PARTE I
O Deus
dos cristãos é diferente de todos os outros: é único, original. Nossa fé
professa que Ele é uno e trino - Triuno -, um só Deus na Trindade das Pessoas
divinas. E, no entanto, na prática, os cristãos não compreendem bem o que isto
significa nem percebem o quanto isto é importante, fundamental, para a nossa
fé.
Basta
dizer que sem a Trindade, se Deus não fosse trino, a criação não seria
possível, a salvação não existiria e não haveria esperança para a história
humana nem para o universo! “Como?” – perguntam os cristãos, admirados com tais
afirmações... Todas estas assertivas podem parecer exageradas. Se for assim, se
para você tais afirmações são muito radicais, então é porque você é um desses,
que não compreenderam ainda o quanto é fundamental, essencial mesmo, que Deus
seja uno e trino. É para que, juntos, possamos aprofundar nossa compreensão
deste que é o Mistério central da fé cristã vou apresentar algumas meditações
sobre a Santa Trindade.
E vou
logo afirmando que nosso encontro com a Trindade Santa começou num Primeiro Dia
da semana, que chamamos agora de Domingo. Isto mesmo: tudo começou num Domingo!
Mas,
vamos por ordem, começando com uma primeira questão: Onde a Igreja foi buscar
essa fé trinitária? Não seria mais fácil dizer, como os judeus e os muçulmanos,
que Deus é um só, com um monoteísmo absoluto, e basta? Não seria mais simples
dizer, como os antigos arianos cristãos e os espíritas atuais, que Jesus é
somente um profeta de Deus, alguém especial, mas que é criatura de Deus? Não
seria menos complicado afirmar, como as testemunhas de Jeová, que o Espírito
Santo é apenas uma força de Deus? Por que complicar? Onde os cristãos foram
buscar esta certeza de que Deus é uno e trino?
Para
encontrar a resposta a esta questão, é necessário voltar ao Dia da
Ressurreição: foi ali que tudo começou: "primeiro dia depois do
sábado" (Jo 20,19), provavelmente dia 9 de abril do ano 30!
Primeiramente,
vamos deixar claro uma coisa: o Antigo Testamento não ensina que Deus é trino,
não fala diretamente da Trindade! Os judeus nem sonhavam que Deus é Pai, Filho
e Santo Espírito. Eles acreditavam num Deus único, Javé, e acreditavam que este
Deus grande e misericordioso enviaria um dia o Messias – alguém muito especial,
o maior de todos os profetas, tão grande quanto Moisés: ele viria libertar o
povo de Israel de todos os seus opressores, limpar o Povo eleito de seus
pecados, restaurar o trono do Rei Davi e espalhar por toda a terra o juízo de
Deus e o Seu santo Reinado. Esse Messias seria cheio do Espírito de Javé, quer
dizer, da Sua força: o próprio nome “messias” quer dizer “ungido”... Ungido
pelo Espírito de Javé. Era assim que os apóstolos acreditavam, assim que Maria
pensava, assim que qualquer judeu piedoso do Antigo Testamento imaginava. Os
judeus sempre repetiram e continuam a repetir com toda a piedade: "Ouve, ó
Israel: Javé nosso Deus é o único Javé!" (Dt 6,4).
Veio
Jesus; Ele dizia ser o Messias: no início do Seu ministério Ele fora ungido
pela Força de Javé, quer dizer, pelo Seu Espírito. Quando Javé O ungiu no
Jordão, apresentou-O assim: “Este é o Meu Filho amado, de Quem Eu Me agrado (Mt
3,17). Isso mesmo: Jesus foi apresentado como Filho de Javé. Já na anunciação o
Anjo tinha dito a Maria: “Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo” (Lc
1,32). Mas, atenção: isto não queria dizer ainda que Jesus era Deus! No Antigo
Testamento os reis eram chamados “filho de Deus” (cf. Sl 2,6s; 2Sm 7,14),
também o povo de Israel era chamado assim (cf. Is 1,2;Dt 32,20; Os 11,1). Mais
ainda: os justos, os pobres, todos estes eram considerados “filhos de Deus”,
quer dizer Seus protegidos, Seus amigos (cf. Sb 2,16.18). Assim, quando os
judeus falavam em filho de Deus não pensavam que alguém fosse Deus, fosse igual
a Javé! Isso, nem pensar: O Senhor é único: não tem filhos, não pode ser
dividido, não pode ser multiplicado; nada há nem pode haver jamais ao Seu lado:
Ele é Único, Ele é Um no céu e na terra; Ele, o Indizível, o Santo, o
Incompreensível, o Infinito, o Eterno, "O Nome" - "Hashem",
como os judeus piedosos gostam de a Ele se referir!
Assim,
nem Maria, nem os apóstolos, nem ninguém imaginaria jamais que Jesus fosse
Deus! Mais uma vez: o povo de Israel tinha muito claro na mente as palavras
solenes da Escritura: “Ouve, ó Israel! Javé nosso Deus, Javé é um só!” (Dt 6,4)
No entanto, um coisa é certa: Jesus se dizia Filho de Deus e agia de um modo
completamente novo, estranho em relação a Deus: Ele era íntimo demais de Javé;
chegava mesmo a tratá-Lo de um modo que ninguém ousava tratar: chamava-O de
“Meu Abbá”, quer dizer, “Meu painho”, ou “Meu papai”! Isto mesmo: abbá era o
modo como as criancinhas pequenas chamavam os seus pais! Jesus nunca dizia
“nosso Abbá”; dizia sempre “Meu Abbá”. Você deve estar pensando no Pai-nosso, o
“Abbá nosso” que Jesus nos ensinou... Cuidado! Jesus diz assim: “(Vós) Orai
desta maneira: Abbá nosso...” (Mt 6,9); Quando (vós) orardes, dizei: Abbá...
(Lc 11,2) A ideia é clara: Jesus manda que nós digamos “Abbá nosso”; Ele não
entra, não diz “nós”, diz “vós”! Ele Se considera o Filho de Javé de um modo
todo especial: “Subo ao Meu Abbá e vosso Abbá, ao Meu Deus e vosso Deus!” (Jo
20,17). Mais uma vez aparece claramente: Javé é o Deus e Pai de Jesus de um
modo único, exclusivo, diferente do modo de ser nosso Deus e nosso Pai! Por
isso mesmo Jesus Se colocava numa intimidade com Javé que parecia aos judeus
muito desrespeitosa e atrevida, até mesmo blasfema. E mais: Jesus agia com uma
autoridade que parecia igual a de Javé; fazia coisas que somente Javé poderia
fazer:
·
perdoava os pecados (cf. Mc 2,1-12)
·
dominava o mar (cf. Mc 4,35-41; Jo 6,16-21 – segundo o Antigo Testamento
somente Javé poderia dominá-lo – cf. Pr 8,29; Jó 38,8-11; Sl 104,7-9)
·
interpretava a Lei (a Torá) com uma autoridade espantosa: “ouvistes o que foi
dito (na Lei) aos antigos... Eu, porém, vos digo” (cf. Mt 5,21-48)
· quando
ensinava, já começava exigindo obediência, antes mesmo de falar: “Amém, amém Eu
vos digo” (cf. Jo 8,34; 6,47; 12,24).
Assim,
compreendamos bem: nada disso afirmava que Jesus era Deus, que era igual a
Javé, mas uma coisa é certa: Ele agia de tal modo que Se colocava numa
proximidade com Deus que ninguém neste mundo poderia imaginar. Tanto isto é
verdade, que os judeus chegavam a reconhecer, indignados: “Sendo apenas homem,
Tu Te fazes Deus! (Jo 10,33)
Mas,
repito, nem os apóstolos, nem os discípulos de Jesus, nem ninguém, poderia
sonhar que Ele era igual a Javé, que Ele era divino, que Ele era Deus!
Então,
como, finalmente, a Igreja chegou a esta conclusão? Como os apóstolos chegaram
a afirmar que Jesus é Deus, com o Pai e o Espírito Santo?
É na
próxima parte que veremos isto! Por agora, seria tão bom repetir sempre com
toda a certeza e com toda a devoção: "Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus,
o Senhor é Único!" Pode repetir tais palavras santas com toda a convicção
e certeza do Antigo Israel! O nosso Salvador nos ensinou que este é o primeiro
fundamento da nossa fé: "O primeiro é: Ouve, ó Israel, o Senhor nosso Deus
é o Único Senhor! Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda tua
alma, de todo o teu entendimento, e com toda a tua força!" (Mc 12,29s) O
Senhor é Único: nada nem ninguém pode ser colocado ao Seu lado, nada pode ser
amado e servido ao lado Dele: Ele é Único! "Filhinhos, guardai-vos dos
ídolos!" (1Jo 5,21).
PARTE II
Vimos, no
tópico passado, que nem o Antigo Testamento nem ninguém na época de Jesus
suspeitava que Deus fosse trino, que o Filho e o Santo Espírito fossem Deus! O
Deus de Israel chamava-se Javé (Jeová é uma tradução errada do nome de Deus) e
basta!
Vimos
também que Jesus Se apresentou e agiu como “filho de Deus’... Mas, na
mentalidade dos judeus, “filho de Deus” não significava que Ele era igual a
Deus, que Ele era Deus! Finalmente, vimos que Jesus agia e falava com uma
autoridade que deixava os Seus contemporâneos espantados: “Sendo apenas homem,
Tu Te fazes Deus!” (Jo 10,33)
Ficamos,
no tópico passado, com uma pergunta: Como, então, a Igreja apostólica descobriu
que Deus era trino? Foi no Dia da Ressurreição! Quando, naquele primeiro dia
depois do sábado, o Ressuscitado veio ao encontro dos discípulos, eles foram
surpreendidos. Não somente porque Jesus estava vivo, mas, sobretudo porque
estava ressuscitado, quer dizer, completamente transfigurado: Seu corpo estava
totalmente transformado; era o mesmo Jesus, trazia ainda as marcas da paixão, mas
estava de tal modo glorificado que mal os discípulos conseguiam reconhecê-Lo!
Antes, só O reconheciam porque Ele mesmo Se dava a conhecer (cf. Lc 24,15s.30s;
24,36ss; Jo 20,11ss; 20,26ss; 21,4ss). Seu corpo, apesar de real, não mais
pertencia a este mundo: o espaço, o tempo, a matéria como a conhecemos, tudo
isto fora ultrapassado por Jesus! Também Sua alma estava transfigurada: Suas
palavras, gestos, atitudes, tinham agora uma majestade que os discípulos,
diante Dele, prostravam-se e O adoravam (cf. Mt 28,17; Lc 24,50ss; Jo 20,17).
Jesus aparecera, então com uma glória que não é deste mundo, que é divina. Mais
tarde, São João dirá: “Nós vimos a Sua Glória, Glória que tem junto ao Pai como
Filho único, cheio de graça e verdade” (Jo 1,15).
Mas, quem
glorificou Jesus deste modo? E como? Quem o glorificou foi Javé, o Deus de
Israel, aquele a Quem Jesus chamava de Pai! Ele transformou de tal modo a
natureza humana de Cristo, que agora aparecia claro que Jesus tinha a mesma
Glória de Javé. Os escritos do Novo Testamento estão cheios desta convicção:
“Jesus, o Nazareu, ... vós O matastes, mas Deus O ressuscitou!” (At 2,24);
“Deus constituiu Senhor e Cristo, a esse Jesus que vós crucificastes” (At
2,36); “... a ação do Seu Poder eficaz (de Deus), que Ele (Deus) fez operar em
Cristo, ressuscitando-O de entre os mortos e fazendo-O assentar à Sua direita
nos céus, muito acima de qualquer Principado... e de todo nome que se possa
nomear. Tudo Ele (o Pai) pôs debaixo de Seus pés (do Filho), e O pôs acima de
tudo” (Ef 1,19ss). Então, para os discípulos, agora tudo aparecia claramente:
Jesus não somente era “filho de Deus” num sentido figurado mas, pela Sua
ressurreição, estava totalmente glorificado, divinizado, adorável como Javé!
Ora, se Ele agora aparecia claramente como divino, então é porque sempre o
fora: ”Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como
algo a que Se apegar ciosamente. Mas esvaziou-Se a Si mesmo, e assumiu a
condição de servo” (Fl 2,6). Desde a ressurreição, os discípulos podiam compreender:
Jesus sempre fora Filho e Javé sempre fora Pai desse Filho eterno. Agora
adquiriam pleno sentido algumas palavras de Jesus: “E agora, glorifica-Me, Pai,
junto de Ti, com a Glória que Eu tinha junto de Ti antes que o mundo existisse”
(Jo 17,5); “Quem Me vê, vê o Pai. Eu estou no Pai e o Pai está em Mim” (Jo
14,9s); “Antes que Abraão existisse, EU SOU” (Jo 8,58). Portanto, o Filho
existe eternamente e provém eternamente de Javé, que é eternamente Pai: os dois
são divinos, os dois têm a mesma dignidade: “No princípio era o Verbo e o Verbo
estava com Deus (Pai) e o Verbo era Deus (como o Pai)” (Jo 1,1); “Ele (o Filho)
é o resplendor de Sua Glória (do Pai) e a expressão do Seu Ser” (Hb 1,3).
Quando o Filho disse que o Pai era maior que Ele (cf. Jo 14,28) é porque, ao Se
fazer homem, Ele tomou a condição de servo, fazendo-Se obediente ao Pai por nós
(cf. Fl 2,6-7). Agora, com a ressurreição, Ele apareceu totalmente glorificado
mais uma vez; glorificado inclusive na Sua natureza humana, antes tão humilde
quanto a nossa!
Assim,
portanto, naquele Domingo da ressurreição, os discípulos experimentaram,
descobriram, testemunharam que Javé é Pai do Filho eterno, que, por Sua vez, é
igual a Ele: Jesus!
Mas, de
que modo Javé ressuscitou Jesus, como O glorificou? Os discípulos já tinham
ouvido falar, no Antigo Testamento, no Espírito de Javé: era uma força de Deus
que impelia os profetas e reis! Mas, agora, o que eles descobriram foi uma
coisa totalmente surpreendente: esse Espírito não só dava força, mas glorificava,
quer dizer, divinizava (= tornava divino). Sim: o Espírito que o Pai derramou
sobre Jesus morto divinizou a Sua natureza humana! Ora, ninguém dá o que não
tem: se o Espírito diviniza, é porque é divino, é porque é Deus! O Novo
Testamento está cheio desta certeza: “(Jesus) morto na carne (= na Sua natureza
humana) foi vivificado no Espírito (no Espírito Santo)” (1Pd 3,18). Jesus foi
estabelecido pelo Pai... “Filho de Deus com poder através de Sua ressurreição
dos mortos, segundo o Espírito de santidade” (Rm 1,4). Pedro, no dia de
Pentecostes, disse para quem quisesse ouvir: “Este mesmo Jesus, Deus O
ressuscitou; e disto somos testemunhas. E agora, exaltado pela direita de Deus,
recebeu do Pai o Espírito Santo” (2,32s). Assim, este Espírito não era somente
uma força do Pai, uma energia, mas era Deus também, como o Pai e o Filho! Por
isso, aquelas palavras de Jesus: “Rogarei ao Pai e Ele vos dará outro
Paráclito, para que convosco permaneça para sempre, o Espírito da Verdade” (Jo
14,16); “O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em Meu Nome, vos
ensinará tudo e vos recordará tudo o que Eu vos disse” (Jo 14,26); “Quando vier
o Paráclito, que vos enviarei de junto do Pai, o Espírito da Verdade, que vem
do Pai, Ele dará testemunho de Mim” (Jo 15,26); “Quando Ele vier (o Paráclito),
estabelecerá a culpabilidade do mundo a respeito do pecado, da justiça e do
julgamento” (Jo 16,8); “Quando vier o Espírito da Verdade, Ele vos conduzirá à
verdade plena, pois não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e
vos anunciará...” (Jo 16,13).
Agora,
sim, tudo estava claro: Javé é o Deus eterno, o Deus de Israel; mas Ele, o Deus
único, não é um Deus solitário: Ele é o Pai eterno do eterno Filho, Deus com
Ele e como Ele! E mais: com o Pai e o Filho existe eternamente o Santo
Espírito, Deus como o Pai, Deus como o Filho! Na Páscoa, o Pai ressuscitou o
Filho (na Sua natureza humana), divinizando-O, glorificando-O, na potência
divina do Santo Espírito!
Foi assim
que a Igreja descobriu, experimentou e professou, adorando, a Trindade Santa.
Mas, isso era apenas o começo! São um ou três deuses? Como expressar com
palavras esse mistério tão grande? Como compreender as relações entre esses
três? O que é um na Trindade? O que são três? No próximo tópico...
PARTE III
Vimos,
nos tópicos passados desta série de meditações, que Javé (Adonai) é o Deus
eterno, o Deus de Israel; mas Ele, o Deus Único, o Indivisível, o
Imultiplicável, o Simples, o Infinito fora do Qual nada há nem pode haver, Ele
não é um Deus solitário: Ele é o Pai eterno do eterno Filho, que é Deus com Ele
e como Ele! E mais: com o Pai e o Filho existe, ou melhor, é eternamente o
Santo Espírito, Deus como o Pai, Deus como o Filho!
Na
Páscoa, o Pai ressuscitou o Filho, divinizando-O, glorificando-O, na potência
divina que é o Santo Espírito!
Ora, esta
revelação da Trindade, acontecida na Páscoa, a Igreja foi experimentando dia
após dia, na sua vida concreta; experimentando a Trindade, adorando a Trindade
e, pouco a pouco, compreendendo a Trindade, o quanto possível seja nesta vida.
O próprio Jesus havia dito que o Espírito Santo iria levar Seus discípulos à
verdade plena: “O Paráclito, o Espírito Santo que o Pai enviará em Meu Nome,
vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que Eu vos disse” (Jo 14,26); “Quando
vier o Espírito da Verdade, Ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará
de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará...” (Jo 16,13).
Um dos
sinais mais fortes da fé da Igreja na Trindade é o batismo. Desde o início ele
é conferido em nome da Trindade Santa: “Então Jesus Se aproximou e lhes disse:
“Toda a autoridade Me foi dada no céu e na terra. Ide, pois, fazei discípulos
Meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo” (Mt 28,18s). Um antiquíssimo texto cristão do século III, escrito por
Santo Hipólito de Roma, sacerdote e mártir, mostra como o batismo era conferido
em Nome de Trindade:
"Assim
que o que vai ser batizado desce à água, diga-lhe aquele que batiza, impondo
sobre ele a mão:
'Crês em
Deus Pai Todo-Poderoso?”
E o que é
batizado, responda: Creio.
Imediatamente,
com a mão pousada sobre a sua cabeça, batize-o (= mergulhe-o) aquele uma vez. E
diga, a seguir:
'Crês em
Jesus Cristo, Filho de Deus, que nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria e
foi crucificado sob Pôncio Pilatos e morreu e (foi sepultado) e, vivo,
ressurgiu dos mortos no terceiro dia e subiu aos Céus e sentou-Se à direita do
Pai e há e vir julgar os vivos e os mortos?'
Quando
responder: Creio, será batizado (= mergulhado) pela segunda vez.
E diga
novamente:
'Crês no
Espírito Santo, na santa Igreja e na ressurreição da carne?'
Responda
o que está sendo batizado: 'Creio'.
E seja
batizado pela terceira vez".
Lembrem-se
que a palavra batizar significa mergulhar. O cristão é, portanto, mergulhado no
Pai criador, no Filho salvador e no Espírito Santo, presente na santa Igreja
como Força de ressurreição.
Mas, além
do batismo, se olharmos com atenção, um número enorme de textos do Novo
Testamento falam de Trindade. Note-se bem: estes textos não são uma explicação
do mistério trinitário, mas sim uma mostra claríssima de como a Igreja vivia na
Trindade. Um peixe não se preocupa em explicar o mar, em compreendê-lo, apesar
de viver mergulhado nele! Assim foi a Igreja com a Trindade: ela cria, adorava
e experimentava o Deus uno e trino. Basta!
Vejamos
alguns desses textos.
"Há
diversidade de dons mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios
mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades mas um mesmo é Deus que
realiza todas as coisas em todos (1Cor 12,4-6)". - Aqui aparece claramente
que toda a vida da Igreja, seus dons, ministérios e atividades, é vivida
trinitariamente: um mesmo Espírito, um mesmo Senhor (Jesus) e um mesmo Deus
(Pai). É importante notar que quase sempre que o Novo Testamento fala em
“Deus”, está se referindo a Deus Pai; Jesus é quase sempre chamado de “Senhor”.
“Em
Cristo sois co-edificados para serdes uma habitação de Deus, no Espírito” (Ef
2,22). - Mais uma vez a Trindade na vida dos cristãos: eles são edificados em
Cristo (o Filho) como habitação pertencente a Deus (Pai) porque estão cheios do
Espírito Santo.
“Todos os
que são conduzidos pelo Espírito de Deus, são filhos de Deus. Pois não
recebestes um espírito de escravos para recair no medo, mas recebestes um
Espírito que faz de vós filhos adotivos com o qual clamamos ‘Abbá, Pa’i” (Rm
8,14s). - A ideia, aqui, é belíssima: o cristão é filho de Deus (Pai) porque recebeu
o Espírito Santo derramado pelo Filho ressuscitado; é este Espírito Santo do
Filho que nos faz dizer 'Pai' a Deus:
“E porque
sois filhos, enviou Deus aos vossos corações o Espírito do seu Filho, que
clama: Abbá, Pai!” (Gl 4,6). - Assim, segundo o Apóstolo, é o Santo Espírito
Quem ora, Quem geme em nós. E a Sua oração é a do próprio Filho Jesus: “Abbá,
Pai”! Por isso mesmo Jesus, o Filho amado do Pai, dizia: “O Pai do céu dará o
Espírito Santo aos que o pedirem” (Lc 11,13).
Note-se
bem: de tudo que aqui foi apresentado, vai aparecendo claramente que a Igreja
sempre viveu na Trindade; a Trindade é seu fundamento, seu chão, seu horizonte,
o ar que ela sempre respirou. Antes mesmo de conseguir encontrar palavras
exatas para exprimir este mistério tão grande, a Igreja o viveu, o experimentou
profundamente. É sempre assim que acontece nas coisas mais importantes da vida:
primeiro se vive, se experimenta... Só depois é que se tenta conceituar,
explicar por palavras.
Por agora
terminemos com mais uma palavra de Paulo, palavra trinitária, de extrema
beleza: “Eu dobro os joelhos diante do Pai... para pedir-Lhe que Ele conceda
que vós sejais fortalecidos em poder pelo Seu Espírito no homem interior, que
Ele faça habitar Cristo em vossos corações pela fé” (Ef 3,14-17). Isso mesmo:
tendo o Espírito do Filho em nós, Espírito que o Filho manda de junto do Pai, o
cristão tem o Filho habitando em si: o Espírito habita em nós; como é Espírito
do Filho nos faz filhos e, assim, nós podemos chamar a Deus de Abbá, como Jesus
chamava!
No
próximo tópico vamos continuar a meditar sobre outros textos do Novo Testamento
que falam da Trindade e vamos ver como foi que a Igreja, logo após a morte da
primeira geração de cristãos, a geração apostólica, continuou a viver a sua fé
na Trindade e procurou explicar melhor este mistério estupendo.
Dom Henrique Soares,
Bispo de Palmares - PE
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