Em
manifesto recente, no início do mês no Aeroporto Internacional Tom Jobin, o
Galeão, no Rio de Janeiro, agentes das forças de segurança diziam: “Nós estamos
morrendo. Os criminosos olham para a nossa identidade e nos matam. Como uma
cidade que não tem segurança pode sediar os Jogos? Para a Olimpíada tem tudo,
para a gente, nada".
A declaração
aponta uma situação crítica da realidade não só do Rio de Janeiro, mas também
de outras unidades da federação. A violência tem alcançado índices tais que
colocam o Brasil entre os países mais violentos do mundo. Tal situação é
expressão de uma realidade muito mais complexa. Ela tem sua origem na família,
passa pela educação, culminando com a dificuldade, sobretudo dos jovens, de
encontrar um curso universitário qualificado e viável para quem sente a
necessidade de também encontrar um lugar de trabalho digno.
As
Olimpíadas são expressão da sempre rica possibilidade de integração dos povos e
culturas através da prática esportiva. Nesse sentido é uma honra para o Brasil
poder sediar os Jogos Olímpicos de 2016. Há um esforço enorme de muitos para
que tudo corra da melhor forma possível. Um evento deste nível representa uma
oportunidade ímpar para promover as belezas naturais locais, as ricas tradições
culturais, a boa cozinha brasileira, o espírito alegre e acolhedor da
população.
Entretanto,
o evento olímpico também desmascara uma realidade nacional grave que alguns
teimam em esconder. O enorme fosso existente, e que persiste, entre ricos e
pobres, expressões da classe política e a população, bem público e privado,
ética e antiética, decência e indecência, legalidade e ilegalidade.
O próprio
Estado do Rio de Janeiro decretou recentemente calamidade pública, pois a grave
crise financeira que enfrenta "vem impedindo o Estado de honrar com os
seus compromissos para a realização dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio
2016". Embora os recursos financeiros para a conclusão das inúmeras obras
necessárias à realização dos jogos já tenham sido garantidos, sobretudo por
meio de incentivo (renúncia fiscal), resta uma grande insatisfação relativa a
tantos outros aspectos da vida social que necessitam urgentemente de atenção.
Os Jogos
Olímpicos têm seu início e conclusão. Todavia, a população solicita atendimento
urgente das necessidades básicas. Não basta favorecer um belo cenário para a
realização do evento. É preciso responder às reais situações que o povo honesto
e trabalhador enfrenta no dia a dia.
Há temas
que se tornaram cansativos, mas não insignificantes. O que dizer da
desconstrução paulatina dos valores familiares? E os índices de violência? Como
obter assistência à saúde à altura de quem honestamente luta para conseguir o
pão de cada dia? Como justificar a baixa qualidade do ensino público? Por que,
então, não favorecer também o ensino privado? Por que tanta necessidade de
rever orçamentos? Seriam os projetistas incompetentes? Como agir diante de
informações de tanta corrupção?
Os Jogos
Olímpicos representam uma ótima chance para mostrar ao mundo o que o Brasil tem
de melhor. Ao mesmo tempo, porém, é oportunidade para mais uma vez teimosamente
denunciar as mazelas de conglomerados de todo tipo que agem como detentores de
um poder indigno: corrupção, falcatruas, desonestidade, ausência de espírito
cívico.
O legado
da Copa do Mundo recentemente celebrada foi de obras inacabadas, estádios
deslocados, denúncias de desvios financeiros de todo tipo. Se há dinheiro para
tais obras – embora os respectivos orçamentos necessitem de frequentes revisões
– não haveria também o necessário para suprir as necessidades básicas da
população, especialmente dos menos favorecidos?
Dom Jaime
Spengler
Arcebispo
de Porto Alegre
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