Foram
muitos envios de mensagens e muitas perguntas que inundaram as redes sociais na
semana que passou sobre a maneira como presidir a Missa Latina. No centro das
discussões estava uma conferência pronunciada pelo Cardeal da Congregação para
o Culto Divino sobre o voltar-se para o “Oriente” a partir do próximo Advento,
esperando o Senhor que virá. Creio que tudo já foi esclarecido com a declaração
da Sala de Imprensa da Santa Sé.
Recentemente,
uma declaração do Cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto
Divino e a Disciplina dos Sacramentos, não foi bem interpretada, por isso, o
Pe. Federico Lombardi, SJ, porta-voz oficial da Santa Sé prestou alguns
esclarecimentos oportunos. Trata-se da Missa ad Orientem (olhando para o
Oriente, de costas para a assembleia) que poderia – a título de sugestão – ser
celebrada a partir do próximo Advento.
À luz dos
dados de que dispomos, abordaremos o assunto neste artigo a fim de ajudar a
dissipar as dúvidas que possam, eventualmente, ter permanecido nos fiéis,
clérigos ou leigos, de modo especial, visando a nossa Arquidiocese de São
Sebastião do Rio de Janeiro.
Trata-se
do seguinte: no dia 7 de julho, na Conferência inaugural de Sagrada Liturgia UK
206, em Londres, o Cardeal Sarah disse que “é muito importante que voltemos o
mais rápido possível a uma mesma direção, dos sacerdotes e de todos os fiéis na
mesma direção: para o oriente ou pelo menos para o tabernáculo”, como prevê a
forma extraordinária da Missa, nunca abolida, mas autorizada mais amplamente
pelo Papa Bento XVI por meio do Motu Proprio Sumorum Pontificum, de 2007.
No
entanto, a colocação do Cardeal não é uma norma, mas, sim, sugestão que, se
aceita, deve ser implantada a partir do Primeiro Domingo do Advento (27 de
novembro), de forma muito prudente, pastoralmente útil, sem se esquecer da
catequese antecedente. Diz ele: “Assim, queridos sacerdotes, peço-lhes para que
implementem essa prática sempre que possível, com prudência e com a catequese
necessária, certamente, mas também com a confiança pastoral de que isso é algo
bom para a Igreja, algo bom para o nosso povo”.
A ideia
do Cardeal é melhor integrar, a pedido do Papa Francisco, as duas formas do
mesmo rito romano: a ordinária e a extraordinária. Daí o tempo do Advento ser
propício a isso, pois nos leva a olharmos todos na mesma direção, olhando para
o Senhor que vem, ou para a sua Cruz, centro de nossa salvação, que está no
Oriente. E acrescenta: “Como Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a
Disciplina dos Sacramentos, desejo recordar que a celebração Ad Orientem está
autorizada pelas rubricas, que especificam os tempos em que o celebrante deve
se virar para o povo. Portanto, não é necessário ter uma permissão especial
para celebrar olhando para o Senhor”. Tal forma de celebrar evitaria também que
algumas Missas se tornem espetáculos, que, em vez de louvar a Deus, se pratica
um culto humano no qual o Senhor quase nem é lembrado. Ora, isso faz com que as
pessoas sedentas de Deus se afastem da Igreja.
Diante
das dúvidas levantadas, especialmente por pessoas que não entenderam a contento
as palavras do Prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos
Sacramentos, a Sala de Imprensa da Santa Sé emitiu, dia 11 último, o comunicado
“Algumas elucidações sobre a celebração da Missa”, por meio do Pe. Federico
Lombardi, SJ, seu porta-voz. Diz a nota, após recordar as colocações do Cardeal
Sarah, que “é melhor evitar o uso da expressão ‘reforma da reforma’, em
referência à liturgia, dado que, às vezes, foi fonte de equívocos”.
Diz ainda
o comunicado que o Prefeito da Congregação para o Culto Divino “sempre está
preocupado justamente pela dignidade da celebração da Missa, de modo que se
expresse adequadamente a atitude de respeito e adoração pelo mistério
eucarístico”. Tal zelo, justo e necessário, contudo, não abole as normas
relativas à Celebração Eucarística na forma ordinária, conforme assinala o
número 299 da Instrução Geral do Missal Romano, no qual se estabelece que se
construa o altar afastado da parede, de modo a permitir andar em volta dele
facilmente e a celebração se possa realizar de frente ao povo, o qual convém
que seja possível em todas as partes. Segundo o mesmo, o altar deve ocupar o
lugar que seja de verdade o centro para espontaneamente convergir a atenção de
toda a assembleia dos fiéis.
Também
diz a Nota que, “por sua parte, o Papa Francisco, em ocasião de sua visita ao
dicastério do Culto Divino”, que é presidido pelo Cardeal Sarah, “recordou
expressamente que a forma ‘ordinária’ da celebração da Missa (de frente para o
povo) é a prevista no Missal promulgado pelo Papa Paulo VI, enquanto que a
‘extraordinária’, que foi permitida pelo Papa Bento XVI para as finalidades e
com as modalidades explicadas por ele no Motu Proprio Summorum Pontificum, não
deve, assim, tomar o lugar da ‘ordinária’”. A forma ordinária e cotidiana da
celebração da Santa Missa é versus populum; a forma Ad Orientem é sempre
extraordinária e, como lembra o Cardeal Sarah, embora não requeira autorização
para ser celebrada, não deve ser feita sem a devida catequese preparatória; e
um estudo sobre seu alcance pastoral, onde ela ocorrer. Caso contrário, pode
tornar-se um espetáculo a atrair curiosos presos às rubricas, mas não a Deus.
Cai-se no erro, que se pretende evitar quando há abusos na forma ordinária,
fazendo do detalhe – e não do Essencial – o mais importante.
Tudo
isto, conclui o comunicado, “foi expresso acordemente no curso de uma recente
audiência concedida pelo Papa ao mesmo Cardeal Prefeito da Congregação para o
Culto Divino”. Aliás, já o Papa Bento XVI, que autorizou mais amplamente a
forma extraordinária, declarou que “em termos concretos, a liturgia renovada
pelo Vaticano II é a forma válida de a Igreja celebrar hoje a liturgia”. (Luz
do mundo, 2010, p. 108).
Devemos,
agora, ressaltar, a fim de que não pairem dúvidas, que a Missa é uma só. Ela
reapresenta de modo incruento (sem padecimento físico) o sacrifício de Cristo
realizado de modo cruento (com sofrimento físico) uma só vez, no Calvário. Há
sim duas versões latinas do mesmo sacrifício da Missa e ambas são igualmente
válidas e aceitas pela Igreja, de modo a não ser correto falar, por exemplo, em
duas missas diversas entre si. Mesmo porque temos outros ritos, em geral
orientais, que ampliam ainda mais esse conceito.
O próprio
Papa Bento XVI, ao tratar do assunto, em 2007, afirmou que “não é apropriado
falar destas duas versões do Missal Romano como se fossem dois ritos. Trata-se,
antes, de um duplo uso do único e mesmo rito”. Mais: “Em primeiro lugar, há o
temor de que aqui seja afetada a autoridade do Concílio Vaticano II e que uma
das suas decisões essenciais – a reforma litúrgica – seja posta em dúvida. Tal
receio não tem fundamento. A este respeito é preciso, antes do mais, afirmar
que o Missal publicado por Paulo VI, e reeditado em duas sucessivas edições por
João Paulo II, obviamente é e permanece a forma normal – a Forma ordinária – da
Liturgia Eucarística. A última versão do Missale Romanum, anterior ao Concílio,
poderá ser, por sua vez, usada como forma extraordinária da Celebração
Litúrgica”.
Continua
ainda o Santo Padre: “Quanto ao uso do Missal de 1962, como Forma
Extraordinária da Liturgia da Missa, quero chamar a atenção para o fato de que
este Missal nunca foi juridicamente ab-rogado e, consequentemente, em
princípio, sempre continuou permitido. Na altura da introdução do novo Missal,
não pareceu necessário emanar normas próprias para um possível uso do Missal
anterior”.
Todavia,
importa frisar, com Bento XVI, que abusos quanto ao uso do novo Missal em
algumas regiões levaram não só reduzidos grupos (ditos tradicionalistas) a
apegarem-se ao Missal de São Pio V, como também grupos de jovens fiéis ao
Concílio Vaticano II que, sem derrogar o Rito Conciliar, pretendiam continuar
usando o Missal pré-conciliar. Por isso, o Papa João Paulo II, pelo Motu
Proprio Eclesia Dei, de 2 de julho de 1988, prescreveu algumas normas para o
uso do Missal de 1962, recomendando que os Bispos, nas suas respectivas dioceses,
dessem atenção às “justas aspirações” dos fiéis que pleiteavam o uso do Rito
Romano.
O
documento de São João Paulo II ainda deixou dúvidas: havia quem temesse que o
uso do Missal de São Pio V pusesse em risco as reformas conciliares, deixando
não poucos Bispos apreensivos quanto às desordens no seio de suas dioceses. Daí
o Papa Bento XVI escrever o Motu Proprio intitulado Summorum Pontificum, para
deixar mais à vontade aqueles que desejam celebrar segundo o Missal de São Pio
V, desde que não menosprezem o valor do Novo Missal, fruto das reformas
conciliares.
Isso
posto, realça ainda o Papa Bento XVI: “Não existe qualquer contradição entre
uma e outra edição do Missale Romanum. Na história da Liturgia, há crescimento
e progresso, nenhuma ruptura”. Importa, ainda, recordar, na caridade pastoral,
o seguinte: “Regular a sagrada liturgia compete à Santa Sé e segundo as normas
do Direito ao Bispo diocesano e Assembleias ou Conferências Episcopais: por
isso, ninguém mais, mesmo que seja sacerdote, ouse, por sua iniciativa,
acrescentar, suprimir ou mudar, seja o que for em matéria litúrgica”.
(Sacrossanctum Concilium n. 22).
Mais: “Na
qualidade de Pontífice responsável pelo Culto divino na Igreja particular, o
Bispo deve regular, promover e custodiar toda a vida litúrgica da Diocese”
(Congregação para os Bispos, ApS n.154). Disso decorre que a comunhão com o
Bispo é condição para que seja legítima uma celebração no território de sua
diocese (cf. Christus Dominus, n. 15; Sacrossanctum Concilium, n. 39; Bento
XVI. Sacramentum Caritatis, n. 39), de forma a se rechaçar, como ilegítimas,
todas as improvisações e/ou abusos na celebração da Santa Missa. Esta, bem
celebrada, na sua forma ordinária, sempre atrai o Povo de Deus para o culto
divino bem entendido e participado. O importante, acima de tudo, é celebrar o culto a Deus e evangelizar as pessoas, dando um testemunho credível do
Evangelho, não criando divisões que não existem e evitando tudo aquilo que pode
levar à confusão dos fiéis. Que todos nós possamos reafirmar que o modo
ordinário da celebração da Santa Missa é o que cotidianamente se celebra em
quase a totalidade das paróquias de nossa Arquidiocese e que, qualquer exceção,
deverá ser dentro do que pede o direito universal e as normas da Arquidiocese
do Rio de Janeiro, lembrando, acima de tudo, que mais do que discussões de
rubricas, devemos viver o espírito da Santa Eucaristia, que é sempre sacramento
de comunhão e de alimento salutar de vida eterna.
Cardeal
Orani João Tempesta
Arcebispo
de São Sebastião do Rio de Janeiro (RJ)
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