Homilia
Santa
Missa na Praça da Revolução em Havana
20
de setembro de 2015
O Evangelho apresenta-nos Jesus fazendo aos seus
discípulos uma pergunta aparentemente indiscreta: «Que discutíeis pelo
caminho?» (Mc 9, 33). Uma pergunta que Ele nos pode fazer também hoje: De
que é que falais diariamente? Quais são as vossas aspirações? Eles «ficaram em
silêncio – diz o Evangelho – porque, no caminho, tinham discutido uns
com os outros sobre qual deles era o maior». Os discípulos tinham vergonha de
dizer a Jesus aquilo de que estavam a falar. Nos discípulos de ontem, como em
nós hoje, pode-se encontrar a mesma discussão: Quem é o mais importante?
Jesus não insiste com a pergunta, não os obriga a
dizer-Lhe o assunto de que falavam pelo caminho; e todavia a pergunta
permanece, não só na mente, mas também no coração dos discípulos.
Quem é o mais importante? Uma pergunta que nos
acompanhará toda a vida e à qual somos chamados a responder nas diferentes
fases da existência. Não podemos fugir a esta pergunta; está gravada no
coração. Mais do que uma vez ouvi, em reuniões de família, perguntar aos
filhos: De quem gostas mais, do pai ou da mãe? É como se vos perguntassem: Quem
é mais importante para vós? Será que esta pergunta é simplesmente um jogo de
crianças? A história da humanidade está marcada pelo modo como se respondeu a
esta pergunta.
Jesus não teme as perguntas dos homens; não tem
medo da humanidade, nem das várias questões que a mesma coloca. Pelo contrário,
Ele conhece os «recônditos» do coração humano e, como bom pedagogo, está sempre
disposto a acompanhar-nos. Fiel ao seu estilo, assume os nossos interrogativos,
aspirações, conferindo-lhes um novo horizonte. Fiel ao seu estilo, consegue dar
uma resposta capaz de propor novos desafios, descartando «as respostas
esperadas» ou aquilo que aparentemente já estava estabelecido. Fiel ao seu
estilo, Jesus sempre propõe a lógica do amor; uma lógica capaz de ser vivida
por todos, porque é para todos.
Longe de qualquer tipo de elitismo, Jesus não
propõe um horizonte para poucos privilegiados, capazes de chegar ao
«conhecimento desejado» ou a altos níveis de espiritualidade. O horizonte de
Jesus é sempre uma proposta para a vida diária, mesmo aqui na «nossa ilha»; uma
proposta que faz com que o dia a dia tenha sempre o sabor da eternidade.
Quem é o mais importante? Jesus é simples na sua
resposta: «Se alguém quiser ser o primeiro, há de ser o último de todos e o
servo de todos» (Mc 9, 35). Quem quiser ser grande, sirva os outros e não
se sirva dos outros.
Aqui temos o grande paradoxo de Jesus. Os
discípulos discutiam sobre quem deveria ocupar o lugar mais importante, quem
seria selecionado como o privilegiado, quem seria isento da lei comum, da norma
geral, para se pôr em evidência com um desejo de superioridade sobre os demais.
Quem subiria mais rapidamente, ocupando os cargos que dariam certas vantagens.
Jesus transtorna a sua lógica, dizendo-lhes
simplesmente que a vida autêntica se vive no compromisso concreto com o
próximo.
O convite ao serviço apresenta uma peculiaridade a
que devemos estar atentos. Servir significa, em grande parte, cuidar da
fragilidade. Cuidar dos frágeis das nossas famílias, da nossa sociedade, do
nosso povo. São os rostos sofredores, indefesos e angustiados que Jesus nos
propõe olhar e convida concretamente a amar. Amor que se concretiza em ações e
decisões. Amor que se manifesta nas diferentes tarefas que somos chamados, como
cidadãos, a realizar. As pessoas de carne e osso, com a sua vida, a sua
história e especialmente com a sua fragilidade, são aquelas que Jesus nos
convida a defender, assistir, servir. Porque ser cristão comporta servir a
dignidade dos irmãos, lutar pela dignidade dos irmãos e viver para a
dignificação dos irmãos. Por isso, à vista concreta dos mais frágeis, o cristão
é sempre convidado a pôr de lado as suas exigências, expectativas, desejos de
onipotência.
Há um «serviço» que serve; mas devemos guardar-nos
do outro serviço, da tentação do «serviço» que «se» serve. Há uma forma de
exercer o serviço cujo interesse é beneficiar os «meus», em nome do «nosso».
Este serviço deixa sempre os «teus» de fora, gerando uma dinâmica de exclusão.
Todos estamos chamados, por vocação cristã, ao
serviço que serve e a ajudar-nos mutuamente a não cair nas tentações do
«serviço que que se serve». Todos somos convidados, encorajados por Jesus a
cuidar uns dos outros por amor. E isto sem olhar em redor, para ver o que o
vizinho faz ou deixou de fazer. Jesus diz: «Se alguém quiser ser o primeiro,
há-de ser o último de todos e o servo de todos» (Mc 9, 35). Não diz: Se o
teu vizinho quiser ser o primeiro, que sirva. Devemos evitar os juízos
temerários e animar-nos a crer no olhar transformador a que Jesus nos convida.
Este cuidar por amor não se reduz a uma atitude de
servilismo; simplesmente põe, no centro do caso, o irmão: o serviço fixa sempre
o rosto do irmão, toca a sua carne, sente a sua proximidade e, em alguns casos,
até «padece» com ela e procura a sua promoção. Por isso, o serviço nunca é
ideológico, dado que não servimos a ideias, mas a pessoas.
O santo povo fiel de Deus, que caminha em Cuba, é
um povo que ama a festa, a amizade, as coisas belas. É um povo que caminha, que
canta e louva. É um povo que, apesar das feridas que tem como qualquer povo,
sabe abrir os braços, caminhar com esperança, porque se sente chamado para a
grandeza. Hoje convido-vos a cuidar desta vocação, a cuidar destes dons que Deus
vos deu, mas sobretudo quero convidar-vos a cuidar e servir, de modo especial,
a fragilidade dos vossos irmãos. Não os transcureis por causa de projetos que
podem parecer sedutores, mas desinteressam-se do rosto de quem está ao teu
lado. Nós conhecemos, somos testemunhas da «força imparável» da ressurreição,
que «produz por toda a parte, gerando rebentos de um mundo novo» (Exort.
ap. Evangelii gaudium, 276.278).
Não nos esqueçamos da Boa Notícia de hoje: a
importância dum povo, duma nação, a importância duma pessoa sempre se baseia no
modo como serve a fragilidade dos seus irmãos. Nisto, encontramos um dos frutos
da verdadeira humanidade.
«Quem não vive para servir, não serve para viver».
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Canção Nova
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