A Arábia Saudita e vários de seus vizinhos do
Oriente Médio pintaram os refugiados sírios e iraquianos que poderiam entrar em
seus territórios como “violentos” e “hostis”, embora a maioria deles sejam
muçulmanos, assim como os habitantes desses países. Esses governos árabes têm
alegado que os refugiados sírios e iraquianos poderiam levar consigo
“ideologias subversivas”, incompatíveis com a sua “estabilidade”.
Ironicamente, é o mesmo tipo de discurso adotado
por um número muito considerável de ocidentais para rejeitar o acolhimento dos
mesmos refugiados, confundindo-os um tanto arbitrariamente com “terroristas”,
“jihadistas” ou “adeptos de um plano de islamização da Europa”. Na realidade, a
maior parte dos refugiados está fugindo precisamente dos terroristas, dos
jihadistas e dos que pretendem impor a todos um islã extremista e
fundamentalista. Em sua maioria, os refugiados são vítimas do mesmo terror que
assusta os europeus – e não parceiros desse terror.
Aleteia conversou com Roland Lombardi, consultor independente
em relações internacionais, especializado em Norte da África, Oriente Médio e
desafios ligados a defesa, segurança e geopolítica. Mencionamos a ele a crise
de refugiados que a Europa enfrenta hoje, ligada, em grande parte, a pessoas
que fogem da Síria. Considerando que os países do Golfo Pérsico estão muito
mais próximos da Síria do que a Europa Ocidental, o que pode ser inferido dessa
escolha dos refugiados pela Europa como destino?
Roland Lombardi respondeu:
Primeiro, eu
gostaria de fazer alguns esclarecimentos. É verdade que o maior número de
refugiados da crise atual vem da Síria. Logo atrás deles, em termos de números,
vêm os somalis, afegãos e africanos subsaarianos. Vale a pena destacar que,
poucos anos atrás, esses refugiados se dirigiam à Líbia, a Israel e ao Líbano.
Os líbios estão atualmente imersos no caos. Israel endureceu as suas políticas,
especialmente em matéria de imigração. E o Líbano já não tem capacidade de
assimilar mais refugiados [há no país mais de 1,1 milhão de refugiados sírios].
Esta conjuntura leva os refugiados a rumarem para a Europa.
Os meios de
comunicação ocidentais têm enfatizado o grande afluxo de refugiados sírios,
iraquianos e afegãos indefesos que chegam através dos Bálcãs. Mas não podemos
esquecer que as regiões do sul da Itália e da Espanha estão até mais
familiarizadas do que os Bálcãs com as pressões ligadas à grande quantidade de
imigrantes [muitos deles, precisamente, em fuga do radicalismo terrorista que
grassa em seus países].
Mais de
100.000 refugiados chegaram ilegalmente à Europa desde o início de 2015. A
Organização Internacional para as Migrações, sediada em Genebra, informou que
1.770 homens, mulheres e crianças já morreram ou estão desaparecidos depois de
tentarem atravessar o Mediterrâneo. Isto desde janeiro [outras fontes estimam
que o número já passa de 2.500, ndr]. O número de mortos e desaparecidos na
tentativa de travessia do Mediterrâneo atingiu 3.400 em 2014, sendo 2.800 só
entre julho e dezembro de 2014.
Com tantos
riscos, por que esses refugiados, a maioria dos quais são muçulmanos, estão
escolhendo a Europa em vez dos países do Golfo? É um grande paradoxo, devido à
proximidade das fronteiras e das culturas.
Embora esta
questão seja bastante relativa, o caso é que a Europa é sempre considerada como
o lugar ideal para se refugiar com estabilidade, segurança e paz. Durante anos,
as políticas relaxadas da União Europeia em relação à imigração, os vários
serviços sociais e médicos oferecidos aos refugiados, a ausência de cooperação
e solidariedade para lidar com esta crise sem precedentes, além da recente
indecisão e incapacidade das autoridades europeias, só contribuíram para
agravar a crise. Ao contrário de parceiros como a França e a Áustria, que
relutam a aceitar os refugiados, a Alemanha anunciou a sua disposição de
acolher cerca de 800.000 deles.
Grosso modo, a maioria dos refugiados quer
basicamente fugir do radicalismo e refazer a vida em países que os acolham com
segurança e que não os confundam cegamente com os mesmos fanáticos dos quais
eles próprios estão fugindo.
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Aleteia
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