Hoje celebramos a festa do primeiro ser humano – Maria - que, depois de
Cristo seu Filho, experimentou a vitória total contra a morte, também corporalmente.
Não estamos feitos para a morte, mas para a vida, para a ressurreição (segunda
leitura).
Este foi o último dogma proclamado pelo Papa Pio XII em 1º de novembro
de 1950: “Pronunciamos, declaramos e
definimos ser dogma divinamente revelado que a Imaculada Mãe de Deus, sempre
Virgem Maria, terminado o curso da sua vida terrena, foi assunta em corpo e
alma à glória celestial”. Depois de ter lutado contra todos os inimigos
da nossa alma (primeira leitura) e graças a que Cristo venceu o último inimigo
- a morte - (Segunda leitura), Deus nos concederá a ressurreição do nosso
corpo.
Nosso Senhor quis Ele mesmo subir aos céus contemplado pelos homens.
Mas, também quis que a Assunção de Nossa Senhora para o Céu, depois da d'Ele,
se desse diante do olhar humano. Por quê?
Era preciso que a Ascensão fosse vista por homens que pudessem dar
testemunho desse fato histórico duplo: não só de que Nosso Senhor ressuscitou,
mas de que tendo ressuscitado Ele subiu aos Céus. Subindo ao Céu, Ele abriu o
caminho para as incontáveis almas que estavam no Limbo à espera da Ascensão
para se irem assentar à direita do Padre Eterno.
Antes de Nosso Senhor Jesus Cristo ninguém podia entrar no Céu. Apenas
os anjos lá estavam. Então, Nosso Senhor, na Sua Humanidade santíssima, foi a
primeira criatura – porque Ele ao mesmo tempo é Homem-Deus – que subiu aos Céus. E enquanto
Redentor nosso, Ele abriu o caminho dos Céus para os homens.
Também era preciso que Ele, que sofreu todas as humilhações, tivesse
todas as glorificações. E glória maior e mais evidente não pode haver do que o
subir aos Céus. Porque significa ser elevado por cima de todas as coisas da
Terra e unir-se com Deus Pai transcendendo este mundo, onde nós estamos, para
se unir eternamente com Deus no Céu Empíreo.
Jesus Cristo quis que Nossa Senhora tivesse a mesma forma de glória.
Assim como Ela tinha participado como ninguém do mistério da Cruz, que Ela
participasse também da glorificação d'Ele. A glorificação d'Ela se deu sendo
levada aos Céus.
Foi uma assunção e não uma ascensão. A ascensão foi a de Nosso Senhor ao
céu por Sua própria força e poder. A assunção não é igual. Nossa Senhora não
subiu ao Céu por um poder próprio, mas pelo ministério dos anjos. Ela foi
carregada aos céus pelos Anjos. Foi a grande glorificação d'Ela nesta terra,
prelúdio da glorificação d'Ela no Céu.
COMENTÁRIO DOS TEXTOS BÍBLICOS
Leituras: Ap 11, 19; 12, 1-6.10; 1 Cor
15, 20-27; Lc 1, 39-56
Caros irmãos e irmãs, hoje celebramos a
solenidade da Assunção de Nossa Senhora, uma verdade que a Igreja professou
desde os primeiros séculos, proclamada como dogma pelo Papa Pio XII em 1950,
com a bula “Munificentissimus Deus”, onde declarava ser este dogma “revelado
por Deus que a imaculada Mãe de Deus, a Virgem Maria, tendo terminado o curso
de sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória celestial” (DS 3903).
Ao proclamar a Assunção da Virgem Maria, o Papa Pio XII ressaltou,
implicitamente, a dignidade do corpo humano.
O homem chega à glória da eternidade, quando sabe valer-se dos órgãos do
corpo terreno para fazer o bem, para estar a serviço de Deus e dos irmãos, foi
isto que levou Maria à glorificação final.
Todos nós podemos e devemos fazer o mesmo. Guardar a dignidade do corpo
na terra, para que Deus o glorifique no céu.
O evangelho nos remete ao limiar da casa de
Zacarias, onde Maria, apressadamente, vem ter com Isabel, a quem se vê unida
por um mistério análogo; e vem partilhar com ela a sua própria alegria. E neste
encontro, João Batista exaltou de alegria no ventre de Isabel, porque o
Salvador, presente em Maria, estava próximo. E Isabel reconheceu em Maria a Mãe
do Salvador, a bendita entre todas as mulheres. Na saudação de Isabel temos a
sequência do que se ouviu do Anjo Gabriel: “Bendita és tu entre as mulheres e
bendito é o fruto do teu ventre. Bem-aventurada aquela que acreditou, porque
será cumprido o que o Senhor lhe prometeu….” (Lc 1,42.45). E nesse instante,
brota dos lábios de Maria o cântico do “Magnificat”, onde os seus sentimentos
exprimem a consciência do cumprimento das promessas do Senhor (cf. Lc 1,54).
O primeiro movimento deste cântico mariano
(cf. Lc 1, 46-50) é uma espécie de voz solista que se eleva em direção ao céu
para alcançar o Senhor. Com efeito, observe-se o ressoar constante da primeira
pessoa: “A minha alma… o meu espírito… meu salvador… me chamarão de
bem-aventurada… fez grandes coisas em mim…”. A alma desta oração mariana é, portanto,
a celebração da graça divina que transbordou no coração e na sua existência,
tornando-a a Mãe do Senhor. Ouvimos precisamente a voz de Nossa Senhora que
fala assim do seu Salvador, que fez maravilhas na sua alma e no seu corpo.
A estrutura íntima do seu canto é, portanto, o
louvor, o agradecimento, a alegria. É um testemunho pessoal de Maria, que está
consciente de ter uma missão a cumprir pela humanidade e a sua vicissitude
insere-se no âmbito da história da salvação. E assim pode dizer: “A sua
misericórdia se estende de geração em geração sobre aqueles que o temem” (v.
50). Com este louvor ao Senhor, Maria dá voz a todas as criaturas beneficiadas
pela misericórdia de Deus.
O cântico inicia com a palavra “Magnificat”: a
minha alma “engrandece” o Senhor, ou seja, “proclama grande” o Senhor. É
importante que Deus seja grande entre nós, porque somente se Deus está
presente, temos uma orientação, uma estrada comum a seguir. Neste mesmo cântico
Maria diz: “Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada”. A Mãe do
Senhor profetiza os louvores marianos da Igreja para todo o futuro, a devoção
mariana do Povo de Deus até o fim dos tempos. Louvando Maria, a Igreja
respondeu a esta profecia feita por ela, naquele momento de graça. E estas
palavras não deixam de ser um complemento às palavras de Isabel, pronunciadas
no momento em que estava ela repleta do Espírito Santo: “Bendita aquela que
acreditou”. E Maria, também cheia do Espírito Santo, sequencia, afirmando:
“Todas as gerações me chamarão de bem-aventurada”.
Maria é bem “bem-aventurada”, é bendita para
sempre. Este é o contexto da Solenidade que a Igreja celebra neste domingo. É
bem-aventurada porque está unida a Deus, vive com Deus e em Deus. O Senhor, na
vigília da sua Paixão, ao despedir-se dos apóstolos, disse: “Eu vou
preparar-vos, na casa do Pai, uma morada. E há muitas moradas na casa do meu
Pai”. Quando Maria dizia: “Eu sou a tua serva, faça-se em mim segundo a tua
vontade” preparava aqui na terra a morada para Deus; de corpo e alma, tornou-se
morada de Deus.
Maria torna-se a tenda de Deus, a morada onde
Deus vem habitar. Santo Agostinho diz: “Antes de conceber o Senhor no corpo, já
O tinha concebido na alma”. Reservou ao Senhor o espaço da sua alma e assim
tornou-se realmente o autêntico Templo onde Deus encarnou, tornando-se presente
nesta terra. Deste modo, como morada de Deus na terra, nela já está preparada a
sua morada eterna, já está preparada esta morada para sempre. E é nisto que
consiste todo o conteúdo do dogma da Assunção de Maria à glória do céu de corpo
e alma. Maria é “bem-aventurada” porque se tornou totalmente, de corpo e alma e
para sempre a morada do Senhor. Se isto é verdade, Maria não nos convida apenas
à admiração, à veneração, mas também nos orienta, nos indica o caminho da vida
e nos mostra como podemos tornar-nos bem-aventurados, como podemos encontrar a
vereda da felicidade.
Maria, com a sua total disponibilidade, abriu
as portas ao Salvador do mundo. Foi grande e heróica a obediência da sua fé;
foi precisamente através desta fé que Maria se uniu perfeitamente a Cristo, na
morte e na glória. Olhando para ela fortalece em nós a fé no que esperamos, e,
ao mesmo tempo, compreendemos melhor o sentido e o valor da nossa peregrinação
neste mundo.
Também as palavras do Apóstolo São Paulo, na
segunda leitura (cf. 1Cor 15,20-26), nos ajudam a compreender o significado
desta solenidade que celebramos. Em Maria, que subiu ao Céu no termo da sua
vida terrestre, resplandece a vitória definitiva de Cristo sobre a morte, que entrou
no mundo em virtude do pecado de Adão. Foi Cristo, o “novo” Adão, que venceu a
morte, oferecendo-se em sacrifício no calvário, em atitude de amor obediente ao
Pai. Assim, Ele nos resgatou da escravidão do pecado e do mal. No triunfo da
Virgem, a Igreja contempla aquela que o Pai escolheu como verdadeira Mãe do seu
Filho Jesus, a quem associou intimamente ao desígnio salvífico da Redenção. Por
isso, Maria constitui um sinal consolador da nossa esperança.
Em cada celebração eucarística, o Filho de Deus
é doado a nós. Quem participa da comunhão leva consigo agora de modo particular
o Senhor ressuscitado. Como Maria levou no seu ventre um frágil e pequeno ser
humano, totalmente dependente do amor da mãe, assim, Jesus Cristo, sob a
espécie do pão, se confiou a nós. É Jesus mesmo que se doa tão inteiramente nas
nossas mãos! Possamos nós ter por ele o mesmo amor que tem a sua mãe Maria!
Possamos leva-lo a todos, como Maria o levou a Isabel, suscitando júbilo e
alegria! A Virgem doou ao Verbo de Deus um corpo humano, para que pudesse
entrar no mundo. Doemos também nosso corpo ao Senhor, tornemos o nosso corpo
cada vez mais um instrumento do amor de Deus, um templo do Espírito Santo!
Possamos aprender com Maria os caminhos que
nos levam à glória do céu. Que saibamos estar na escola daquela que “guardava e
meditava tudo em seu coração” (Lc 2,16). Que ela interceda por nós, para que,
dizendo “não” ao erro e ao pecado, saibamos preparar o nosso encontro
definitivo com Cristo, no final da nossa peregrinação terrestre.
PARA REFLETIR
Desde o início da Igreja se falava ou da morte
ou da dormição de Nossa Senhora. São duas vertentes de um só acontecimento.
Alguns diziam que Maria foi acometida de um sono profundo e, então, foi elevada
em corpo e alma ao Céu. Outros diziam que morreu e que também foi em corpo e
alma para a glória. Estes dois pensamentos ressaltavam que assim como Nossa
Senhora teve a Sua pureza preservada na Virgindade, assim como era da mesma
carne de Jesus, o Filho de Deus, foi preservada da corrupção da morte e –
dormindo ou morrendo – foi elevada imediatamente ao Céu em corpo e alma.
A elevação de Maria ao Céu sempre fez parte da
fé da Igreja.
Era
mais comum antigamente se defender a posição dos que pensavam que Maria dormiu.
Os que defendiam tal idéia diziam que Nossa Senhora, não tendo o pecado
original, não poderia ter a sua conseqüência que é a morte. Tinha de ser
preservada.
Depois que Pio IX proclamou o Dogma da
Imaculada Conceição intensificou-se a discussão entre os Teólogos a respeito do
fim da vida terrena de Maria. Muitos começaram a afirmar que Maria não poderia
ter morrido, uma vez que a morte é o castigo pelo pecado. A discussão tornou-se
tão acirrada que Pio XII não quis incluí-la na proclamação da Assunção.
Da proclamação do Dogma da Assunção em diante
os teólogos começaram a defender a idéia da morte de Maria pelo fato de que até
Jesus morreu e, portanto, não haveria nenhum inconveniente em aceitar a morte
de Sua Mãe.
As duas idéias podem ser defendidas, ainda que
não ao mesmo tempo.
O Papa Pio XII, ao definir a Assunção como
Dogma de fé, não desceu, sabiamente, aos pormenores da morte ou dormição da
Virgem Santíssima.
O Dogma da Assunção consiste em afirmar que
Maria foi elevada em corpo de alma ao Céu e lá já se encontra como Jesus que
depois de Ressuscitado e da Sua Ascenção está também desta maneira.
Maria está inteira no Céu. Maria vive, não
está morta.
Os Santos esperam a ressurreição da carne.
Maria está viva no Céu.
Portanto, mesmo com a proclamação do Dogma da
Assunção, permanece a liberdade de quem queira pensar como os antigos que
falavam simplesmente da dormição da Virgem ou pode-se pensar como a Teologia
mais atual que aceita a morte de Maria.
Convém ainda notar que nas línguas latina
existe uma sutil diferenciação terminológica, que não existe em outros idiomas
e que é, a saber, aquela entre Ascenção e Assunção. Não seria a mesma coisa, ou
seja, a subida em corpo e alma ao Céu? Olhando de fora ou superficialmente pode
parecer a mesma coisa. Mas Ascenção é a de Cristo, e Sua subida ao Céu se deu
por Seu poder divino, por Sua natureza divina. Ele subiu ao Céu. Com Maria o
que aconteceu foi a Assunção, isto é, ela foi atraída ao Céu. Não subiu por
poder próprio. Foi elevada por Deus, atraída por Deus. Sutis diferenças que nos
fazem entender melhor a realidade.
Santo Afonso Maria de Ligório fala das três coisas que tornam a morte
uma experiência nada agradável — o apego à Terra, o remorso dos pecados e a
incerteza da salvação — e de como podemos evitá-las imitando o exemplo de Maria
Santíssima.
Se Maria morreu ou dormiu, cada um escolha o
que melhor aprouver para sua devoção. Mas podemos dizer, conforme ensina Santo
Afonso e conforme a experiência de vida que temos, que Maria não estava apegada
à Terra e, em conseqüência, a morte para Ela não seria amarga. Remorso pelos
pecados Ela não precisaria ter, pois nunca os cometera e tampouco a incerteza
da Salvação eterna. Maria sabia em que terreno estava pisando e estas
incertezas e amarguras não as torturaram na hora da morte.
Que Deus nos conceda, por intercessão de Maria
Santíssima, que vivamos nesta vida de tal modo desapegados de tudo e de todos e
somente apegados a Ele, que possamos partir cantando sob a luz do olhar d’Ela.
* No Brasil, caso não caia num domingo, esta solenidade é celebrada no primeiro domingo após o dia 15. Onde esta solenidade é celebrada sempre no dia 15, caso não seja num domingo, celebra-se a liturgia do dia no domingo seguinte.
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