nos também uma excelente
meditação sobre o sentido espiritual deste dia:
QUARTO DOMINGO DA QUARESMA
Dom
Prósper Guéranger ("O Ano Litúrgico)
O domingo da alegria
Este Domingo chamado Laetare, da
primeira palavra do Intróito da Missa, é um dos mais célebres do ano. Neste dia
a Igreja suspende as tristezas da Quaresma; os cantos da Missa não falam senão
de alegria e de consolação; se faz ouvir novamente o órgão, que permaneceu mudo
nos três Domingos precedentes; [... ]é consentido substituir os paramentos
roxos com paramentos rosa. Os mesmos ritos já os havíamos visto praticarem
durante o Advento, no Terceiro Domingo chamado Gaudete. Manifestando hoje a
Igreja a sua alegria na Liturgia, quer felicitar-se do zelo de seus filhos;
havendo eles já percorrido a metade da santa quaresma, quer estimular o seu
ardor a prosseguirem até o fim.
A Rosa de Ouro
A bênção da Rosa é ainda hoje um
dos particulares ritos do Quarto Domingo da Quaresma, por qual razão vem
chamado também de Domingo da Rosa. Os graciosos pensamentos que inspira esta
flor são em harmonia com os sentimentos que hoje a Igreja quer infundir nos
seus filhos, aos quais a alegre Páscoa logo abrirá uma primavera espiritual, em
confronto da qual a primavera da natureza não é senão uma pálida idéia. Também
esta instituição remonta aos séculos mais distantes. A instituiu são Leão IX,
em 1049, na Abadia da Santa Cruz de Woffenheim; e nos resta um sermão sobre a
Rosa de Outro, que Inocêncio III pronunciou aquele dia na Basílica da Santa
Cruz em Jerusalém (PL 217,393). Na Idade Média, quando o Papa morava ainda no
Latrão, depois de haver abençoado a Rosa, seguia em cortejo todo o Sacro
Colégio, rumo à igreja da Estação, levando na cabeça a Mitra e na mão esta flor
simbólica. Chegado à Basílica, pronunciava um discurso sobre os mistérios
representados pela Rosa por causa de sua beleza, a sua cor e o seu perfume.
Então se celebrava a Missa; terminada a qual, o Pontífice retornava ao Palácio
Laterantense, atravessando a esplanada que separa as duas Basílicas, sempre com
a Rosa na mão. Chegado à porta do palácio, se no cortejo era presente um
príncipe, cabia a ele conduzir as rédeas e ajudar o pontífice a desmontar do
cavalo; em recompensa da sua cortesia recebia a Rosa, objeto de tanta honra.
Aos nossos dias a função não é
mais tão imponente; mas lhes há conservado todos os principais ritos. O Papa
abençoa a Rosa de Ouro na Sala dos Paramentos, a unge com o Santo Crisma e
sobre ela espalha um pó perfumado, conforme o rito de um tempo; e quando chega
o momento da Missa Solene, entra na Capela do Palácio, tendo entre as mãos a
flor. Durante o Santo Sacrifício a rosa é colocada sobre o altar e fixada sobre
um rosário de ouro feito para este fim; finalmente, terminada a Missa, ela é
levada ao Pontífice, o qual ao sair da Capela a tem sempre entre as mãos até a
Sala dos Paramentos. Muitas vezes o Papa costuma enviar a Rosa a qualquer
príncipe ou princesa que deseja honrar; outros vezes é uma cidade ou então uma
Igreja que é feita objeto de tal distinção.
Bênção da Rosa de Ouro
Damos aqui a tradução da bela
oração com a qual o Soberano Pontífice abençoa a Rosa de Ouro: essa ajudará os
nossos leitores a melhor penetrarem o mistério desta cerimônia, que acrescenta
tanto esplendor ao quarto Domingo da Quaresma:
“Ó Deus,
que tudo criastes com a vossa palavra e poder, e que governais com a vossa
vontade; Vós que sois o gozo e a alegria de todos os fiéis; suplicamos a vossa
majestade que vos digneis abençoar e santificar esta Rosa de aspecto e perfume
tão agradáveis, que nós devemos hoje em trazer entre as mãos, em sinal de
alegria espiritual: para que o povo a vós consagrado, arrancado do jugo da
escravidão da Babilônia com a graça do vosso Filho Unigênito, glória e alegria
de Israel, exprima com coração sincero as alegrias da Jerusalém do alto, nossa
mãe. E como a vossa Igreja, à vista deste símbolo, exulta de felicidade pela
glória do vosso Nome, concede-lhe, ó Senhor, um contentamento verdadeiro e
perfeito. Agrade-vos a sua devoção, absolve os seus pecados, aumenta-lhe a fé;
abate os seus obstáculos e concede-lhe todo bem: para que a mesma Igreja vos
ofereça o fruto de suas boas obras, caminhando atrás dos perfumes desta flor, a
qual, surgida da planta de Jessé, é misticamente chamada a flor dos campos e o
lírio dos vales; e que ela mereça gozar um dia a alegria sem fim na glória
celeste, em companhia de todos os Santos, com a Flor divina que vive e reina
contigo, na unidade do Espírito Santo, por todos os séculos dos séculos. Amém”.
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FONTES:
GUÉRANGER, D. Prósper, OSB.
L’anno liturgico: I. Avvento - Natale - Quaresima – Passione. Trad. it. P.
Graziani. Alba, 1959. Disponível em: http://www.unavoce-ve.it/gueranger.htm.
Acesso em: 13 mar. 2010.
KECKEISEN, D. Beda, OSB. Missal
Quotidiano: completo / em português com o próprio do Brasil: edição B. 24.ed.
Salvador: Beneditina, 1964.
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Arte de
Celebrar
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