Essa frase do Evangelho é de aplicação imediata,
clara, límpida – e exigente. Vejamos o seu contexto. Jesus responde a um
escriba, um estudioso da Bíblia, que lhe perguntou qual é o maior dos
mandamentos, entre os 613 preceitos da Sagrada Escritura a serem observados.
Um dos grandes mestres, o rabi Shamai, tinha-se
recusado a dar a sua opinião. Outros, como o rabi Hilel, já consideravam que o
centro de tudo é o amor: “Não faças aos outros aquilo que não gostarias que
fizessem a ti. Essa é toda a lei. O resto é só comentário”.
Jesus não só reafirma a centralidade do amor, mas
reúne em um único mandamento o amor a Deus (cf. Dt 6,4) e o amor ao próximo
(cf. Lv 19,18). Basta ver a resposta dada ao escriba: “O primeiro [mandamento]
é este: ‘Ouve, Israel! O Senhor nosso
Deus é um só. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com toda a tua
alma, com todo o teu entendimento e com toda a tua força!’ E o segundo
mandamento é: ‘Amarás o teu próximo como
a ti mesmo’! Não existe outro mandamento maior do que estes.”
“Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”
Essa segunda parte do único mandamento é expressão
da primeira parte, o amor a Deus. A melhor maneira de demonstrar o nosso amor a
Deus é amarmos os outros de tal modo que eles encontrem em nós a expressão do
amor de Deus para com eles. Assim como os pais ficam felizes vendo seus filhos
em harmonia, ajudando-se, estando unidos, Deus – que para nós é como um pai e
uma mãe – se alegra em ver que amamos o próximo como a nós mesmos, contribuindo
assim à unidade da família humana.
Há séculos os profetas explicavam ao povo de Israel
que Deus quer o amor e não os sacrifícios e os holocaustos (cf. Os 6,6). O
próprio Jesus o relembra, quando diz: “Ide, pois, aprender o que significa: Misericórdia eu quero, não sacrifícios”
(Mt 9,13). De fato: como se pode amar Deus que não se vê, quando não se ama o
irmão que se vê? (cf. 1Jo 4,20). Nós o amamos, servimos, honramos, na medida em
que amamos, servimos, honramos qualquer pessoa, amiga ou desconhecida, da nossa
raça ou de outra, e de modo especial os “pequenos”, os mais necessitados. É o
convite a transformarmos o culto em vida: ao sairmos das igrejas onde adoramos,
amamos, louvamos a Deus, ir ao encontro dos outros, para atuar o que
compreendemos na oração.
“Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”
Para viver essa frase, lembremo-nos de que ela é a
segunda parte de um mandamento duplo, cuja primeira parte, inseparável, é o amor
a Deus. Daí a necessidade da oração, do diálogo com Ele. Deus é Amor. É Ele
quem nos ensina o que é o amor e como devemos amar. Quando estamos com Deus,
não estamos roubando tempo ao próximo, pelo contrário: estamos nos preparando
para amar de modo cada vez mais generoso. E quando nos recolhemos com Deus
depois de amar os outros, a nossa oração é mais autêntica, mais verdadeira,
mais universal.
E ainda: para amar o próximo como a nós mesmos,
precisamos conhecê-lo como a nós mesmos e amá-lo como ele quer ser amado, não
só como nós gostaríamos de amá-lo. As diversidades existem na própria família,
no trabalho e na vizinhança. Assim como gostaríamos de encontrar alguém
disposto a nos escutar, a nos ajudar na preparação de uma prova, na procura de
um emprego, na arrumação da casa, também devemos intuir as exigências do outro,
dando-lhe atenção, permanecendo em sincera escuta, colocando-nos no lugar dele.
A qualidade do amor também é importante. O apóstolo
Paulo, no hino ao amor-caridade, enumera algumas dessas qualidades: o amor é
paciente, é benfazejo; não é invejoso, não é presunçoso nem se incha de
orgulho; não faz nada de vergonhoso, não é interesseiro, não se encoleriza, não
leva em conta o mal sofrido. Desculpa tudo, crê tudo, espera tudo, suporta tudo
(cf. 1Cor 13,4-7). Quantas chances e quantos detalhes para viver esta Palavra!
“Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”
Enfim, podemos lembrar que essa norma da existência
humana é a base da famosa “regra de ouro” que encontramos em todas as religiões
e até nos grandes mestres da cultura leiga. Podemos encontrar na nossa cultura
ou religião convites semelhantes a amar o próximo; e podemos ajudar-nos a
vivê-los juntos – hinduístas e muçulmanos, budistas e membros de religiões
tradicionais, cristãos, bem como pessoas de boa vontade sem referencial
religioso.
Devemos trabalhar juntos para criar uma nova
mentalidade que dê valor ao outro; que ensine o respeito pela pessoa, a tutela
das minorias, a atenção para com os mais fracos; que tire do centro das
atenções os interesses próprios para colocar em primeiro plano os dos outros.
Se amássemos o próximo como a nós mesmos, chegando
a não fazer ao outro o que não gostaríamos que fosse feito a nós, e a fazer ao
outro o que gostaríamos que fosse feito a nós… acabariam as guerras, a
corrupção desapareceria, a fraternidade universal não seria mais uma utopia, a
civilização do amor se tornaria em pouco tempo uma realidade.
Fabio Ciardi
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Movimento dos
Focolares
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